Wulcan mal conseguia olhar para Kurt, aquele treino com dupla forçada não fora uma boa, pois a obrigava a ficar perto dele quando não queria, contudo o treino era preciso, seus poderes necessitavam disso e ela não podia deixar que seus sentimentos pessoais atrapalhassem.

– Parece que vamos ficar juntos nessa, não é Wulcan?

– É... – ela respondeu lacônica.

– Não se preocupe, somos uma equipe e nada vai acontecer. Eu protejo você.

Ela ficou constrangida ao ouvir isso, não que considerasse ofensa a boa intenção de Kurt, apesar de tudo, ela ainda era principiante nos treinos então não podia se dar ao luxo de ser orgulhosa e esnobar a ajuda dos colegas de equipe, mas lhe constrangia essa boa vontade DE Kurt quando o que ela queria era que ele se afastasse.

Kurt por sua vez, achou estranha a reação de Wulcan. Normalmente ela era agitada e alegre, porém naquele momento lhe pareceu cabisbaixa. Não condizia com a vontade que ela sempre demonstrava de aprender e se aprimorar no quesito poderes, era como se tivesse se trancado dentro de si mesma, evitando lhe olhar nos olhos. Ainda que com o questionamento do porquê daquela atitude, no momento, o que importava era o treino e considerando o tom que Ororo lhes falou, estava claro que precisariam de concentração.

As algemas foram colocadas, era muito estranho mesmo, dava pra se sentir como um presidiário preso a um policial. A pulseira era feita de aço e ficava bem firme, de modo que poderiam se movimentar a vontade que ela não sairia do pulso, o comprimento da corrente permitia movimentos porém era fato que seu companheiro de treino não poderia dar muitos passos adiante sem que você fosse também obrigado a dar, exigia muita sincronia de ambos. Todos foram conduzidos a linha de saída, ainda tentando se acostumar com o incomodo acessório.

– Lembrem-se, a bandeira se encontra no final do percurso, mas o trajeto pode mandar qualquer obstáculo. Estejam atentos! – reforçou Ororo.

– Não se preocupe, Wulcan, posso nos teleportar pra longe dos obstáculos. – ela sorriu timidamente sem levantar muito os olhos, tinha um pressentimento de que não seria assim tão simples como parecia.

Os alunos se colocaram em posições, já em sentido de alerta para qualquer coisa que aparecesse. Sem perceberem, Logan e o Professor Xavier se posicionaram ali perto com o intuito de observar os alunos em modo de batalha, porém a intenção real de ambos era observar Wulcan, especificamente.

– Me surpreendo em vê-lo aqui, Logan. Não é de seu feitio assistir o treino de outros professores, acredito que sempre ache o treino deles mais leve que o seu.

– Pegam leve mesmo! O meu interesse, no entanto, está em Wulcan. Quero ver como ela se sai em um treino em grupo. Tenho muitas expectativas para ela e um apreço... digo, interesse em saber até onde ela pode chegar com seus poderes. – Xavier notou algo diferente no tom de Logan, porém fingiu não ter percebido.

– Consigo notar suas expectativas.

Ororo soou o apito. De início, foi engraçado ver que algumas duplas se estabacaram no chão porque o companheiro de algema saiu correndo na frente enquanto o outro se atrasava sem conseguir acompanhar, a queda de ambos era inevitável e demoraram a estabelecer uma sincronia. Porém nas quedas de algumas duplas, outras que conseguiram se organizar um pouco melhor saíram bem na frente. Kurt, acostumado a pular, sabia que Wulcan poderia não acompanhá-lo, então quis sair na frente se teleportando, mas não contava com uma surpresa desagradável no momento que apareceu mais a frente.

Kurt estacou e abriu a boca em um grande “Ah”. Quase que imediatamente após aparecer do seu teletransporte uma arma com três canos subiu de um buraco na grama e estava apontada para ele. Ouviu-se um leve ruído como se ela estivesse carregando a munição, foi tudo tão rápido e Kurt foi pego tão de surpresa que ficou petrificado, somente fechou os olhos esperando o impacto dos tiros fortes e doídos de tinta porém os tiros não vieram, ele só sentiu um safanão nas costas que o jogou para frente direto na grama.

– Cuidado, Kurt! – Wulcan percebera a arma e mais ainda a surpresa petrificante de Kurt, viu que ele seria atingido e não pensou duas vezes ao se jogar sobre ele, empurrando-o no chão. Isso só foi possível porque ao reaparecer, Wulcan estava um pouco mais atrás, então teve também tempo de pensar numa ação. Foi por muito pouco, ela sentiu o tiro de tinta passar a milímetros de seu rabo-de-cavalo – Somos mutantes acorrentados, lembra? Eu imaginei que não seria tão fácil quanto parecia, acho que só se teleportar não vai adiantar muito, pois de alguma forma as armas vão nos seguir. Temos que pensar num plano!

Ao passo que Wulcan disse isso, a arma se voltou pra eles novamente, recarregando para um novo ataque. Ela se concentrou e explodiu a arma com um jato de fogo. Kurt percebeu que eles teriam que trabalhar juntos e só correr não seria o bastante. Ele pode ver que alguns de seus amigos conseguiram ultrapassá-los, outros ainda que estivessem a frente, foram atingidos, de fato a parceria era uma questão de sobrevivência.

– Certo, Wulcan! Vamos correndo, eu teletransporto pra desviar quando necessário e você destrói as máquinas quando elas apontarem para nós.

Wulcan acenou num gesto afirmativo. Os dois se levantaram, verificando se não havia nenhuma outra arma que pudesse pegá-los de surpresa e conseguiram correr alguns metros ao longo do caminho, com olhos e ouvidos bem atentos a qualquer movimento.

– Se abaixa, Kurt! – ela havia notado uma arma do lado dele que se levantara, ao passo que Kurt ouviu a voz de sua parceira, se abaixou e ela lança um espinho gigante que corta a base da arma, fazendo com que ela tombasse.

– Wulcan, atrás de você! – as armas pareciam não dar trégua, Wulcan quase erra o jato de fogo pois precisou rodar seu corpo para mirar. Mas ao passo que fez isso, pelo menos três armas ao longo do caminho apontada para eles surgiram.

– Fique de costas! – Kurt não entendeu muito bem, mas logo percebeu que se os dois ficassem um com as costas coladas nas costas do outro teriam uma visão bem melhor dos dois lados do caminho a ser percorrido. Isso daria tempo a eles para explodir as armas que não davam trégua.

– Na minha frente! – gritou Kurt.

– Se abaixa, Kurt! – Wulcan rodou seu corpo na direção de Kurt ao passo que ele se agachava dando a ela espaço para que jogasse um jato de fogo e explodisse a arma. Ele notou que podia avançar um pouco além através do teletransporte. Os dois pensaram a mesma coisa, podiam ficar de costas um pro outro e explodir as armas porém também precisavam andar e avançar, e costa com costa ficava complicado. Daí Kurt decidiu teleportar. Conseguiram avançar uns seis metros adiante e por sorte parecia que nenhuma arma de tiro levantara.

– Conseguimos, por hora... – disse Wulcan respirando um pouco, nunca pensara que adrenalina e pensar rápido pra usar seus poderes cansasse tanto. Kurt, por sua vez, levantara as orelhas como se estivesse ouvindo algo ao longe e sua parceira logo notou também correndo os olhos em volta. Era como um zumbido fino, algo cortando o ar, eles sentiam que algo se aproximava.

– Cuidado! – gritou Kurt. Ele havia enxergado primeiro, cerca de cinco objetos ovais achatados vinham na direção deles, eram como hélices que cortavam o ar, Wulcan estava de frente para ele e se virou imediatamente ao grito dele. Fora tão rápido que ela só conseguiu ter tempo de se virar e olhar para os objetos voadores que vinham na direção deles. Institivamente, prevendo que não conseguiria deter o ataque dessa vez, Wulcan ergueu os braços e as mãos num gesto de defesa, porém mesmo esse gesto gerou algo inesperado para ambos.

Ao passo que Wulcan ergue seus braços, uma cortina de fogo também se ergue na frente dela e de Kurt. Os objetos que vinham em sua direção ao se chocarem com a cortina de fogo ou se desmantelam em sucata assim que chegam ao chão ou derretem quase que imediatamente. Wulcan olha surpresa e ao mesmo tempo assustada para aquilo, não fora nada planejado, era como se fosse um reflexo dos seus poderes diante do perigo. Mas não havia tempo pra pensar nisso, Kurt apesar da surpresa, saiu logo do torpor e se teleportou para mais a frente.

Ao longe, Logan e Charles observavam o treino e já tinham algumas opiniões e idéias em mente. Logan como dissera, estava muito interessado em observar Wulcan. De início, ficara contrariado com a escolha da dupla. Kurt apesar de mais concentrado, ainda apresentava graves falhas de estratégia e conduta numa situação de batalha. Imaginara se colocar uma dupla com tal desvantagem não seria prejudicial a Wulcan também, afinal ela estava começando e alguém com concentração íntegra seria mais adequado. Ledo engano.

Conforme o treino avançava, ele percebeu que ela conseguiu se controlar e agir bem diante dos obstáculos. E Kurt idem. "A chamada de atenção que ele levou talvez tenha surtido algum efeito afinal...", pensou Logan. Kurt parecia mais concentrado ao passo que Wulcan, centrada nas condutas conseguiu não só controlar bem os poderes mas evocá-los quando necessário mediante urgência. E mais do que isso, soube ter a ação de proteger o colega. Ele cada vez mais ficava intrigado, o treino de Wulcan no medidor fora regular, mas em campo sob o efeito da adrenalina, ela conseguia se revelar uma mutante muito habilidosa, talvez mais do que ela mesma supunha. O momento mais surpreendente até o momento, contudo, fora a manobra dela de ficar de costas com Kurt. Era como uma estratégia de filme de guerra e Logan se perguntava se ela sabia disso previamente ou fora um impulso. Seja lá o que tenha sido, fora realmente muito bom. Além disso, a cortina de fogo que Wulcan erguera diante dos discos fora surpreendente, porém diferente da primeira situação, ele tinha a certeza de que não fora intencional. Pode notar os olhos dela se fechando e a expressão de medo e surpresa desagradável que fizera, era claro que ela sentira a ameaça e não esperava por ela. Logan decidiu naquele instante prestar mais atenção nessa associação dos poderes de Wulcan com as emoções dela.

Na arena, por sua vez, Wulcan mesmo após o teletransporte de Kurt ainda estava sob o torpor do que fizera. Mil perguntas apareciam em sua mente ao mesmo tempo que tentava mantê-la em alerta. O que fora aquilo? Como apareceu aquela cortina tão grande? Ela estava ainda aprendendo sobre o controle de seus poderes, é verdade, porém aquilo não fora planejado, analisaria isso depois, ainda estavam em treino.

Kurt percebeu a tensão de Wulcan, que estava visivelmente potencializada devido ao treino no qual ainda estavam. Percebeu algo bom, contudo. Eles conseguiram se teletransportar e Kurt já avistava, ainda que a uma distância considerável a bandeira que deviam pegar. Num rápido passar de olhos pela arena, viu seus colegas bem mais atrás. Algumas duplas sequer conseguiam sair do lugar, pois se entretinham com os obstáculos, outras tinham seu companheiro atingido e no ato de ajudá-lo e dar apoio, lentificaram o passo. Eles apesar dos pesares ainda estavam na vantagem.

– Wulcan! Vamos, olhe lá a bandeira! Estamos perto, precisamos conseguir! - Ela caiu em si, foi arrancada de seus pensamentos e desatou a correr com Kurt atrás de si. Ela se enchera de confiança ao pensar que a bandeira tinha chance de ser deles.

Assim como Kurt ela notara que não havia duplas no páreo, embora também não pudesse dizer que estavam totalmente fora dele. A alguns metros atrás viu que Jean e Kitty se aproximavam. Jean flutuava e Kitty por estar ligada a ela pela algema conseguia fazer com que os obstáculos ultrapassassem elas.

– Kurt! Kitty e Jean estão se aproximando! Vamos correr mais rápido, acho perigoso você se teleportar, algum obstáculo maior pode ser acionado! – Disse Wulcan ofegante.

Assim foi feito. Eles correram o máximo que podiam porém Jean e Kitty também aumentaram sua velocidade. Quando estavam a uns 5m da bandeira, Wulcan notou que esta se mexia. Jean através de seus poderes estava tentando mover a bandeira de forma que ela levitasse até ela, porém nesse ato uma arma potente levantou e estava mirada para as duas duplas, de modo que não poderiam se aproximar da bandeira sem irem de encontro a arma também.

– Ah, não vai não! – Pensou Wulcan. Num gesto rápido esticou da sua mão uma espécie de vinha, que se parecia com um cipó muito grosso que logo agarrou a bandeira puxando-a ao seu encontro a medida que retornava a sua mão. Com a outra mão livre, Wulcan soltou uma bola de fogo grande que explodiu a arma e soltou faíscas que inevitavelmente caiu sobre as duas duplas que se aproximavam e foram lançadas ao chão.

Vendo tudo aquilo, Logan e Xavier ficaram preocupados, correndo na direção do ocorrido e Ororo voou na direção dos jovens que permaneciam caídos.

– Vocês estão bem? - perguntou ela. Wulcan devido ao impacto caíra por cima de Kurt, mas ele virara seu corpo para protegê-la mesmo assim, tinham alguns arranhões e queimaduras leves. Jean e Kitty estavam dentro de um escudo protetor que Jean criara e não se machucaram.

– Estamos sim, professora. – Wulcan sentiu algo pontudo pressionando e machucando sua barriga. – Acho que eu e o Kurt um pouco melhores que os outros – disse ela com um sorriso sem graça puxando a bandeira que estava embaixo de si.

– Ora, ora Espoletinha, pelo visto vocês conseguiram. – Ouviram Logan chegando logo mais atrás. – Você também não se saiu tão mal, Duende.

– Bem, o treino acabou. – Começou Ororo. – As outras duplas venham aqui para tirarmos as algemas.

Enquanto Ororo abria as algemas das outras duplas, todos parabenizavam Wulcan e Kurt pelo bom desempenho. Por Wulcan ser nova e ainda não ter total domínio de seus poderes, ganhar um treino assim grande de primeira, era uma façanha e tanto. Ela estava feliz por isso, contudo sua inquietude por causa de Kurt retornara latente agora que toda a concentração diante do perigo já não era mais necessária.

– Agora estão livres. Quero que em momentos posteriores pensem em seus erros, nas falhas durante o treino e em como podem melhorar o treino em equipe para a próxima vez. Logan, Charles, eu gostaria de uma reunião agora para meu parecer. – disse Ororo.

– Certo, Ororo. Nos reunimos no escritório dentro de 15 minutos. – respondeu Xavier se retirando e sendo seguido por Logan e Ororo.

Os outros alunos foram se retirando também, todos estavam cansados. Aquele treino foi excepcionalmente cansativo e duro.

– Nós conseguimos, Wulcan! Acho que é uma das primeiras vezes que me dou bem assim num treino desde que passei por aquele período de depressão.

– Que bom Kurt. – Wulcan voltara a falar daquela forma lacônica. Kurt estranhou muito, será que fizera algo e não havia percebido?

– Wulcan...

– Kurt, eu tenho que ir agora. Tenho umas coisas da escola pra ver... – ela saiu a passos largos e ligeiros deixando Kurt sem entender nada. No fundo, não queria tratá-lo assim, porém sentia que seria bom que ficasse um pouco afastada. Era nova na cidade, mutante e havia uma ex-namorada maluca e ciumenta que ficava pegando no seu pé. Fazia isso por Kurt também, não se sentiria bem se ele por acaso brigasse por sua causa e acabasse entrando em confusão. Não, o melhor era se manter distante.

Kurt por sua vez não entendia, mas ao mesmo tempo se incomodava com esse tratamento. Ele não podia conceber que Wulcan, sempre tão alegre, de uma hora pra outra tivesse mudado dessa maneira, devia haver algo errado e se ele fora responsável, precisava esclarecer. Decidiu então fazer isso. Deixando para trás o som de bunf, se teleportou para seu quarto.

***

Wulcan estava em seu quarto, de banho tomado com um livro na mão tentando ler algo. Não podia negar que tivesse ficado feliz com seu desempenho no treino, dava um orgulho saber que fora capaz, que conseguira algo significativo com seus poderes e considerando seu primeiro treino em grupo, foi bem produtivo, não se podia negar. Foi tirada então de seus pensamentos por um barulho e bunf e um cheiro característico de enxofre. Kurt aparecera na sua frente. Estava vestindo uma calça jeans e uma camisa verde listrada, fora seu habitual casaco cor de caramelo, dava a entender que ele iria sair para algum lugar. Wulcan olhou para ele surpresa, não esperava esse tipo de invasão no seu quarto.

– Kurt, mas o que...?

– Como vencemos o treino, acho que devíamos comemorar.

– Isso não precisa, deixe pra lá, não se incomode, eu...

– Eu faço questão. Vim convidar você para ir à sorveteria comigo. E quero saber também por que está me tratando assim.

Wulcan abriu e fechou a boca, á medida que baixava os olhos e a cabeça. Pelo visto Kurt também era transparente e seria melhor ela abrir o jogo sobre tudo o que estava sentindo e pensando.