A Orquestra escrita por Winston


Capítulo 16
Epifania




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Suas mãos tremiam e estava dando pulinhos no mesmo lugar durante bastante tempo, o suficiente para que Paola se aproximasse e lhe desse uma água com açúcar para se acalmar. Finalmente tinha chegado o dia de sua primeira apresentação com a orquestra e não podia estar mais nervosa. Havia saído do hotel já desesperada, chupando chiclete pra ter algo que fazer enquanto iam em direção ao local da apresentação. E agora estava ali nos bastidores, com o violino nas mãos e o coração quase na garganta.

– Se acalme, vai dar tudo certo. – tranquilizou-a Paola, abrindo um sorriso amigável antes de voltar a afinar o próprio violino.

Maria repetiu essas palavras em sua cabeça várias vezes, para ver se conseguia acreditar nelas como Paola e Alba pareciam acreditar. Estranhou não ter visto Albert por nenhuma parte, mas ele devia estar lá na própria solidão ensaiando uma última vez, de verdade que não parecia muito feliz com a possibilidade de tocar em frente a um público. Olhou ao redor mais uma vez, vendo Alba já se sentando em sua cadeira, assim como Paola que já estava de pé ao lado da cadeira em que Maria deveria sentar. Soltou um resmungo e caminhou na direção da garota.

– Falta quanto tempo? – perguntou, ansiosa.

– Dez minutos, mas não surta, apenas senta aí e ajeita sua partitura. – Paola sorriu, e logo já estava sentada preparando suas próprias coisas.

Maria respirou fundo e sentou-se também, ajeitando o violino na mão esquerda enquanto virava a partitura com a direita, olhando todas aquelas notas que só a faziam ficar ainda mais nervosa. Os minutos seguintes passaram tão rápido que quando finalmente deu o momento de começar a apresentação ela mal se encontrava preparada, mas pegou o violino, ajeitou-o no ombro e respirou fundo.

Fechou os olhos antes de tocar a primeira nota, sugando toda a calma que podia dela, para então abrir os olhos e fosse como se não tivesse aquela quantidade exorbitante de gente observando a orquestra, apenas o maestro, os outros músicos e a música no ar. E então, antes que ela pudesse voltar a se tocar de onde estava, a primeira música acabou.

O resto da apresentação foi tão mágica para ela que passou como se nem tivesse acontecido, ao finalmente poder se levantar e guardar suas coisas tinha os braços bambos, um sorriso lerdo nos lábios e os olhos brilhando. Tinha sido o melhor momento de sua vida desde que se conhecia por gente, pelo menos achava aquilo enquanto guardava o violino e andava meio abobada pelos bastidores do teatro em que estavam. Parecia até uma bêbada e teria dado de cara com a parede se não tivesse ouvido a voz de Paola toda feliz em algum canto.

A verdade era que não conseguia entender o que ela falava, o italiano de Maria era inexistente e a única coisa que podia perceber era que Paola estava muito feliz abraçando uma garota muito parecida com ela, só que mais nova. Abriu um sorriso ao vê-la ali saltitando ao redor da garota, que parecia tão animada quanto. Acabou por decidir olhar ao seu redor, já que havia sido tirada do transe anterior.

Do lado oposto onde estava Paola, Albert recebia um abraço calmo e silencioso de uma mulher que parecia ser sua mãe, e provavelmente o era. Era quase tangível o orgulho que ela sentia pelo garoto, que sorria timidamente enquanto a mulher afagava seus cabelos loiros com tranquilidade e falava coisas em alemão que Maria entendia menos ainda. Não viu Alba por nenhuma parte dessa vez, ela provavelmente tinha saído para falar com algum familiar ou amigo. Ao pensar isso lembrou que nunca tinha perguntado a ela sobre sua família, se tinha filhos ou marido. Marcou em sua própria cabeça que iria perguntar essas coisas na primeira oportunidade que tivesse.

Voltou a ajeitar suas coisas, tomou um pouco de água e se preparou para sair dali, não sem notar que praticamente todos tinham alguém que aparecia para parabenizá-los. Franziu as sobrancelhas ao sentir algo estranho, mas afastou o pensamento movendo a cabeça levemente para os lados, segurando forte na alça de onde estava seu violino antes de sair do teatro sem pensar duas vezes sobre o assunto.

Teve que pedir um taxi para voltar para o hotel, cansada, feliz e ao mesmo tempo se sentindo esquisita, como se faltasse alguma coisa. Pagou o motorista, meio aérea, nem ao menos notando que se esquecera de pegar o troco antes de deixar o homem para trás e entrar no hotel, indo em direção ao seu quarto sem nem ao menos prestar atenção no homem entediado da recepção. Entrou no quarto colocando cuidadosamente o violino sobre a mesinha que havia em um canto, deixando os olhos lentos caírem sobre o envelope sobre a cama.

– Ah, você continua aí. – resmungou ela, caminhando até a carta que tinha encontrado naquela manhã, mas preferira não abrir de uma vez.

Sabia de quem se tratava, era daquela pessoa esquisita que tinha mandado a outra carta há alguns dias. Só de ter a carta em mãos a fez sentir um calafrio, mas não tinha porque ficar demorando a abrir a bendita mais do que já tinha demorado, era apenas uma carta, o ser estranho não ia pular dela e dar uma de louco no seu quarto de uma hora para outra. Jogou-se sentada na cama com as pernas cruzadas, já sem os sapatos, finalmente rasgando o canto da carta para tirar o papel de lá de dentro.

Demorou menos do que achava para ler, era uma carta maior que a anterior, mas passara os olhos tão rapidamente por todas as palavras sem realmente absorver o que estava escrito que em poucos minutos tinha lido e relido as palavras. Não eram as mais normais do mundo, a pessoa repetia mil vezes o quanto admirava o jeito com que ela tocava e tudo mais, e o que mais deixou Maria nervosa foi o fato de que no final da carta tinha uma observação, que dizia que estaria em sua apresentação, na plateia esperando que ela o notasse. Agradeceu mentalmente por ter saído rapidamente de lá, mas mesmo assim a sensação estranha continuava a perseguindo. Era tão forte que largou a carta em cima da escrivaninha e ligou o computador.

– Se você não estiver em casa, eu te esgano, Gabriel. – murmurou para ela mesma, esperando lentamente que o computador ligasse e finalmente abrisse o que ela queria. Soltou um suspiro de alívio ao ver que o amigo estava online.

– YOOOOOOOOOOO! COMO FOI A APRESENTAÇÃO? TINHA MUITA GENTE? TOCOU AS NOTAS MAIS LINDAS DA SUA VIDA? – gritou Gabriel tudo de uma vez assim que a ligação foi estabelecida e os dois conseguiram ver-se pela câmera.

A felicidade e animação dele fez com que Maria sorrisse, por mais que estivesse uma pilha de nervos.

– Foi ótima, não errei nenhuma nota, recebemos muitos aplausos. Foi tudo do jeito que eu sonhei. – respondeu, mas não estava nem um terço de animada quanto ele.

– Nossa, percebo a animação, porque não tá gritando comigo e balançando seu violino na frente da câmera? – perguntou, preocupado com a expressão no rosto da garota.

– Ai, Gabriel. Chegou outra carta daquele cara maluco, ele foi me ver hoje e graças a tudo que é mais sagrado eu saí antes que me encontrasse. Você me deixou neurótica e agora acho que ele vai me perseguir. – reclamou, fazendo voz de choro ao passar as mãos pelo rosto.

– Você foi embora sozinha? Maria, não ande sozinha por aí se tem um cara dando uma de perseguidor pro seu lado. É bom você estar neurótica, porque daí não faz bobagem, mas se acalma que no hotel você tá segura. – ao terminar de falar, Gabriel abriu um de seus sorrisos super amáveis, o que praticamente obrigou Maria a sorrir junto.

– Hm, tá bem. Vou ver se me controlo e só saio acompanhada, vou queimar essa carta depois.

Apesar de um dos pesos de seus ombros terem desaparecido com a conversa com Gabriel, ainda tinha algo que a incomodava e não conseguira descobrir o que era até finalmente desligar a conversa, que durou o suficiente para que a mãe de Gabriel o gritasse para ir ajudar com o jantar. Fechou o computador lentamente assim que a luz do mesmo se apagou, com o olhar distante e os olhos lacrimejantes. Não deixou que o choro a alcançasse naquele momento, pulando da cama e partindo para o banho para ver se aquela sensação ia embora, a maldita sensação de que faltava alguma coisa que ela não ia ter tão cedo. Ou pelo menos não o cedo que queria.

Colocou os pijamas, enroscou-se na coberta, pegou o outro travesseiro – que sempre ficava jogado pela cama afora – e o abraçou com força, escondendo o rosto nele enquanto resmungava. Finalmente tinha se dado conta do que a estava incomodando. Passar os dias por aí, caminhando por uma cidade diferente, conversando em uma língua que não era sua e até ensaiando sozinha era praticamente uma aventura que não ligava de fazer sem uma companhia. O problema fora a apresentação, não tivera com quem comemorar, mesmo se Paola, Albert e até mesmo Alba viessem pulando para o seu lado depois da apresentação não seria o que ela esperava, nem quem ela esperava.

Queria seus pais ao seu lado lhe dando flores depois da primeira grande apresentação de sua vida, queria poder receber os cafunés de seu pai e os beijos desesperados de sua mãe orgulhosa. E claro, queria os abraços pulantes de urso de Gabriel, seus gritos exagerados que faziam sua mãe se assustar sempre que os dava e toda a felicidade que vinha dos três juntos. Naquele momento não via graça em ter tido a melhor noite de sua vida se não tivera com quem dividir. Não reparou que tinha começado a chorar até que o travesseiro começou a ficar molhado demais para que continuasse com a cara enfurnada nele, mas não se moveu muito, caindo no sono daquele mesmo jeito.


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