O Sabor da Perdição escrita por Stephany Damacena


Capítulo 4
Vou aonde você quiser


Notas iniciais do capítulo

Vê-la daquele jeito mexia comigo e eu posso dizer que, sim, iria onde ela quisesse...



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Ouvi o trinco se mover e as dobradiças rangerem. Inspirei fundo, tentando não fazer barulho algum, para não chamar a atenção. Vasculhei o quarto com os olhos à procura de uma arma, mas não obtive sucesso. Ouvi passos se aproximarem, e sem opções andei cuidadosamente até a porta do quarto. Vi uma figura de sobretudo negro, parado de costas para mim, no corredor que dava acesso ao banheiro. Sem pensar, corri e agarrei seu pescoço por trás para impedi-lo de reagir; seu capuz caiu para trás e pude ver belos cabelos negros caírem sobre meus braços. Era ela.

— Quer me matar? — Thamy gritou virando-se para mim assim que a soltei.

Ela estava tão linda que fui incapaz de responder na hora. Estava vestida toda de preto, o que fazia um belo contraste com sua pele pálida. Um sobretudo lhe cobria os braços e estava amarrado na cintura.

— O que faz aqui? — Indaguei, me sentindo paralisado.

— Vamos... — Ela olhou-me nos olhos. — Pegue suas coisas! Precisamos ir! — Disse em tom de ordem ao se dirigindo ao meu quarto.

— Ir para onde? — A segui pelo corredor, segurando-a pelo punho, a fiz parar. — Eu não tenho para onde ir! — Mirei seus olhos, e neles haviam um leve brilho de urgência.

— Arrume sua mala e vamos! No caminho te explico… — Ela viu meu olhar de espanto. — Confie em mim, Caio. — Thamy foi até a janela, abriu levemente a cortina e analisou com cuidado. — E se apresse, pois quem fez isso, não vai demorar a voltar.

Revirei a bagunça do quarto a fim de encontrar minhas roupas e pegar tudo que eu achasse útil. Assim que terminei Thamy tomou uma de minhas mãos, enquanto a outra levava a mala, e descemos apressados as escadas até o estacionamento. Joguei minha bolsa no porta-malas e ela se dirigiu para o lado do motorista; entrei no banco do passageiro e Thamy arrancou, manobrando sem dificuldades pelo estacionamento.

Manteve-se quieta por todo o caminho. Pegamos a rodovia ao passo que o sol já se punha fazendo uma bela mistura de cores no céu. Encostei a cabeça no vidro, no intuito de encher minha mente com a paisagem, pois estava sentindo uma dor tremenda nas costelas; verifiquei o horário no celular e já estava na hora do antibiótico. Vasculhei minha mochila até encontrá-lo, tomei com o auxílio de água e voltei a encostar no vidro. Fechei os olhos, pois estava difícil para respirar, meus pulmões pareciam não conseguir se distender o suficiente e eu estava ficando tonto.

— Caio... — Ela chamou. — Você está bem?

— Estou. — Menti sem abrir os olhos.

Senti sua mão em meu peito e foi como se minha dor se esvaísse de meu corpo em direção a sua palma. Eu inspirei profundamente, agora sem dor e com extrema facilidade. Olhei espantado para ela. Thamy me direcionou um sorriso de lado e voltou a olhar para a pista. Eu ia questioná-la sobre nossa viajem repentina, mas como se fosse um efeito colateral daquela “cura”, senti meus olhos pesados e cai no sono.

Acordei com o sacolejo do carro. Abri os olhos e o sol já havia nascido. Imaginei que deveriam ser por volta das 6:00 da manhã, pois no céu ainda havia uma mistura de laranja e amarelo, algo muito típico do nascer do sol naquelas regiões. Andávamos por uma rua de pedra, algo parecido a área rural, com muita plantação e poucas casas. Ao mirar o lado do motorista encontrei Thamy concentrada na estrada e, por incrível que parecesse, não parecia nada cansada.

— Quer que eu dirija um pouco? — Ofereci.

— Já estamos chegando. — Ela se limitou a essas poucas palavras.

Adentramos uma fazenda. Na entrada, depois das porteiras de madeira rústica, havia uma casa de dois andares de modelo gótico antiga, mas muito bem preservada. Suas paredes eram recobertas por tijolinhos a vista e todos os cômodos obtinham janelas grandes e estreitas. Uma pequena escada dava acesso à porta principal e uma varanda modesta, no segundo andar, se dava de um dos quartos. Havia também um celeiro, tradicional e grande, que ficava à direita e um pouco distante da casa; era feito de carvalho polido e tinha janelas altas. Alguns animais pastavam nas redondezas e uma grande plantação de milho se estendia por quase toda a extensão da fazenda.

Thamy estacionou em frente à casa e, nesse momento, um velho senhor de aproximadamente 70 anos, apareceu na porta, dando um sorriso caloroso quando reconheceu Thamy. Ela saiu correndo para cumprimentar o ancião, o abraçou e deu beijos em seu rosto enrugado. Meu corpo parecia dormente, portanto tive que fazer algum esforço para conseguir sair do carro. Os dois conversavam, mas pararam assim que ele me viu.

— Olá, meu jovem! Sou Aristeu. — Ele disse estendo a mão para que eu o cumprimentasse. — Sou o caseiro da fazenda.

— Olá, Aristeu! Sou Caio. — Pensei se deveria complementar meu cumprimento, mas nada me ocorreu na hora, então decidi que isso deveria bastar.

Aristeu se inclinou em minha direção, na intenção de sussurrar em meu ouvido, mas Thamy o impediu antes que ele prosseguisse.

— Aristeu, eu ainda não contei a ele. — Ela o advertiu.

— Desculpe, minha senhora. Vou preparar algo para que comam e as camas já estão postas, caso queiram descansar. — Ele se retirou de imediato.

Olhei impaciente para ela. Não compreendia o que acabara de acontecer.

— Depois de comermos lhe conto tudo. — Ela se inclinou em minha direção sorrindo, tocou a ponta de meu nariz com o dedo indicador.

Ficava evidente que Thamy tinha um poder inquestionável sobre mim, pois não consegui respondê-la. Levamos as malas para o andar superior e eu me deitei, exausto. Ouvimos Aristeu gritar da cozinha e Thamy riu baixinho.

Quando abri os olhos ela estava sentada no chão diante de mim, apoiava os cotovelos na cama e o queixo sobre as mãos; me fitava, a poucos centímetros de mim. Pude sentir o cheiro doce de sua respiração e meu coração acelerou.

— Como está se sentindo? — Ela passou a mão por meu rosto e ajeitou uma mecha de meu cabelo que caia sobre o olho.

— Cansado. — Consegui dizer, sentindo minha pele aquecer sobre seu toque.

Ela aproximou o rosto do meu, mas parou a centímetros de distância quando Aristeu abriu a porta.

— Desculpe, senhora... — Ele tossiu e baixou os olhos, encabulado. — Mas a mesa está posta. — Ele disse e fechou a porta.

— Acho que você precisa se alimentar. — Thamy sorria sem parar, claramente se divertindo com a situação. Tomou minha mão assim que levantei e me guiou até a cozinha.

No andar de cima, havia um longo corredor que dava acesso a outros dois quartos. Entre uma porta e outra havia quadros de tamanho médio. Ao lado do nosso havia dois: à direita, uma figura de um anjo de vestes e asas douradas pisando a cabeça do demônio. Fiquei curioso, e parei diante do quadro para analisa-lo com calma. Suas asas eram lindas e podia jurar que eram de verdade; pareciam penas reais e isso me fez render ao desejo de esticar os dedos para tocar a tela.

— Esse é Miguel. — Thamy pegou minha mão, antes que pudesse tocá-lo. — Guardião dos Céus, que venceu Lúcifer na queda dos renegados, um verdadeiro guerreiro. — Ela me guiou até o lado esquerdo da porta. — Este é Rafael. — Naquele quadro, havia outro anjo com as asas incrivelmente brancas, abertas ao lado do corpo expondo todo seu comprimento. Nas mãos carregava um cajado e um peixe. Suas vestes eram verdes e tinha a expressão serena, diferente de Miguel que era só fúria. — Ele é Medicina de Deus. — Ela sorriu. — É meu preferido, dos três arcanjos. — Após uma breve pausa ela voltou a falar. — E este é Gabriel, o Mensageiro. — Ela disse quando estávamos diante do último quadro. Este tinha as vestes azuis e parecia flutuar, com as asas fechadas ao lado do corpo, incrivelmente brancas também; em suas mãos levava um pergaminho e um lírio; seu semblante era de alegria.

Fiquei admirando aquelas telas, até ela me puxar para que fossemos comer. Descemos as escadas de madeira sólida, passamos pela sala, onde havia poucos móveis e uma televisão antiga, até chegar a cozinha. Onde um armário cobria toda a parede oposta a nós, um fogão, geladeira, uma pia de mármore; estavam dispostos sobre o cômodo e uma mesa de madeira envernizada ao centro. Na qual Aristeu havia colocado, pães, leite, café e frutas. Me servi com pão caseiro e manteiga, café preto com muito açúcar e me sentei a frente de Aristeu. Ele sorriu para mim e pareceu conter um comentário.

— Há quanto tempo cuida desse lugar, Aristeu? — Indaguei ao engolir um pedaço generoso de pão.

— Desde criança eu vivo aqui, senhor Caio. Minha família toma conta desse lugar há cinco gerações... — Ele se interrompeu, olhou para Thamy que estava ao meu lado, como se estivesse se desculpando por falar demais e se retirou, levando seu prato para a pia.

Meu celular vibrou em meu bolso e, ao conferir o visor, vi que era uma mensagem de Filipe. Ele perguntava se eu estava bem; respondi que sim e pedi para que ele não se preocupasse. Thamy olhava-me com certa impaciência, então, guardei o celular no bolso e voltei a comer.

Assim que terminei, ela tomou minha mão e me levou para o quarto.

— Preparado para ouvir o que eu tenho a dizer? — Disse ela, assim que chegamos ao quarto.

Senti o peso de cada palavra deferida por ela e assenti afirmativamente.


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Notas finais do capítulo

Só sei que tudo aquilo não poderia acabar bem!



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