Pura Confusão - Cobrina escrita por LabWriter


Capítulo 24
Nada mais importa




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KARINA     

    Não demorou muito até que eles terminassem a conversa, talvez dez minutos, mas foram longos dez minutos. Todos os alunos da Khan estavam me encarando, principalmente o Luiz. Talvez o Cobra estivesse certo e aquilo tenha sido realmente uma péssima ideia. Aliás, talvez não, com certeza.

    Finalmente, eles saíram do escritório. As coisas sempre pareciam tensas entre os dois, como se fossem inimigos sendo obrigados a se comportar. De qualquer forma, os dois pareceram surpresos quando me viram lá.

    — Ela quer falar com você, Mestre. — o Luiz informou, com um sorriso cafajeste no rosto.

    O Lobão se despediu do advogado e me chamou.

    — Eu sabia que você viria. Só não imaginei que seria tão cedo. — ele disse assim que entramos no escritório dele, que não era grande coisa. — Então, vai me dizer o que veio fazer aqui?

    — Eu quero saber o que aconteceu. Entre você e a minha mãe. — tratei de explicar antes que perdesse a coragem.

    E ele me contou. Com detalhes suficientes para que eu quisesse bater a minha cabeça em uma parede até esquecer tudo aquilo.

    — Então vocês tiveram um caso. — concluí e ele assentiu, orgulhoso.

    — Eu sou seu pai, Karina. Uma hora ou outra você e o Gael vão ter que aceitar isso. E quando isso acontecer, você vai perceber que o seu lugar é aqui na Khan, lutando de verdade, sendo uma campeã.

    Ele falava isso com tanta convicção que até me assustava. Por um momento me imaginei campeã de Muay Thai, e era uma imagem muito agradável, era o meu sonho, afinal. E isso ia acontecer, mas não daquele jeito.

    — Eu vou ser campeã. Mas não pela Khan. — afirmei olhando diretamente em seus olhos, que não se intimidaram.

    — Isso é o que nós vamos ver.

~~~&~~~

    Meia hora depois eu estava no Catete de novo. E não tinha ideia de para onde ir. Em casa eu encontraria o meu pai e eu já estava cansada de ficar enchendo o Cobra fazendo ele me acudir toda hora. Mas eu não tive muito tempo pra pensar nisso.

    Assim que eu cheguei perto da praça pude ouvir a gritaria. Ótimo, mais um barraco. E adivinha quem estava causando? Exato, o Mestre Cruel. Quando cheguei mais perto percebi que ele estava sendo segurado pelo Duca e mais uma pessoa que não consegui ver. Avistei o João, um pouco mais afastado da confusão e fui até ele.

    — O que tá acontecendo? — acho que ele não me viu chegando, pois tomou o maior susto quando ouviu a minha voz.

    — Ai, Karina. Isso não se faz. Quer me matar do coração?

    — Desculpa, eu achei que você tinha me visto.

    — Você tem sorte que ninguém te viu. Ainda.

    Tradução: o assunto, causa ou motivo de tudo aquilo era eu. De novo.

    — Por quê? O que aconteceu? — perguntei meio confusa e ele riu.

    — Eu sempre soube que você e o Cobra não eram só amigos. — gelei. É claro que ele tinha que estar na história também. — Antes que você pergunte...você dormiu com ele, né? Nem precisa responder, eu já sei de tudo. Aliás, o bairro todo já deve saber. Seu pai tá gritando tudo para quem quiser ouvir e quase deu uma surra no Cobra agora há pouco.

   Será que o meu pai nunca ia cansar de me fazer passar vergonha? Que droga, era um escândalo atrás do outro. Já não basta ter mentido pra mim minha vida inteira, estar me privando de lutar profissionalmente, ter me batido, me chamado de vagabunda, ele ainda fala sobre a minha vida pessoal para todo mundo?!

    Deixei o João sozinho e fui até lá. Cheguei empurrando todo mundo e fiquei bem na frente do Mestre Gael.

    De um lado estava ele, vermelho, bufando de raiva. Do outro estava o Cobra, com um olhar frio e um corte acima da sobrancelha esquerda. Olhei nos olhos do meu pai. Eu estava exalando tanta raiva dele. do que ele estava fazendo, que nem precisei falar nada. Foi questão de segundos até todo mundo se dispersar. Por fim, ficamos eu, ele e o Cobra.

    — O que você pensa que tá fazendo? — perguntei baixo, para não chamar atenção novamente. — Não basta o que aconteceu ontem, você ainda me vem com essa? O que você queria? Anunciar pro bairro todo o que aconteceu? Com o Pedro não teve esse problema, por que com o Cobra tem?

    — Porque o Pedro não era um marginal, pedófilo que abusava da minha filha.

    — Você tá se ouvindo? O Cobra não é um marginal, na verdade, ele é melhor do que mais da metade de vocês que se acham superiores a ele. Eu já cansei de dizer isso. — resolvi ignorar a parte do pedófilo.

    Eu podia esperar, literalmente, qualquer coisa. Exceto o que eu ouvi em seguida.

    — Eu quero ouvir você dizer isso de novo depois depois de descobrir que ele usa drogas.

    Oi?Que?

    Parei de respirar na hora. Como assim drogas? Não...tava errado. Me virei para ele, que olhou para baixo como quem concordava.

    — Podem ficar a vontade para conversar. Eu vou sair.

    Ei fiquei alguns segundos em silêncio, pensando no que dizer.

    — É verdade isso, Cobra? — perguntei meio sem acreditar, ou sem querer acreditar. — Você tá...você tá usando drogas?

    — Não. Eu não tô usando nada. Mas eu tô vendendo.

    — Por quê? Você tem um trabalho, não precisa dessas coisas.

    Mas é claro, que não era por ele. Era pelo Lobão, que tinha pedido para ele vender o que restou da última “encomenda”.

    — Seu pai foi conversar comigo e me viu mexendo nas coisas e tal. E você sabe como ele é, né? Acabou tirando as próprias conclusões.

    É, eu sabia muito bem como ele era. Apesar de ainda não estar gostando daquilo, fiquei mais aliviada em saber que ele não estava usando nada. Era só o que faltava.

    — Foi ele que te bateu? — apontei para o corte em seu rosto.

    — Sim, no calor do momento. Mas tá tudo bem, eu faria o mesmo no lugar dele.

    Então eu era filha de um traficante...que legal. As coisas só melhoravam. Me lembrei que precisava contar o que tinha descoberto para Cobra.

    — Vem cá. Deixa eu cuidar de você.

    Peguei na mão dele e o puxei até o QG.

~~~&~~~

    Já era noite quando eu terminei de limpar o corte. Não era fundo, mas havia bastante sangue. Nós estávamos sentados nas mesas dos computadores, conversando sobre nada importante.

    — Então, como foi lá na Khan? — ele perguntou de repente e eu respirei fundo antes de responder.

    — Eles tinham um caso, Cobra. Minha mãe traía o meu pai. — disse, olhando para o chão. Só de lembrar das coisas que o Lobão tinha me contado sobre os dois já me dava vontade de vomitar.

    — Eu sinto muito, K. De verdade.

    — Eu também.

    Então tudo ficou em silêncio. E tudo veio de uma vez. A minha vida era uma mentira. Meu pai não era meu pai, meu namorado foi “contratado” pela minha irmã, eu era filha de um criminoso, não tinha pra onde ir, minha mãe traiu a minha família, meu melhor amigo estava vendendo drogas. Estava tudo uma merda. E não havia nada que eu pudesse fazer em relação a nada. Foi quase demais para aguentar.

    Mas eu não podia chorar. Já tinha derramado lágrimas demais por aquela semana, ou por aquela vida.

    — Não fica assim, pequena. Tudo vai ficar bem. — ele me consolou, colocando um braço ao redor dos meus ombros.

    — Desculpa. — ele me olhou confuso. — Por estar sempre assim, por te perturbar quando algo dá errado. Desculpa por te atrapalhar tanto. — expliquei, e ele sorriu.

    Não um sorriso de lado, malicioso ou qualquer coisa. Era apenas um sorriso sincero, do tipo que eu não via muitas vezes em seu rosto.

    — Não precisa se desculpar. É sempre um prazer te salvar, donzela.

    Fiz uma cara emburrada e comecei a tentar acertar tapas em seu peito. É claro que, os que eu conseguia acertar, não tinham nem força para machucá-lo, e em poucos segundos estávamos em uma brincadeira boba. Eu tentava acertá-lo e ele desviava. E eu estava rindo, assim como ele.

    Em um momento ele agarrou os meus braços e me imobilizou na parede com o próprio corpo.

    — Ganhei. — ele disse bem perto do meu rosto.

    — Eu deixei.

    — Sei…

    Então nós paramos de rir. Ficamos nos encarando por alguns segundos, até que percebi que os olhos dele desceram para a minha boca. Eu já sabia o que ia acontecer a partir daí. Ele se aproximou, e começou a beijar meu pescoço. Sem querer, deixei escapar um gemido. Os seus lábios na minha pele são uma das melhores sensações que eu já tive a oportunidade de experimentar.

    — Cobra. Nós não...nós não podemos. — tentei protestar, mas eu estava entregue.

    — Não pensa, pequena. Nada mais importa. — ele sussurrou no meu ouvido, fazendo com que um arrepio me percorresse.

    Senti meus braços sendo soltos e pude finalmente tocá-lo. Com minhas mãos, minha boca, com todo o meu corpo.


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