Talvez eu não devesse ter ficado na cama aquela noite.

Estava chovendo torrencialmente, as gotas de chuva eram tão fortes que eu conseguia ouvi-las batendo em nossa janela, e junto com elas, meus pensamentos desabavam.

Talvez meu irmão não tenha entendido direito, talvez meus primos não se expressassem direito em sua correspondência com mamãe. Mas, e se não? E se eles realmente estavam planejando levar eu ou Eliza consigo?

Foi então que a realidade bateu em minha porta, de todas as grandes preocupações que me vinha à mente, uma delas, talvez o motivo mais eminente e evidente da vinda de meus primos estivesse na minha frente o tempo todo.

Como não havia eu pensado nisso antes?

Há algumas semanas mamãe tem feito eu e Eliza dobrarmos nosso horário em aulas de costura, música e etiqueta. Tem nos feito praticar nosso francês quase todas as tardes, além de nos levar a cidade toda semana para comprarmos vestidos novos, e acima de tudo, exageravelmente caros.

Sentei-me na cama. Como isso poderia estar acontecendo?

Olhei para o lado e escutei Eliza dormindo, tão calma e relaxada apesar da noticia que recebeu no final da tarde. Sua respiração era lenta e preguiçosa como se nada mais a preocupasse. Passei as mãos em meu cabelo, e meu cérebro continuou a mil, pensando em outras razões para a visita nada conveniente de meus primos.

E assim passei boa parte da noite e quando acordei, percebi uma conversa ritmada no quarto. Demorei um pouco para conseguir ouvir quem estava conversando, até que percebi que era Eliza e Meg.

– Eles estão na cidade agora, sua mãe acabou de nos avisar para deixar o quarto de hospedes arrumado e pronto para a sua vinda - Meg contava para Eliza calmamente.

– E será que ela não planeja nos contar o motivo de sua vinda? - Perguntou Eliza para mim, e percebi que já havia me sentado na cama sem me dar conta.

Apenas balancei a cabeça em negação. Se eu conhecia bem a mamãe, ela não nos contaria nada até que a consciência da situação batesse a sua porta, e, por um lado eu a entendia, pois sempre foi desse modo.

Mas não conseguia entender meu pai, sempre fomos tão próximos, eu o considerava meu conselheiro, e sabia que podia contar com ele para qualquer coisa, então, qual o motivo de ele não me avisar sobre o assunto?

Pedi para Meg colocar-me em um vestido simples, porém essa me conta que mamãe já lhe deu ordens de dar-nos banho e nos colocar em nosso melhor vestido. Tendo isso em mente, deixei que ela assim o fizesse, para que de algum modo eu conseguir agradar a minha mãe e tentar fazer essa desistir de qualquer coisa que tinha em mente.

Assim, Eliza e eu fomos vestidas como princesas, além de termos que aquentar a grande quantidade de perfume que nos foi passado. Depois, descemos as escadas calmamente, pois como sempre, eu tive que ser acompanhada e assistida.

Logo que chegamos ao final da escada, escutei meu pai passando por ali, tentei ir atrás dele para conversarmos mais não consegui, pois Eliza me puxou pela manga do vestido para junto dela, a caminho da cozinha, aonde minha mãe deveria estar. Enquanto isso eu tentava achar alguma desculpa em minha cabeça para conseguir falar com papai, mas fui surpreendida com a entrada na cozinha.

O cheiro de uvas pairava no ar, tão doce e tão amarga ao mesmo tempo, eu sabia que isso seria difícil, mamãe não gostava de uvas, e se ela estava ali, era por um bom motivo.

Meg me sentou em minha cadeira de sempre, e escutei minha mãe chegando.

– Bom dia queridas, estou terminando de arrumar as coisas para a chegada de seus primos - disse ansiosa. - Estava me dando conta de que não tínhamos todo o estoque de frutas, então pedi para seu irmão ir a cidade para mim, e por uma coincidência ele encontrou seus primos, que já nos garantiram que logo estariam aqui.

Com aquilo explodi.

– Então acho que a senhora nos deve uma explicação sobre a tal "visita" - disse em um tom maior do que deveria.

– Bre... - começou minha irmã Eliza, mas não deixei que ela terminasse.

– Eliza, você ainda não tem uma vaga ideia do motivo da visita dos nossos primos não é? Não achou estranho nem mamãe e nem papai comentarem o motivo da vinda de Louis e Nicolas?

– Querida, nos iríamos falar sobre isso com vocês... - disse mamãe, e pude escuta-la respirando profundamente.

– Quando? - perguntei já sentindo minhas mãos tremerem, um sinal de nervosismo.

– Quando fosse necessário, e procure nos entender filha - começou ela, em um tom de desculpas e remorso. - Eu sabia que você iria entender o real motivo antes de sua irmã, e eu já esperava sua reação.

– Agora você esta me assustando mãe - disse Eliza baixo, como se estivéssemos partilhando um segredo. - Qual é o motivo real?

E o silêncio a seguiu, eu estava tentando raciocinar direito. Uma das poucas escolhas minhas que teria nessa vida seriam tiradas de mim naquele momento, eu não queria, mas antes que percebesse estava dizendo.

– Teremos que nos casar.

E assim, sai pela porta, e pela primeira vez, não fui seguida.