Amour Âpre escrita por Charmidle Espiratanico


Capítulo 2
Capítulo 2 - Vale-tudo




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Após girar a maçaneta, estava minha cunhada bem na minha frente.

Ambre. Com seus olhos turquesa, a pinta debaixo do olho esquerdo; cabelos longos, dourados e ondulados, e postura arrogante.

— Coooom liceença, piraaAAAANHA — com uma voz arrastada e um bocado alta, ela me empurrou pro lado e foi entrando como se a casa fosse dela. Somado ao cheiro de rum e o fato dela parecer uma barata tonta, estava claro que estava bêbada. Muito bêbada. Não era a primeira vez que a via assim. Ela mora com os pais ainda, que a suportam financeiramente enquanto ela tenta, pela quinta vez, passar para alguma faculdade de design de moda, e também frequenta baladas além da conta.

— Você ainda não teve PT, Ambre? Impressionante — ela estava com um salto escandalosamente enorme que fez minha coluna doer só de olhar, com uma cor berrante. — Como você ainda não caiu?

— Puurquê VOCÊ É PIRIGA E EU SOU DIVA, HAHAHA — fiquei com medo dos vizinhos ouvirem seus berros e fechei as janelas e cortinas num ato inconsciente. Ambre levantou um dos pés pra tirar o salto, mas, devido à falta de equilíbrio, se apoiou na parede e a falta de força no braço a levou pro chão. Uma cena deprimente. — AaaAAAH AI AI!

Parecia que tinha batido a costela direto no chão, e massageava a região, deitada ali mesmo. Me encontrei em um conflito, sem querer ajudá-la porque a odeio. Mas é a irmã do meu esposo e não posso deixá-la assim.

Em um misto de engatinhar e arrastar-se pelo mármore ao longo do corredor, sua intenção era se deitar na cama que era minha e de Nathaniel. Reparei só depois que a saia estava levantada demais e dava para ver sua bunda por completo. Nosso quarto não tem muito espaço. Assim que você entra, só vê uma cama de casal no centro com edredons brancos, um armário à esquerda dividido em dois feito de madeira de cerejeira, um criado-mudo azul escuro num estilo meio retrô e um espelho de corpo inteiro pendurado na parede bege clara.

— EU ODEIO AQUELA DOCETE — Ambre se apoiou no criado mudo, olhando para uma foto minha abraçando Nath. Ouvi meu livro que ando lendo recentemente se espatifar e abrir de leve. — REEEECAALCAAAAADAAAAA! — Ela atirou o porta retrato ao carpete cinza claro, quebrando o vidro com o salto agulha de um de seus sapatos. Era um dos meus preferidos.

Massageei as têmporas, tentando não perder a paciência. Devo ter jogado uma pedra na cruz.

Perdi totalmente os nervos.

— Por que você me odeia, vagabunda? — a empurrei pro lado, correndo em direção à portinha onde guardamos os produtos de higiene para limpar os cacos. Quando voltei, ela tinha alguns filetes de sangue escorrendo pelas palmas das mãos, cortes leves abertos pelos pedaços de vidro.

— Olha o que VOCÊ FEZ! O QUE VOCÊ FEZ! — ela mostrou a mão direita pra mim, e, perdendo meu lado humano por um segundo, pensei em como iria dizer à Iris que o carpete ficou sujo de sangue sem a culpa ser minha. Parece suspeito demais.

Receosa de que ela pudesse tocar em mim e me cortar, me afastei um pouco, com medo e os cotovelos um pouco atrás. Larguei a vassourinha e a pá. Só percebi que tinha trombado violentamente com o espelho quando ouvi seu estilhaçar. Senti uma ardência nos meus braços e costas, e me ajoelhei, envolta em inúmeros e esquisitos reflexos meus e de Ambre. De tão desengonçada que sou, acabei me machucando também.

— FOI VOCÊ QUE ME FEZ FICAR TODA EMPOLADA NA PRAIA COM O AMENDOIM — Ambre apontou o dedo pra mim, com um bafo horroroso de álcool. — EU QUERIA COMER AQUELE GOSTOSO E VOCÊ FICOU COM ELE! E AQUELAS PROVAS QUE EU ROUBEI NO COLÉGIO!

PORRA! Isso já faz muito tempo!

— SUA DEDO DURO! ARROMBADA! — ela continuou, com as bochechas, o nariz e os olhos vermelhos. — E AINDA COMPROU A MESMA BLUSA QUE EU USAVA PORQUE SENTE INVEJA DE MIM ATÉ HOJE, HAHAHA! INVEEEEJAAAA!

— AMBRE! — tirei os cacos maiores do espelho da minha pele com as pontas de meus dedos, estava doendo e ardendo demais! Fui até ela em passos rápidos e a segurei pelos ombros com fúria, mirando meu olhar em seus olhos raivosos. Sem pensar muito, acabei usando força demais, e em segundos suas costas encontraram o chão. Eu estava por cima dela, com os braços esticados, nós duas com os cabelos desarrumados e sangrando graças à embriaguez dela e minha desatenção.

— Isso faz cinco ou seis anos! Você tem atrapalhado minha vida desde que entrei na Sweet Amoris! VOCÊ NÃO SENTE CULPA?

Como resposta, não havia mais nada nos olhos dela a não serem lágrimas. Um ou dois soluços saíram de sua garganta, o peito indo para cima e para baixo descontroladamente. Dois minutos inteiros se passaram, e eu estupefata pela mudança súbita de seu comportamento. Parecia uma santa por um segundo. Ainda não conseguia distinguir se era fingimento ou genuíno, e fiquei muito confusa. Tudo bem que ela sempre foi injusta quando sóbria, mas eu deveria tratá-la assim nesse estado?

— Ela não parece tão ruim assim. Olha só pra ela! — ouvi uma voz dizer do meu lado, e era impossível não notar a cabeleira estupidamente comprida de cor magenta. Minha tia e fada madrinha, Agatha, estava sentada na minha cama esse tempo todo, assistindo a briga.

— De onde você veio, tia? — arregalei os olhos e me esqueci de Ambre por um momento.

— Eu estava aqui o tempo todo, bobinha. Só que você não tinha percebido porque estava cansada demais!

Ambre me olhava perturbada, interrompendo o choro, mas eu não notei.

— O que você está fazendo aqui? — minha testa franziu.

— Te dar um conselho, sobrinha querida! É só pra isso que eu sirvo, de qualquer forma!

Concordei com ela, acenando com a cabeça para que fosse em frente. Tomara que seja algo para me livrar de Ambre ou ter paz com ela.

— Eu só te alerto para que você não...

Foi tudo muito rápido. Ela desapareceu da minha frente no momento em que senti um energético puxão em meus cabelos. Um choro desesperado de dor saiu de mim, e um rosnar quase canídeo de Ambre.

— OLHA PRA MIM, SUA PUTA — tive ânsia de vômito com o seu hálito forte de bebida alcoólica na minha cara. Ela segurou meu queixo com uma das mãos grosseiramente, e prendeu minhas pernas com as suas. Quase perdi o equilíbrio. Me arrependi por segundos de não ter usado minhas mãos para segurar seu pescocinho e torcê-lo. Essa mulher estava fora de si.

Nossos rostos não estavam tão próximos assim, mas ainda me dava uma imensa angústia, já que eu estava sem saída. Senti os pequenos cacos, presos em sua mão, se encontrarem com minha pele e me perfurarem de maneira sutil, mas ainda um pouco ardente. Não pude olhar para os lados para procurar pela fotografia.

Senti um puxar leve no meu queixo. Fitei seus olhos.

— Eeeuuu vouuu... me livraaar de vocêê... — Percebi que ela estava sonolenta, mas não deixava de parecer uma criança birrenta. A coordenação motora de Ambre que, de acordo com a lógica, estaria afetada, teve um pico surpreendente. Eu não esperava por um soco bem dado no meio da maçã esquerda de meu rosto, atingindo também meu olho. — TÁ ENTENDENDO?

Foi como se tivesse visto uma luz por somente um lado do rosto, uma cegueira momentânea. Meu corpo reagiu, e minha voz ecoou por todo o apartamento, talvez chamando a atenção dos vizinhos. O impacto do golpe me fez cair pro meu lado direito, e pelo espaço entre a cama e o criado-mudo ser apertado, bati com o ombro e a cabeça no criado mudo justamente em uma parte saliente. Eu me sentia como se tivesse sido amassada, e estava sendo derrotada por uma mimada bêbada. Lágrimas vieram aos meus olhos por causa da dor.

"Não vou perdoá-la", pensei, e um instinto animal tomou conta de mim. Peguei um pedaço do espelho do tamanho do meu indicador e com minha mão livre agarrei seu pescoço, o apertando com o máximo de força que pude. Estava muito tentada a cortá-la.

— AAGGHH! — ela tentava respirar e tossia, falhando ao retirar meu braço enquanto agonizava por um longo tempo. Uma pancada veio à minha têmpora: Ambre pensou rápido e me acertou com a ponta da madeira do porta-retrato. Coloquei minha mão no local para amenizar a dor, choramingando, e senti um líquido quente.

No meio daquela cena que parecia mais briga de rua, ouvimos a porta bater bem alto.

— Não pode ser o Nathaniel... — ignorei a ferida da minha têmpora, me levantando com dores.

— HAHAHA, claro que não! — Ambre afirmou, fazendo força para se colocar de joelhos. — Tomara que ele esteja fodendo a Melody ou qualquer outra puta por aí.

Ouvi três outras batidas na porta da frente, dessa vez mais volumosas. Estava com uma imensa vontade de chutar Ambre e pô-la no chão de novo, mas tinha que atender a porta.

Peguei a chave do quarto em uma das gavetas do criado-mudo, e em passos rápidos tranquei Ambre ali. Comecei a respirar pesadamente, sentindo as dores na cabeça, ombros e braços voltarem. Minhas roupas estavam manchadas de vermelho.

Um rugido quase gutural, porém feminino, veio de dentro do quarto. Ambre parecia quase possuída quando bêbada. Logo, tornaram-se audíveis os sons dela chutando tudo o que via pela frente e bagunçando as coisas enquanto me xingava. Aliviada por instantes, não me lembrei da porta.

E ela acabou sendo arrombada pela polícia. A primeira pessoa que me viu estava boquiaberta.

— Meu Deus, Docete! O que aconteceu com você? — seus olhos verdes pareciam surpresos enquanto me escaneavam. Suas mãos estavam nos quadris, e uma delas segurava algemas.

— Kim... — sussurrei, temerosa do que rolaria se eu contasse tudo. A culpa é parcialmente minha. — Eu...

— Tá, Docete, você me conta depois — minha ex colega de escola tentou me reconfortar. — Me chamaram porque ouviram gritos nessa casa, sinais de briga. Você tá sozinha, gata?

Reparei então que Ambre tinha feito silêncio. Estranho.

— ... Não... — respondi, desconfortável.

"Meu Deus, será que ela morreu?", pensei, quase entrando em pânico. Kim me fitou com estranhamento, e eu não queria parecer mais suspeita ainda. Ela viu a trilha de sangue no chão vinda do meu quarto e foi direto para lá. A segui, cruzando os dedos.

Girei a chave para destrancar, e uma mistura de odores ainda pior veio às minhas narinas: vômito, álcool e suor. Era nojento. Ambre estava desmaiada e vomitada. O que eu deveria fazer?

Kim suspirou e mexeu nos próprios cabelos, sem saber muito o que comentar a respeito.

— Foi uma briga feia. Tinha que ser vocês duas. Dá pra ver só de cheirar que ela tava bem alterada.

— É... sim...

— Eu te conheço há bastante tempo, Docete, e sei que é uma pessoa de bem. Só estava se defendendo, certo?

— Sim — isso não era exatamente mentira.

— Vou levar Ambre pro hospital e deixar essa passar.

— Ufa... Eu nem sei o que...

— Mas — ela me interrompeu, desta vez severa. — Se algo assim acontecer de novo, terei que levá-las à delegacia, sem discussão. Sacou? Só vou aliviar dessa vez.

Meu corpo teve um calafrio, e concordei nervosamente.

— Viu, Docete? Você se livrou dessa! — ouvi minha fada madrinha dizer no meu ouvido. Minha têmpora estava bem menos úmida, mas a dor ainda martelava. — A Ambre ficará bem, assim como você! O Nathaniel vai falar com ela, tenho certeza!

— Agora não é hora, depois a gente conversa! — sussurrei pra ela, meio irritada. — E onde você estava depois que sumiu?

— Quem sumiu? — Kim perguntou pra mim, sem entender. — Docete?

— Nada não, Kim — tentei tranquilizá-la com um sorriso forçado. — Vou ligar pro meu marido.

~

~

— Nossa, você se machucou feio! — Nathaniel ficou estupefato quando me viu. Quando liguei pro trabalho dele, ele conseguiu ser dispensado um pouco mais cedo porque conseguiu argumentar que era uma emergência e precisava ir. Seu chefe é legal. Mostrei a ele todos os arranhões e contei tudo o que aconteceu, apenas omitindo as partes do meu passado das quais me arrependia, além dos detalhes de violência extrema.

Estávamos no nosso sofá da sala, tranquilos. Eu ainda não tinha mudado de roupa, pois queria mostrar pra ele os estragos que Ambre me fez.

Eu sentia culpa por meus atos, mas não tanto. Ambre meio que merecia. Mas talvez eu realmente tivesse passado um pouco de meus limites. Refleti antes de Nath chegar em casa, e concluí que seria melhor pensar nisso outro dia. Aquilo foi muito estressante.

— Sim, mas não consegui limpar tudo direito. Ainda há um pouco de cheiro, principalmente no carpete. Eu liguei pra Iris e ela virá assim que sair da casa de Dajan, mas teremos que pagar um extra pra ela.

— Isso não é problema — Nath disse tranquilamente. — O pior já passou.

— Temos que pagar pra consertarem a porta... e um novo porta retrato... e...

— Eu sinto muito vergonha da minha irmã — minha fala foi cortada, e Nath olhava pro chão, austero. De um segundo pro outro, seu humor mudou. — Não sei mais o que fazer com ela. Desde que nos casamos, toda vez que visito a casa de meus pais há uma briga por causa de algo que ela fez. Tem sido cada vez mais problemática e neurótica.

Fiquei sem saber o que falar. Qualquer coisa quebrada aqui em casa não era nada comparado com o que ele estava sentindo.

— Bem... me desculpa...

— Desculpa pelo quê? Você fez algo de errado? — ele perguntou ironicamente, apoiando a mão na testa.

"Quase assassinei sua irmã", o pensamento se formou, e morreu logo em seguida.

— É que isso já acontece há muito tempo. Eu não quero te causar incômodo.

— Ela está sendo o único incômodo aqui, Docete — Nath retrucou, irritado. — No colégio, até dava pra levar, mesmo com meu pai a mimando muito. Agora tá insuportável!

— Já volto, Nath — me levantei e fui até a cozinha. Peguei um copo de água gelada pra ele.

Coloquei na mesinha de centro retangular, corri meus dedos por seus cabelos de forma carinhosa e beijei sua têmpora. Tentei soar tranquilizadora.

— Vou tomar meu banho e colocar alguns curativos. Descansa um pouco enquanto isso, ok?

Ele não disse nada, apenas me abraçou por um longo tempo em silêncio. Deve estar se sentindo exausto.

— Aliás, liguei pro médico hoje de manhã, depois de você sair.

Seu semblante era curioso.

— E o que ele disse?


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