Quando Percy Jackson conheceu Annabeth Chase, seu relógio parou.

Nico sabia que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde, porém, isso não amenizava a dor em seu peito. Ele amava Percy com todas as suas forças desde seus dez anos e não tinha certeza se um dia esse sentimento passaria. Tinha que passar, já que o moreno de olhos verdes não era sua alma gêmea. Seu relógio continuava correndo, afinal. Nico já não se importava com os números ali marcados, e por isso acabou tomando uma decisão drástica.

Algumas pessoas já tinham quebrado seu relógio antes, tanto por querer quanto por acidente. Não devia ser tão difícil assim. Não sabia como fazer exatamente, mas tentou. E doeu. Muito. Cada tentativa era como enfiar uma faca em seu corpo, contudo, não desistiu. Quando finalmente conquistou seu objetivo, uma rachadura que impedia os meses, dias, horas e minutos de serem vistos, ele sorriu apesar do sangue que escorria por seu pulso e a dor que se igualava a um osso quebrado.

Na tentativa de esconder o que fez, Nico passou a usar uma fita negra no pulso, alegando que não queria ninguém de olho em seu relógio. Por algumas semanas, a desculpa colou. Mas depois de um treino de basquete, Jason descobriu a verdade. Enquanto Nico se trocava no vestiário, a fita escorregou de seu pulso, e o garoto não foi rápido o suficiente para cobrir a área avermelhada. Jason, sendo o único que sabia sobre sua paixão por Percy, não demorou em ligar os pontos.

E óbvio que ele ficou preocupado. O loiro odiava ver seu melhor amigo se afogando em tristeza por um amor não correspondido, ainda mais sabendo que existia alguém lá fora esperando pelo moreno. Jason estava disposto a ajudar o mais novo a seguir em frente, começando por concertar seu relógio. Nico não quis nenhuma ajuda a primeiro momento. Ele gritou, xingou, disse que a decisão do que fazer cabia a si, e por causa de sua teimosia, Jason teve que usar seu ultimo recurso. Se Nico não colaborasse e fizesse o que estava pedindo, ele contaria o que aconteceu para todo mundo, inclusive Percy.

O moreno ficou com raiva do melhor amigo. Queria empurrar Jason de uma ponte e ainda assistir um carro atropelar o corpo do mais velho. Ok, não era para tanto, mas estava bravo. E mesmo assim, ali estavam os dois, parados debaixo do sol escaldante em frente a Valdez’s Repairs; Nico com cara de poucos amigos enquanto Jason sorria.

— Relaxa, caveirinha. Vai ser bem rápido.

— Eu te odeio.

— Nah, nós dois sabemos que isso é mentira.

O sino da loja tocou assim que a porta foi aberta, alertando Esperanza Valdez da presença dos novos clientes. A mulher latina, que mexia em alguma coisa atrás do balcão, se levantou rapidamente para cumprimentar os dois garotos, sorrindo ao ver Jason. O amigo de seu filho avisou que viria.

— Jason! Você sumiu.

O loiro coçou a nuca.

— Ando meio ocupado. — justificou — Creio que Leo também.

— É, a loja anda movimentava ultimamente. Não que isso seja ruim. — sorriu, e seus olhos castanhos calorosos caíram sobre a figura mais baixa de Nico — Você deve ser o Nico, certo?

— É. — murmurou.

O moreno quase grunhiu quando Jason deu uma cotovelada em suas costelas.

— O que? — questionou irritado.

— Não seja rabugento.

— Que tal darmos uma olhada no caso? — Esperanza chamou a atenção, fazendo Nico parar de encarar Jason como se fosse fazer o loiro pegar fogo.

A mulher analisou o pulso um pouco inchado do garoto com olhos atentos. Já tinha visto casos piores, mas se perguntava o que acontecera para o relógio romper sua capa de proteção.

— O que aconteceu? — perguntou, deixando o outro tenso.

— Eu… cai.

— Caiu? — arqueou a sobrancelha, desconfiada — Certo…

— Dá pra arrumar? — mordeu o lábio, nervoso.

— Ah, sim! É bem simples. Só precisamos trocar a capa. Pode doer um pouco, mas é coisa rápida. Dez minutos e estará novo em folha!

Esperanza se afastou, indo até a escada em espiral que dava no segundo andar no canto do cômodo, mas não subiu.

— Leo! — chamou — Preciso da sua ajuda!

— Já vou!

Jason sorriu ao ouvir a voz do amigo. Achou que o garoto não estava ali naquele momento, já que costumava ficar perto do balcão. Nico, por outro lado, parecia cada vez mais irritado, batendo o pé no chão de forma impaciente. Não queria seu relógio concertado. Queria ir para casa e assistir uma maratona de Game of Thrones enquanto comia sorvete de flocos.

— Quero ir embora. — disse para o loiro.

— Ainda não, Nico.

— Cazzo.

— Não xingue em italiano!

O garoto bufou, cruzando os braços. O barulho de metal balançando ecoou enquanto Leo descia as escadas rapidamente. Pulou os últimos três degraus, pisando com firmeza no chão.

— Pikachu! — sorriu, adiantando-se para cumprimentar o amigo, abraçando-o — Eai, cara? Quanto tempo! — deu tapinhas na costas do mais alto.

— Leo, suas mãos estão sujas de graxa?

O latino ficou na ponta dos pés, notando as manchas pretas na blusa azul clara do loiro.

— Hã… Não. — afastou-se e puxou um pano de seu cinto de ferramentas, limpando o máximo possível da graxa — Quem é o seu amigo?

Leo se virou para finalmente cumprimentar o garoto branquelo, que ostentava uma careta por estar sendo ignorado até aquele momento, e seu sorriso morreu assim que seus olhos encontraram os castanhos escuros. Para Nico, não houve fogos de artifício ou a sensação do tempo ter parado que ele tanto ouviu falar daqueles que já tinham encontrado aquele que fez sua contagem acabar. Tudo que sentia era a realização. Todas as dúvidas que teve até aquele momento pareciam se esvair, como areia que escorre por entre os dedos. As coisas pareciam certas, de volta nos eixos. Ele já não sentia aquela constante dor no peito que era pensar em Percy Jackson. Apenas o alívio dominava cada célula de seu corpo. Alívio e alegria.

O garoto conseguia sentir seu rosto em chamas enquanto Leo o observava com uma expressão atordoada, correndo os olhos por cada detalhe do rosto pálido. Nico tinha certeza que estava mais vermelho que o cabo da chave de fenda presa no cinto de ferramentas do latino.
O pulso de Nico pinicou, e ele checou o que acontecia quase que instantaneamente. A vermelhidão sumira, assim como a rachadura que o impedia de ver seus números, que agora estavam todos iguais.

Zero.

Leo finalmente saiu de seu torpor, sorrindo de orelha a orelha.

— Sou Leo Valdez. — estendeu a mão, e Nico notou o relógio igualmente zerado do garoto.

— Nico di Angelo. — aceitou o cumprimento oferecido, sentindo cada pelo de seu corpo se arrepiar com o contato.

— Então, Nico… — pensou por um momento, não sabendo o que fazer ou falar — Ta quente hoje, não é? O que acha de um sorvete?

— Acho que sorvete é uma boa ideia. — sorriu de canto.

— E quem disse que você pode sair?

Esperanza cruzou os braços, tentando parecer severa, mas não segurou a risada quando seu filho a olhou inconformado.

— Pode tirar o resto da tarde de folga. Só não volte muito tarde. O jantar é as sete. E você está convidado, Nico!

O italiano sorriu timidamente e agradeceu. Leo tirou o cinto de ferramentas e o colocou sobre o balcão, apoiando-se sobre este para pegar sua carteira que estava do outro lado. Colocou-a no bolso e se virou para Nico, pegando a mão do garoto – que ficou um tom mais forte de vermelho com isso–, e o puxou para fora da loja.

— E foi bom trazê-lo aqui, no final das contas. — Jason comentou assim que eles sumiram de vista, em um tom alegre.

— É… Quem sabe assim Leo aprenda a lidar um pouco mais com pessoas. Ele passa tempo demais cercado por máquinas.

— Meio improvável. — riu — Nico não é muito fácil de se lidar.

— Acha que eles vai ficar bem?

Jason sorriu.

— Sim. Eles vão.