A Orquestra escrita por Winston


Capítulo 14
Outro lado da moeda




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Quanto mais o dia da apresentação se aproximava, mais eles tinham que ensaiar. No final do terceiro dia faltava pouco para Maria sair se arrastando do teatro, chorando aos quatro ventos que se arrependia de estar ali, o que era uma mentira descarada. Se não fosse pelos dedos, braços e ombro doloridos, ela teria continuado a tocar eternamente. Era a tarde do quarto dia, tinha se arrastado, quase que literalmente, até o hotel para descansar e comer alguma coisa. Sua rotina tinha se resumido a isso; tocar, comer, dormir e tentar socializar um pouco tanto com seus três amigos da orquestra, quanto com Gabriel e seus pais.

– Alba, eu não aguento mais! – reclamou depois do jantar, jogando as mãos para cima num tom dramático ao se deixar cair no sofá do lobby do hotel, ao lado de Alba.

– Minha querida, você está exagerando outra vez. – disse a mulher, virando uma página do livro que tinha nas mãos, mas mesmo assim sorria um pouco. – São apenas os primeiros dias, vai piorar, mas você vai se acostumar. – soltou uma risadinha abafada ao ouvir o gemido sofrido de Maria, ela estava escorregando pelo sofá e quase se encontrava deitada.

– Meus dedos se mexem durante a noite sozinhos, falta pouco eu ficar sonâmbula e pegar o violino na madrugada sem perceber. – suspirou longamente, mexendo com a barra de sua blusa laranja. – Como você é tão relaxada assim?

Alba demorou um pouco a responder, aparentava estar interessadíssima na página que estava lendo e Maria teve que esperar que a terminasse para obter alguma palavra da mulher. Ela virou-se lentamente para olhar Maria, segurando um sorriso ao vê-la naquela pose pouco correta para um sofá, levando uma de suas pequenas mãos na direção do alto da cabeça da menina, fazendo um cafuné que durou apenas suas palavras.

– Não sou jovem como você, não tenho toda essa energia pra ficar preocupada com tudo.

Maria torceu o canto dos lábios, apesar de tudo tinha que concordar que se achava até chata com tanta reclamação, tanto por fazer muitas coisas quanto por não ter nada pra fazer. A mão de Alba saiu cedo demais de sua cabeça, mais um pouco e Maria teria dormido ali no sofá mesmo. Ao perceber isso apoiou as mãos no sofá e se ajeitou, sentada como uma pessoa normal, apenas para soltar outro suspiro.

– Sabe onde está a Paola? – a pergunta veio de repente, tirando Alba outra vez da concentração de sua leitura.

– Me lembro de tê-la visto no teatro, me disse que ficaria ensaiando mais seu solo.

– Hm... – pensou um pouco, os solistas da vez sempre ensaiavam mais, não podia simplesmente ir lá para atrapalhá-la. – E Albert?

– O vi subir as escadas depois do jantar. – avisou, movendo a mão em direção ao elevador.

No segundo seguinte Maria se encontrava de pé.

– Vou lá encher o saco dele então, depois me conta o final desse livro. – falou saltitante, chamando o elevador e entrando nele cantarolando alguma música. Alba quase sentia pena de Albert nesse momento.

Depois de alguns andares e uma canção quase inteira, Maria se encontrava na porta do quarto de Albert, batendo com os nós dos dedos enquanto chamava o nome do garoto. Mais algumas batidas na porta e o barulho de passos dentro do quarto foi ouvido, a garota deu um passo para trás e abriu um sorriso enorme quando Albert abriu a porta, já com uma expressão que esperava por alguma ideia maluca de Maria.

– Você não tá cansada hoje? – falou ele, passando a mão pelo rosto ao apoiar o ombro no batente da porta.

– Estou, mas ficar no meu quarto vendo o tempo passar não melhora nada. Vim te chamar pra um passeio pelas lindas ruas de Berlin. – estava entusiasmada, e abriu os braços ao falar as últimas palavras.

– Pelo amor de Deus, Maria. – revirou os olhos e dessa vez foi ele que resmungou. – Mas, tudo bem, preciso espairecer mesmo.

– Isso, então vamos, coloca um tênis aí. – o apressou com movimentos rápidos com a mão.

Assim que Albert estava devidamente calçado e com uma blusa de frio, coisa que Maria nem se lembrou de pegar para ela mesma, saíram na noite de Berlin. Ainda estava no verão, mas já eram as últimas semanas e as noites começavam a ficar bem mais frescas, Maria percebeu isso depois de duas quadras andando.

– O tempo aqui é muito esquisito. – comentou, olhando ao redor e percebendo que a rua estava quase vazia.

– Por que diz isso? – Albert, que tinha as mãos enfiadas nos bolsos da blusa, chutou uma pedrinha no chão ao falar.

– Não sei, ainda é verão e mesmo assim tá fazendo um ventinho frio. Ontem mesmo estava o maior calor.

Tudo bem, estava exagerando nessa parte, o tempo não tinha mudado tanto assim, mas Maria sentia a diferença mais do que estava esperando. Albert apenas riu, olhando de lado para ela. Ele era um pouco mais alto que Maria, talvez lhe passasse uns quatro dedos de altura, por isso ela não teve problemas em bater seu ombro no dele.

– Você ri né. – reclamou, mas até então tinha começado a rir também.

– É que você reclama de tudo, Maria. – completou ele, negando com a cabeça.

Maria não podia negar que era verdade, já tinha ouvido isso várias vezes de várias pessoas diferentes, principalmente de Joana. Por isso se calou, bufando, e continuou a andar em silêncio ao lado de Albert. Era verdade que não tinham lugar nenhum certo para ir, mas como ele não era de se perder, não tinha medo de acabar perdida no meio da noite por andar sem saber onde estava indo.

Acabaram passando por uma lanchonete com luzes laranja na entrada, na qual pararam para comprar sorvetes, um para cada um. Saíram da lanchonete provando os sabores que tinham escolhido, e dessa vez caminhavam de volta ao hotel. Maria estava começando a ficar com muito frio, pelo menos muito para quem estava com blusa de manga curta.

– Você falou que queria espairecer, tá com algum problema? – curiosou Maria, enfiando a colher cheia de sorvete dentro da boca.

– Na verdade queria te perguntar uma coisa. – começou, futucando o sorvete com a colher. – Sabe aquele dia que eu passei mal?

– Sei sim, quase morre se não fosse minha ajuda. O que tem esse dia? – jogou a pergunta de volta, virando o rosto para encarar Albert, que olhava pra frente concentrado.

– Então... Paola entrou no meu quarto? – ele aparentava tanta vergonha ao perguntar isso que Maria quase riu, mas ao lembrar-se da conversa que tivera com Paola segurou a risada.

– Entrou sim, você não lembra? Ela que te deu o remédio enquanto eu lia uma carta tensa, daí te coloc... AH! – gritou de repente.

Tinha sido lerda o bastante para continuar olhando para Albert ao andar, sem pensar que estava no meio da rua onde havia perigos que a fariam cair de cara no chão. E foi exatamente isso que aconteceu, ou quase. Ao dar um passo, não viu que tinha um paralelepípedo e bateu com tudo o pé no pequeno altinho dele, desequilibrando a si mesma. Começou a dar a louca balançando os braços, como se isso fosse ajudar a não cair de cara no chão, mas o que ajudou mesmo foi Albert, que segurou um de seus braços desesperados. Teria tudo sido maravilhoso, se Maria não acabasse perdendo de vez a força nos joelhos. Para conseguir que ela ficasse de pé, por puro instinto, o garoto soltou o sorvete e segurou seu outro braço.

– Maria do céu, olha pra onde você anda! – Albert estava exasperado, mas por ter a colher de plástico na boca era difícil levá-lo a sério.

– Desculpa. – pediu, mas já estava começando a gargalhar. – Sua cara foi muito engraçada!

Conseguiu se estabilizar nas próprias pernas e teve que colocar a mão no estômago para conter a risada, o que não foi muito efetivo. Albert, depois de um tempo indignado com a falta de atenção da amiga, começou a rir junto com ela, até porque a risada de Maria era tão engraçada que ele não conseguiu se segurar.

– Ai, e lá se vai nosso sorvete. – disse ela por fim, puxando o ar ao se recuperar das gargalhadas.

– É, e meu sapato, sinceramente. – reclamou ele, ao olhar que seu sorvete tinha se espatifado sobre o tênis que usava, mas tinha o rosto vermelho de tanto rir também.

– Mas então, como eu tava te falando, Paola entrou lá sim e me ajudou a te colocar quieto na cama. Não sei o que aconteceu com vocês dois, mas ela não te odeia. – comentou, depois que voltaram a andar, dessa vez olhava para frente para não cair outra vez.

– Pode ser, só queria saber se não tinha sonhado. – fez pouco caso do assunto abanando uma mão na frente do rosto.

– Hmmmmm, você costuma sonhar com ela é? – implicou Maria, cutucando o braço de Albert, que fez uma careta para ela.

– Para com isso, você tem o que? Doze anos? – falou nervoso, mas a garota podia ver que tinha ficado com vergonha.

Agora que parava pra prestar atenção, parecia que Albert ainda sentia alguma coisa com Paola, mas não conseguia ver se ela ainda tinha alguma coisa sobre ele. Mordeu o canto dos lábios ao se calar, voltando a prestar atenção por onde andava perdida em seus próprios pensamentos. Queria dar uma de cupido, nunca tinha feito isso na vida, mas pelo jeito não era Paola que tinha perigo que estivesse odiando a Albert, e sim ao contrário.

A curiosidade era tanta para saber o que tinha acontecido que quase abriu a boca para perguntar outra vez, mas se calou por pensar que não era hora de se meter no romance dos outros. Ainda mais de Albert, que era sempre tão calado. Acabou por soltar um suspiro, desistindo da ideia por enquanto, puxando então outro assunto totalmente diferente. Conversaram até estarem outra vez no elevador.


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