O Tempo que Leva escrita por Bruna Guissi


Capítulo 17
Por um Destino


Notas iniciais do capítulo

Hey, yeah, yeahh :B
Décimo sétimo dia para você, molecada.
What's up – 4 Non Blondes



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/590196/chapter/17

Acordei naquela manhã e ele não estava ao meu lado. A cama estava bagunçada; a luz entrava bem baixa pela janela. Devia ser bem cedo, perto das sete, se não antes. Bocejei, exausta.

Levantei da cama dele, esfregando os olhos. Vestia uma camiseta que me ele emprestou para que eu dormisse. A noite foi um pouco mais fria ontem. Acho que ficamos deitados por horas no silêncio; nem me lembro de ter caído no sono.

Olhei pela porta do banheiro, mas ele não estava ali. Caminhei para o corredor, aparecendo na sala. Não estava ali também. Espiei a cozinha e ela estava igualmente vazia.

Olhei então para o corredor do lado, um dos poucos lados da casa que eu ainda não conhecia. Um banheiro no corredor, uma porta para uma lavanderia iluminada e uma porta fechada. Soltei um suspiro. Vou tentar ali por último.

Dei meia volta e fui para a cozinha, saindo pela porta dos fundos que dava para o quintal de trás. A grama estava verdinha e macia nos pés descalços. Caminhei lentamente, sem compromisso.

Lá estava ele. Sentado nos bancos do jardim, em meio a algumas plantas e mesinhas, com o rosto levantado para o sol, de olhos fechados. Parecia que tinha caído no sono.

Aproximei-me vagarosamente, com medo de despertá-lo.

Viemos para a casa dele no final das contas. Meu apartamento é bem mais próximo do Hospital, mas ele quis voltar para a casa, e eu quis vir junto. Não queria deixa-lo sozinho. Não quero.

Ele respirava lentamente, os braços estendidos nas costas do banco. Aquela casa era mesmo muito linda. Muito tranquila. Imagino o quanto Regina não batalhou por ela.

Sentei-me cuidadosamente ao lado dele, passando as pernas em baixo do meu corpo. O Sol fazia o serviço de afastar o frio da manhã muito bem ali. Encostei a cabeça no banco, fechando os olhos, só para poder apreciar o cheiro do lugar e o calor do sol.

Então senti um braço me envolver e puxar-me para perto. Aconcheguei-me no abraço dele, enterrando o rosto no peito da camiseta branca macia dele. Senti-o suspirar. Olhei para cima.

Ele me olhava quietamente, os olhos indecifráveis. Não sabia bem o que sentia, acho que era coisa demais para entender. Angustia cansaço, saudade. Céus, como eu gosto dele. Queria poder fazer alguma coisa para ajuda-lo. Para fazê-lo... feliz.

–Oi. – sussurrei por fim. Ele abriu um pequeno sorriso, usando a mão que não me envolvia para mexer no meu cabelo.

Cumprimentou-me silenciosamente com um beijo calmo e demorado. Ele deu um sorriso, acariciando minha bochecha com as costas da mão. Senti meu rosto franzir de preocupação. “Está quieto demais...” Ele percebeu, e achou graça.

–Vou ficar bem. – prometeu. Mas não conseguiu manter o sorriso no rosto, a expressão caiu como uma máscara, dando lugar para algo que fazia minha garganta arder de desespero.

Estou aqui. – sussurrei colocando a mão no seu rosto, sentindo uma lágrima quente esquentar minha palma. Mordi o lábio inferior, firmando a voz – Eu estou aqui. – repeti.

Ele me olhou nos olhos, o cenho franzido em dor.

–Eu não sei o que fazer. – falou baixinho, soltando todo o ar que prendia no pulmão – Não faço ideia do que fazer daqui para frente. – confessou.

Twenty-five years and my life is still

(Vinte e cinco anos, e minha vida está estagnada)

Trying to get up that great big hill of hope

(Tentando subir essa grande montanha de esperança)

For a destination

(Por um destino)

Puxei-o para mim. Ele enterrou o rosto no meu peito, respirando lentamente.

–Não precisa saber. – falei, a mão nos cabelos dele. Senti-o agarrar a camiseta nas minhas costas com ambas as mãos. Segurei um soluço imbecil que queria sair – Com o tempo você descobre.

Senti o aperto diminuir aos poucos, até ele relaxar os punhos e me envolver com os braços. Afundou mais ainda o rosto no meu peito, fazendo com que eu sentisse um calafrio.

–Obrigado. – murmurou com a voz abafada por causa do meu corpo.

Vê-lo assim, tão frágil, tão inocente. Eu não podia chorar. Não podia. O sofrimento dele me machucava demais.

Eu gostei de Regina; de como sua doçura conseguiu ultrapassar as coisas difíceis na criação de Ian. De como ele cresceu e se tornou amável e bem humorado, aprendendo a superar as coisas difíceis. Eu só podia agradecê-la por tudo isso. Mas eu sinto bem pouco a perda dela.

Sinto uma saudade boa quando me lembro dela, mas olho para Ian e vejo tudo o que ele herdou ali. Não sumiu de verdade, no fim das contas.

Mas o que me dói, mais do que ter perdido a possibilidade de conhecê-la, é a dor de Ian.

A dor dele me dói. Dói demais.

E eu sou inútil demais, passageira demais perto da mãe dele. E tudo o que posso fazer é estar aqui, firme, e engolir as lágrimas porque não tenho direito de chorar por ela. Mas não é por ela que meus olhos estão ardendo agora.

I realized quickly when I knew I should

(Eu logo percebi quando eu soube que devia)

That the world was never this brotherhood of man

(Que o mundo nunca foi essa irmandade de homens)

For whatever that means

(Seja lá o que isso significa)

Vou ficar firme por ele. Porque não aguento ver esse olhar magoado e angustiado no seu rosto e saber que não posso fazer nada. Nada a não ser estar aqui.

–Não vou sair daqui. – falei, sentindo-o levantar o rosto ao ouvir minha voz. Encarei seus olhos avelã – Não quero sair daqui. – completei.

Não sei quando tempo mais ficamos ali. Algumas horas? Um pouco menos, talvez. Difícil dizer. Levantamo-nos quando escutei o estômago dele roncar, sabendo que ele não comera nada no dia anterior fora aquele almoço nosso.

Forcei-o a sentar na ilha da cozinha e comer um pouco. Sucos, lanches, frutas. As olheiras nos olhos dele ainda eram meio fundas, então fiz com que ligasse no trabalho dizendo que não iria hoje.

–Vamos para minha casa. – falei, fazendo-o levantar a cabeça. Seus olhos eram meio confusos e cansados, então expliquei – Já cuidamos do que tínhamos de cuidar. Precisa sair um pouco daqui.

Ele engoliu o pedaço de pão que comia e assentiu levemente. Resolvi ligar para o restaurante e tirar a folga hoje ao invés de domingo. Gabriel entendeu.

Pegamos nossas coisas, e fiz questão de empacotar umas roupas dele para levar para casa. Arrumamos o que estava bagunçado e saímos de moto para o dia nublado. Deve ter levado uma hora, talvez uma hora e meia tudo isso.

Entramos no meu apartamento, deixando umas coisas na porta, levando outras para o quarto. Abri espaço em uma gaveta na minha cômoda para colocar as coisas dele, dobrando as peças e guardando-as. Ian observava sentado na cama.

Quando terminei comecei a trocar de roupa. Não percebi quando Ian levantou; surpreendeu-me quando ele segurou meu punho com certa força, virando-me para olhá-lo, apenas de roupa íntima.

Encarei-o confusa. Seu rosto tinha uma expressão grave, e não olhava nos meus olhos.

–Ian? – chamei, levantando a mão livre para levantar o rosto dele. Ele segurou essa mão também, agora um pouco mais suavemente. Levou-a com a palma virada para o seu rosto, encostando-a na boca.

Fechou os olhos, e depositou um beijo ali. Então puxou ambos meus punhos para trás de si, para me trazer para mais perto, me abraçando. Tirou as mechas soltas que estavam na minha testa, parando a mão na minha nuca.

Finalmente me olhou nos olhos, ainda em silêncio. Senti meu peito palpitar.

–Eu não me sinto sozinho. – falou finalmente, a voz rouca. Encostou os lábios na maçã do meu rosto, fechando os olhos – Eu só estou triste. Sinto falta dela. Ela foi... – então sua voz vacilou. Ele respirou algumas vezes antes de continuar – A única família que conheci.

Segurei o rosto dele com ambas as mãos, encarando-o nos olhos.

–Tudo bem estar triste. – falei. Ele fechou os olhos, trincando os dentes – Eu te amo. – sussurrei.

And so I cry sometimes

(Então às vezes eu choro)

When I'm lying in bed Just to get it all out

(Quando estou deitada na cama, só para extravasar)

What's in my head

(O que está na minha cabeça)

And I, I am feeling a little peculiar

(E eu, eu me sinto um pouco peculiar)

O corpo dele, não importa quando, sempre me aquece. Ele sempre é a pessoa quente, o aconchego. Eu quero ser isso para ele também.

Ele me beijou de maneira intensa, quase com desespero, sede, fome daquilo. Era inebriante ficar assim com ele. Consegui separá-lo de mim, apenas os lábios, sabendo que se tomasse mais distância começaria a sentir frio.

–É minha vez de te ajudar. – segurei a mão dele firmemente, puxando-o para cama.

Deitamos ali, abraçados, um esquentando o outro.

Era novo tudo isso. A perda, a tristeza pela tristeza dele. E amar assim também.

And so I wake in the morning

(Então eu me levanto de manhã)

And I step outside

(E piso para fora)

And I take a deep breath and I get real high

(E respire profundamente e fico realmente bem)

And I scream at the top of my lungs

(E grito a todos pulmões)

What's going on?

(O que está acontecendo)

Eu odeio você, força do universo que conseguiu criar um sentimento tão horrível como esse, a perda. Não porque não possa lidar com ela, mas porque amar alguém que passa por isso é sofrer e não poder fazer nada.

Nada.

And I say: HEY! yeah yeaah

(E eu digo: Hey! Yeah, yeah)

I said hey, what's going on?

(Eu digo, hey, O que está acontecendo?)

Que merda! Eu queria acordar e descobrir que era um pesadelo. Que amanhã iríamos a casa dele, ou melhor, dela, visita-la. Conversar sobre coisas bobas, ter um almoço tranquilo no fim de semana. Aproveitar um tempo que nunca tivemos.

Mas não; não iria acontecer.

Eu não fazia ideia do que aconteceria amanhã. Não entendia nem o que estava acontecendo agora.

And I say: HEY! yeah yeaah

(E eu digo: Hey! Yeah, yeah)

I said hey, what's going on?

(Eu digo, hey, O que está acontecendo?)

Eu só vou tentar ficar aqui, esperando que o tempo e que alguma coisa da minha parte ajudem a curar esse olhar triste no rosto dele. E esperar que as coisas realmente mudem.

And I try, oh my god do I try

(E eu tento, oh Deus, como eu tento)

I try all the time, in these institution

(Eu tento o tempo todo, nessas instituições)

And I pray, oh my god do I pray

(E eu rezo, oh Deus, como eu rezo)

I pray every single day

(Eu rezo todos os dias)

For a revolution

(Por uma revolução)

Nós caímos no sono. Dormimos até bem depois do meio dia, a fome alta nesse horário. Levantei um pouco antes dele, ele ainda num sono pesado e um pouco turbulento. Deixei-o ali e fui fazer algo bom para comer.

Quando cheguei à cozinha pude notar que chovia lá fora; bem que o ar estava meio frio hoje. Comecei a fazer algo gostoso e quente para comermos: lasanha. Olhei no relógio, já passava das duas. Dei de ombros.

Coloquei para assar junto com a massa um frango bem temperado, armando o timer do forno para despertar daqui uns minutos. Fui para o banheiro do corredor tomar banho, dessa vez, a fim de deixa-lo dormir mais um pouco.

Relaxei por uns minutos e entrei no quarto silenciosamente, pegando roupas na cômoda. Então ouvi um gemido baixo vindo da cama. Virei na direção do som.

Ian estava encolhido, provavelmente por causa do frio, com o cenho franzido. Cheguei perto para vê-lo; seus olhos estavam um pouco inchados. Acho que... deve ter chorado enquanto dormia.

Senti um aperto no peito, a vista começar a ficar embaçada. Peguei as roupas e saí do quarto, encostando a porta.

Sentei no sofá da sala. Respirei fundo uma, duas, três vezes. Não consegui ficar calma. Finalmente cedi.

As lágrimas começaram a cair, e os soluços vieram fortes. Difícil de controlar, difícil de reter. Como eu poderia ser um porto-seguro se não me aguentava em pé?

And so I cry sometimes

(Então às vezes eu choro)

When I'm lying in bed Just to get it all out

(Quando estou deitada na cama, só para extravasar)

What's in my head

(O que está na minha cabeça)

And I, I am feeling a little peculiar

(E eu, eu me sinto um pouco peculiar)

Estava tão exausta! Exausta de vê-lo sofrer. Exausta de... não sei.

Minha respiração foi se acalmando aos poucos, ao passo que minha frustração aumentava. O timer do forno tocou.

And so I wake in the morning

(Então eu me levanto de manhã)

And I step outside

(E piso para fora)

And I take a deep breath and I get real high

(E respire profundamente e fico realmente bem)

And I scream at the top of my lungs

(E grito a todos pulmões)

What's going on?

(O que está acontecendo)

Coloquei as roupas que havia separado, enrolando a toalha no cabelo, e caminhei para a cozinha. Abri o forno para checar a comida, então comecei a colocar as coisas no balcão. Resolvi abrir uma garrafa de vinho.

Quando abri a rolha da garrafa, notei que ele estava de pé ao meu lado. Virei surpresa para ele, ele me encarando. Fiquei para no lugar, congeladas uns instantes antes de dizer:

–Eu fiz comida. – informei o óbvio. Ele franziu o rosto, se aproximando com cuidado.

Colocou a mão direita no meu rosto, enquanto tirava o vinho de minha com a esquerda, colocando-o no balcão. Passou o dedão em baixo dos meus olhos. Merda.

Senti a pele meio úmida do meu rosto contra a mão quente dele, ele me olhando sério.

–Por que estava chorando? – perguntou, a voz rouca me causando arrepios. A voz dele parecia magoada. Segurei a mão que estava no meu rosto, tentando um sorriso para ele.

–Imagina. – falei, então limpei a garganta – Vamos comer. – mas ele conteve minha tentativa de virar as costas e sentar, segurando-me o pulso.

Por quê? – perguntou de novo, os olhos nos meus sem desviar. Engoli em seco, segurando o choro. Devo ter feito uma cara horrorosa, porque ele fungou surpreso, me abraçando.

And so I wake in the morning

(Então eu me levanto de manhã)

And I step outside

(E piso para fora)

And I take a deep breath and I get real high

(E respire profundamente e fico realmente bem)

And I scream at the top of my lungs

(E grito a todos pulmões)

What's going on?

(O que está acontecendo)

Ouvi o coração dele bater no peito, embalando o abraço.

–Eu realmente não quero chorar. – falei baixinho. Senti-o colocar a mão na minha cabeça, como que para evitar que eu caísse.

And I say: HEY! yeah yeaah

(E eu digo: Hey! Yeah, yeah)

I said hey, what's going on?

(Eu digo, hey, O que está acontecendo?)

–Deus, você é tão teimosa. – falou com a voz leve no meu ouvido. Levantei a cabeça para olhá-lo nos olhos. Ele passou o dedão na minha bochecha carinhosamente. O rosto dele era um misto de algo feliz no meio de angústia. Era dolorosamente lindo – Eu vou melhorar. Um dia eu vou. – então encostou os lábios nos meus, de maneira doce – Se tiver você por perto, eu vou sim.

Abracei-o fortemente, sentindo um salto gigantesco no meu estômago.

–Como pode ter certeza? – perguntei como uma criança medrosa. Como ele tinha certeza?

Ele afagou meus cabelos, respondendo no meu ouvido:

–Porque tenho certeza de você.

Twenty-five years and my life is still

(Vinte e cinco anos, e minha vida está estagnada)

Trying to get up that great big hill of hope

(Tentando subir essa grande montanha de esperança)

For a destination

(Por um destino)


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Hmmm, eu sei!
Foi um capítulo meio recuperação, mas é assim que as coisas são!
Um passinho de cada vez.
Não deixem de espalhar amor!
Um abraço!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Tempo que Leva" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.