Crônicas de Um Espadachim da Era Edo escrita por Dark_Angel


Capítulo 8
Inferno


Notas iniciais do capítulo

Enjoy! ;)



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Acontecimentos fortuitos são comuns durante a guerra. Quase nunca é possível executar manobras de combate e prever os "tais" incidentes. O até então imune Battousai, agora se mostrava de veras preocupado. Nunca sofrera um arranhão em batalha, mas hoje algo acontecera diferentemente do planejado. Logo no primeiro movimento, o inimigo conseguiu acertar-lhe com a lâmina, atingindo seu braço esquerdo. Foi um corte superficial, mas era algo que até então se mostrava impossível. Ninguém nunca sobrevivera de uma luta contra o grande retalhador. Kenshin sabia que sua vitória momentânea era pura ilusão. De qualquer forma, ele caminhava rumo ao local designado por Izuka. A chuva agora caía tal como ocorrera em seu sonho na noite anterior. A água escorrendo por seu corpo exausto, limpava-o da culpa. "Deixa uma saída a um inimigo acossado; caso contrário, ele lutará até a morte" , não poderia ter sido diferente, um deles iria morrer hoje. A melhor opção era deixá-lo ir, iludido de que estava em desvantagem. Este golpe hoje, lhe poupara a vida, e era exatamente isto que o deixava preocupado. Aparentemente a imunidade que a técnica Hiten Mitsurugi Ryu lhe concedia, havia desaparecido. Ele se questionava se estava realmente preparado para lutar nesta guerra. Enquanto caminhava ao cair da chuva, sentia que seu mestre não revelara todos os segredos desta técnica mortal. A sensação de fragilidade que agora lhe tomava os pensamentos, causava-lhe certa hesitação. Será que seu mestre estava certo? Ele só iria descobrir, se continuasse lutando. E , neste momento, era exatamente isto que pretendia.

A ruela escura e úmida era um local perfeito para se encontrarem. Kenshin caminhou calmamente até avistar um vulto próximo a uma árvore. Ele avançou até conseguir ver o rosto de Izuka oculto pela sombra de um eboshi*¹. Esperava calmamente como se ignorasse a grande quantidade de água que caía dos céus. Sua serenidade era tanta, que aquilo nem chegava a incomodar.

- Boa noite samurai-san! - disse Izuka.

- Noite.

- Está um pouco atrasado, teve algum imprevisto em sua missão?

- A missão está completa, porém, tive que lutar com um membro dos Shisengumi.

- Estás ferido?

- Apenas um corte no braço esquerdo, foi superficial, nada para preocupar-se. - Izuka esboçou um leve sorriso.

- Venha comigo.

Ambos começaram uma caminhada em direção a uma larga rua que fazia cruzamento com a ruela na qual se encontravam. Era noite chuvosa e não se viam muitas pessoas andando pela cidade. Em menos de três minutos, eles chegaram no que parecia ser o local de encontro do clã. Era uma casa de chás um pouco afastada do centro da cidade. As luzes acesas no interior do aposento revelava um pequeno movimento naquela noite tumultuada. Izuka se aproximou da porta e desferiu três pequenas batidas com as costas de sua mão direita.

- Estamos fechados. - era o que se ouvia do interior da loja.

- Eu vim ajudar a limpar.

A porta então se abriu quase que instantaneamente. Uma bela jovem vestida com um kimono azul claro os atendeu. Ela se inclinou para frente e desejou um respeitoso "Bem vindos" . Izuka e Kenshin entraram no local e ela fechou a porta novamente. O recinto era espaçoso; com quatro mesas colocadas próximas às duas grandes janelas da parede sul. Mais a frente via-se um longo balcão de carvalho onde se encontravam dois homens, aparentemente importantes na hierarquia do clã, conversando com palautinas pausas para degustação do saquê que era servido por outra moça. Nas mesas tangentes a parede, estavam outros oito membros dispostos de dois a dois. Os visitantes caminharam em direção aos dois homens próximos ao balcão.  

- Então finalmente nos encontramos, nobre samurai-san. Me chamo Kogourou Katsura, sou líder do clã Choushuu!

- Kogourou? Mas o senhor...

- Sim. Possuo o mesmo nome de quem acabara de matar. Que ironia não?!

- O que o senhor quer de mim?

- Calma Kenshin, não seja apressado. Porque não se senta e degusta um bom saquê. Enquanto isso podemos conversar um pouco...

Apesar de aparentar uma certa maturidade, o jovem Kenshin possuía apenas catorze anos. Entretanto, sua aparente fragilidade não condizia com tamanha fúria e habilidades que faziam dele o melhor assassino do Japão. Conseguia rivalizar perfeitamente com grandes homens, líderes de organizações importantes, como Saitou e os Shinsengumi. O homem que o acompanhava fez um sinal para que o outro os deixassem a sós. Concomitantemente uma moça servia um fervente saquê no massu*² à frente de Battousai. Momentos depois o mesmo degustava a saborosa bebida em curtos goles.

- Sua missão é demasiada importante Kenshin, deves entender isso. - dizia Kogourou após descansar seu massu sobre o balcão.

- Eu entendo senhor...

- Nosso espião nos comunicou que um dos líderes do governo se reunirá com os Shinsengumi para discutir uma estratégia a ponto de tentar resolver o bakumatsu de uma vez. Eles querem nos derrotar em uma emboscada. Se isto acontecer, nossos sonhos resultarão em uma realidade cruel e inimaginável. Sua missão será interceptá-lo e matá-lo. Sabemos que ele está vindo de Edo e provavelmente chegará a Kyoto amanhã à noite. Você deverá atacá-lo ainda na estrada, na saída norte da cidade. Se tudo correr bem, este encontro com os Shinsengumi nunca acontecerá.

- Sim senhor, não terei problemas para matá-lo.

- Esperamos que sim Kenshin. Agora, bebamos em glória ao clã, e pela sua futura vitória!

O resto da noite não revelou mais surpresas. Os membros apenas conversaram sobre as estratégias que tinham em mente para derrotar o governo Edo. Logicamente, tais estratégias, não foram completamente reveladas por medida de segurança. No atual momento do Japão, a confiança se reservava a pouquíssimas pessoas. E digamos que Kenshin era uma delas. Um menino com tamanha habilidade e desejo de vingança que ainda não fora saciado, preparado para qualquer coisa. Ansioso para lutar nesta guerra e tão jovem, mas tão convicto de teus ideais. Era realmente belo de se ver algo assim.

O tempo passou, e Kenshin resolveu voltar para sua "casa". Deveria se preparar para cumprir sua mais nova missão. Existia apenas uma coisa que atormentava seus pensamentos neste momento: Tomoe.

*****

A carruagem vinha rapidamente sobre aquela estrada de terra. O céu estava limpo, e o ambiente encontrava-se calmo, com o soprar de uma leve brisa vinda do norte. Puxada por dois pares de alazões, o cocheiro a controlava com tamanha destreza, despreocupado. Uma despreocupação talvez, causada pela calmaria da noite. Dois outros cavalos de montaria os acompanhavam para fazer a segurança do governador. Era um homem importante na hierarquia do governo. Um dos líderes partidário de Edo. Os cavaleiros não possuíam armadura, portavam apenas suas katanas e vestiam um kimono preto. Mas sempre atentos, cavalgando paralelamente a carruagem que se aprumava agora, em uma leve descida rumo a entrada norte de Kyoto. A dez metros dali, o assassino observava do alto de uma árvore. Esperando ansiosamente para dar o bote. Seu dia fora bastante calmo, mas por nenhum momento esquecera de Tomoe. Se perguntava constantemente se ela estava bem, agora que descobrira que seu fora morto. Era uma tradição xintoísta cremar o corpo do líder da família quando este morresse, e o depositar dentro de um vaso, colocando-o em seguida sobre um altar. Era exatamente nesta situação que agora se encontrava o pai de sua amada. Kenshin balançou a cabeça em negação, para tentar evitar os pensamentos que o incomodavam. "Saber manter uma ordem impecável, inclusive no meio da desordem, exige profunda reflexão sobre todos os acontecimentos que podem suceder" Ele meditara o dia inteiro. Estava em conflito interno, inseguro, e pela primeira vez, amedrontado. Entretanto, conseguira analisar com sabedoria sua metas e recursos, e decidira que era apto para fazer o serviço.

E por aquele breve momento ele a esqueceu. Um corpo agora caía na escuridão da noite. O som agudo produzido pelo desembainhar da espada presa à sua cintura deu o primeiro veredicto. A lâmina viajou e produziu um corte profundo sobre o pescoço de um dos cavaleiros, isto tudo com Battousai ainda caindo do céu. Ele aterrissou sobre as costas do cavalo, e observou que seus inimigos já o percebiam. Tal como o ágil beija-flor, ele saltou para cima executando um giro de 720º. O atrito com o ar criou uma nuvem polarizada sobre sua espada que otimizava seu ataque em 14%. O segundo cavaleiro nem percebeu quando Kenshin o atacara. Segundos depois seu corpo já estava sendo pisoteado pela própria montaria. O cocheiro então se desesperou, não sabia o que fazer, não era um guerreiro! O samurai se punha de pé sobre o cavalo que ainda andava. Kenshin sacou sua wakisashi e a arremessou contra o desprotegido serviçal. A pequena espada atravessou a garganta do homem, prendendo-o contra a parede de madeira no exterior da carruagem. Faltava o alvo principal. Kenshin agora saltou para o local de seu último ataque e puxou a guia dos cavalos para freá-los.

- Já chegamos? - escutava-se de dentro da carruagem.

- Sim, meu bom homem. Chegamos... No inferno!

A visão que o governador tinha realmente era do inferno. A última coisa que vira foi uma espada atravessando-lhe o peito. Fora uma morte rápida, mas honrada. A missão estava completa. Estava na hora de voltar.

Notas:

*¹ Eboshi: Típico chapéu japonês de palha. Possui uma larga área circular.

*² Massu: Tipo de "copo" quadrado onde é servido o saquê.

Uma curiosidade: O saquê para as nobres classes sociais é servido quente, em contrapartida, para os pobres é um bebida degustada na temperatura ambiente.


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Notas finais do capítulo

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