O Sabor da Perdição escrita por Stephany Damacena


Capítulo 21
É chegada a hora


Notas iniciais do capítulo

Nosso pequeno milagre está aqui...



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Ela se manteve em silêncio, fitou-me e, eu entendi que ela não poderia me fazer tal promessa. Ela enfiou a mão no bolso da calça e tirou algo brilhante.

— Acho que isso lhe pertence. — Ela estendeu a mão, que segurava um cordão de couro. A luz clara do sol, iluminou minha velha chave. Thamy sorriu com minha aparente felicidade de encontrar meu amuleto.

Coloquei-o novamente no pescoço e acariciei a chave, inerte nas minhas lembranças e no sentimento de conforto que ela me transmitia.

— O que é isso? — Ela tomou minhas mãos nas suas e avaliou os desenhos que Devdas acabara de fazer.

— Tatuagem de henna. — Passei as mãos no cabelo, claramente encabulado por não poder dar mais explicações a ela. — Ele as explicou, mas… não prestei muita atenção. — Assumi sentindo minhas bochechas corarem.

—  Deveria prestar atenção no que Devdas lhe diz! -- Ela repreendeu-me, e bagunçou meu cabelo, dando um tom mais brincalhão a sua bronca.

 

Dias e semanas monótonas se passaram. Meus dias se resumiam em ajudar Devdas nos afazeres e caçadas. Enquanto observávamos nosso pequeno Mōkṣa crescer rapidamente. Ocupava meus finais de tarde, sentado na grama vendo o sol se por, às vezes, acompanhado de minha amada.

Em um desses finais de dia, eu me sentara a poucos metros de casa, e apreciava a paisagem. As nuvens começavam a assumir tons mais cinzas e o sol, desaparecia aos poucos. Uma brisa gélida começou a soprar, não estava frio, mas só anunciava que a noite chegara. Eu deitei-me então na grama, com as mãos entrelaçadas, atrás da cabeça; esperando as estrelas que logo surgiriam.

Fechei os olhos por um momento, e voltei a me perder em pensamentos. Os mesmos que insistiam em me atormentar desde que recobrei parte da memória. Estava quase certo que buscar o meu destino sozinho seria o melhor a fazer, não poderia colocar em risco os que amo, por um capricho meu, de descobrir o que se esconde em minha mente. Mas deixá-los, parecia igualmente terrível. Eu precisava de um caminho, talvez um ponto de partida, ou até mesmo que decidissem isso por mim. Inspirei fundo e abri os olhos, deparei-me com os olhos verde-esmeralda de Thamy mirados nos meus, a felicidade tomou seus olhos e lábios, e sorri com sua expressão.

— Pare de pensar tanto, vai acabar cheio de rugas. — Ela sussurrou de encontro ao meu rosto, apoiou o corpo sobre o antebraço que estava ao lado de minha cabeça, e colou sua testa na minha. — Vamos dar um jeito em tudo. — Seu tom de voz mudou, estava carregado de preocupações.

— Thamy… —  Ela voltou a me olhar nos olhos, e nesse instante todos os meus medos desapareceram. — Eu te amo tanto.

Lágrimas brotaram de seus olhos, e ela sorriu enquanto sentava sobre os calcanhares e fitava o chão. Levantei-me e virei para ela.

— Meu anjo, o que houve? — Tomei suas mãos nas minhas e depositei pequenos beijos nelas.

— Deve ser a gravidez. — Ela riu sem jeito. — Estou muito emotiva.

Como que em resposta, Thamy se contraiu sobre a barriga e, conteve um grito, mordendo o lábio inferio, enquanto apertava com uma força absurda minhas mãos. A voz de Mōkṣa ecoou em meus ouvidos “é chegada a hora”.

Levantei-me de imediato, tomei Thamy nos braços, enquanto ela continuava a se contorcer em intervalos cada vez menores, entrei na casa e a coloquei sobre minha cama; ajeitei os travesseiros sobre sua cabeça e beijei sua testa, que agora estava coberta de suor. Devdas se apressara, e andava pela casa a procura dos instrumentos necessários. Apanhou uma toalha grande, uma bacia que eu tomara de sua mão e encherá de aguá, depositei-a sobre o pé da cama ao lado de Devdas, que secava a fronte de Thamy e lhe sussurrava palavras em Hindí.

— Devdas, você sabe o que está fazendo? — Questionei-o enquanto ele já havia dado um pano menor para que Thamy mordesse e se ia em direção as suas pernas.

— Tenho uma vaga ideia, mas não se preocupe… — Ele me deu leves tapas no ombro. — Os Deuses vão me ajudar! Há um futuro longo a frente de seu bebê, não temas. — Seus olhos pareciam mais fechados e cansados, suas rugas mais espessas e, suas olheiras mais profundas e enegrecidas, do que o normal.

— No que posso ajudar? — Olhando naqueles pequenos e velhos olhos, que já haviam enfrentado coisas que eu nem ousava imaginar, senti a confiança crescer em meu peito.

— Vá lá pra fora! — Uma tosse rouca o interrompeu. — E traga algo para cozinharmos para Thamy.

— Mas Devdas... — Eu fitei-o incrédulo.

— Meu jovem, você está muito nervoso para poder me ajudar aqui. — Ele sorriu. — Vá!

Um grito baixo de Thamy me fez olhá-la. Ela voltava a se contorcer sobre a barriga e agarrava com força as bases da cama ao seu lado. Thamy retribuiu meu olhar e lançando um beijo a ela, sai pela porta. Apanhei meu arco e flecha e me embrenhei na mata.

Era difícil me concentrar em qualquer coisa que fosse, mas sabendo que era necessário, me esforcei mais. Preocupei-me em ficar nos arredores da casa e, não me afastar muito. Inspirei fundo e fechei os olhos por um breve instante, me concentrando em escutar tudo a minha volta; ouvi cascos quebrarem pequenos galhos, a uma distancia que julguei não passar de poucos metros de onde eu me encontrava. Abri os olhos e apurei os instintos; caminhei cautelosamente até a origem do barulho. Era um cervo de meia idade; ao sentir minha aproximação ele mexeu as orelhas tentando captar minha localização. Escondi-me em uma árvore, que encontrei o mais perto que poderia ficar dele, sem que fugisse. Inspirei e expirei algumas vezes, aprontei o arco e com um movimento rápido, sai de trás da árvore, mirei e atirei a flecha que cravou em seu lado direito. Ela se debateu um pouco, mas logo morreu. Tirei a flecha e o coloquei sobre os ombros.

Andei lentamente pela floresta, colhi algumas frutas que encontrei pelo caminho. Estava com um pouco de receio de voltar, não conseguia parar de pensar se tudo ocorrera bem, e como ele se parecia. Em resposta Mōkṣa se pronunciou: Disseram que sou a cara da mamãe. Seu riso infantil encheu meu ser, e passei a correr em direção a casa.

Já na porta, abandonei o arco e a caça ali mesmo, entrei temeroso, e me deparei com uma criança gorducha e de pele pálida, chupando o dedo enquanto descansava no colo de Thamy. Todos me fitaram, meus olhos encontraram os de Mōkṣa, que eram de um castanho mel muito parecido com os meus, mas rajados com alguns tons de verde. Seus cílios fartos piscaram para mim e um sorriso sem dentes, surgiu em suas bochechas salientes e rosadas. Suas mãos gorduchas se esticaram em minha direção, enquanto ele as abria e fechava, claramente me chamando para mais perto dele. Eu me sentia pregado ao chão, completamente incapaz de me mover; estava paralisado com a imagem de Thamy; um pouco suada e com mechas de cabelo negro, grudados a testa; um sorriso irradiante banhando-lhe o rosto. Sua expressão era de completa felicidade e contentamento, enquanto mirava o bebê em seus braços.

— Caio… — Ela me chamou. — Venha até aqui. — Ela estendeu a mão que não apoiava a criança e, a direcionou para mim.

Com muito esforço consegui sair de meu transe e fui com passos lentos até a cama, estendi os braços trêmulos para Mōkṣa que se lançou neles. O aconcheguei em meu peito, e senti sua respiração de encontro a minha. Seus olhos vidraram nos meus, e esticando as mãozinhas, ele acariciou meu rosto.

“Eu te amo papai”. Ele disse em minha mente.

— Também te amo filho! — Fui incapaz de conter as lágrimas, que transbordaram de meu rosto, uma atingiu seu pequeno dedo, ele a aproximou de si, olhou-a curioso e depois enfiou o dedo na boca.

“É salgada”. Ele riu e aninhou seu rosto em meu peito, não demorou muito e já adormecera.

Aproximei-me de Thamy, e devolvendo Mōkṣa aos seus braços, depositei um beijo demorado em seus lábios.

— Nosso pequeno milagre está aqui. — Ela sussurrou de encontro aos meus lábios.

— Está. E eu farei de tudo que estiver ao meu alcance para protegê-los, e manter nossa família unida. — Disse após reunir toda a coragem que eu julgava ter, o que significaria que meus planos anteriores estariam fora de questão. A pergunta é: O que acontece agora?


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Notas finais do capítulo

Olhar seu rosto me fazia acreditar em um futuro melhor,
afinal, ele nasceu para nos salvar.



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