– Prova? Mas que prova? - É, não tinha sido dessa vez. Sr Nichols lembrava da prova, e sobravam agora duas opções : Apelar para seu lado cínico e tentar ludibriar o professor, ou convencê-lo a não aplicar a prova. Adam começou pela primeira.

– A prova 1, meu jovem. Mas não se preocupe, as questões estão fáceis , nada que um aluno esforçado e inteligente como você não consiga fazer. Depois disso, está liberado, pode ficar no salão esperando o fim do horário com senhorita Margot.

Pelo visto, o professor sabia ser igualmente falso. Adam não era esforçado, e suas notas raramente passavam de oito. O que não significava que era um aluno ruim , afinal, nunca pegara recuperação. Ao menos, se Sr Nichols garantira que a prova estava fácil, devia realmente estar : Assim como diversos outros professores mais velhos, tinha o hábito de dizer que as provas seriam infinitamente mais difíceis do que realmente eram, algo que funcionava na maioria dos casos, fazendo os alunos estudarem mais.

– Eer... Posso fazer a prova substitutiva com o resto da sala? Todos faltaram, se eu fizer a prova hoje os professores vão ter de gastar tempo fazendo outra prova... ficaria melhor pra todo mundo! - Barganhar era uma especialidade de família, e Adam perdera a conta de quantas vezes sua mãe fizera algo semelhante em busca de descontos nas lojas de artigos para gatos. Mesmo que mínima, qualquer possibilidade de não fazer a prova era uma tentativa a ser feita.

– Quanto altruísmo, meu jovem! - A esse ponto, o gasto bordão ," meu jovem", já estava irritando o menino. - As provas substitutivas já foram feitas há mais de um mês, ninguém sairá prejudicado. São apenas dez questões, vamos lá, acho que o senhor não tem muitas coisas mais interessantes para fazer nesse tempo de nevasca.

Sr Nichols estava surpreendentemente certo. Em nevascas como aquela a internet sempre caía, e, com as ruas interditadas, Adam virava um verdadeiro empregado doméstico não remunerado de sua mãe. Varrer a casa, limpar a caixa de areia dos gatos, lavar os banheiros e até mesmo pentear o pelo de Fred, o gato favorito de Lilian, eram apenas algumas das inúmeras tarefas que era obrigado a realizar . Estava, por fim, derrotado : Teria de fazer a prova.

– Ah, que ótimo... Bom, vou fazer então.

Com um sorriso triunfante, Sr Nichols entregou as folhas com as questões e o gabarito, e acrescentou, em um tom extremamente sonolento :

– Quando terminar, me entregue tudo na sala dos professores. Confio em você, meu jovem, tenho certeza de que não vai colar. Boa sorte!

Adam revirou novamente seus olhos, dessa vez, descaradamente : Não havia de quem colar, estava sozinho! Reclamar não aumentaria sua nota, então, começou a ler as questões. As cinco primeiras estavam realmente fáceis, e, mesmo sem ter estudado, acreditou ter respondido corretamente. O problema, porém, iniciou-se após a sexta pergunta.

" 6 - Qual família inglesa guerreou contra a família York no episódio que ficou conhecido como guerra das rosas? "

Adam se lembrava vagamente dessa aula, mas não estava suficientemente acordado nela para se lembrar da resposta. Sr Nichols era extremamente entediante, e não teria sido a primeira vez que dormira em suas longas e massantes aulas de história. Decidiu, enfim, partir para a próxima.

" 7- Qual é a forma geográfica litoral caracterizada pelo abrupto encontro de terra e mar?"

Um vazio tomou conta da mente do menino. Nem ao menos se lembrava de ter ouvido termos parecidos durante o ano, e decidiu pular para a próxima.

" 8 - Qual é a organela responsável pela respiração celular em animais e vegetais?"

Adam já se dera ao trabalho de decorar todas as organelas, mas não se lembrava de nenhuma no momento. Restavam apenas mais duas questões, e a preocupação começou a tomar conta do menino.

" 9 - A partir da reação química 2H2 + 1O2 → 2 H2O, determine quantos mols de gás oxigênio são consumidos para que haja a formação de 156,8 litros de H2O. Para tal, considere uma temperatura de 0º Celsius, pressão de 1 Atm e n = 0,082 L·atm·mol−1·K−1 . "

Sem chances. Química era de longe sua matéria mais odiada, e Adam não saberia resolver tal exercício nem se lhe fosse fornecido um livro para consulta. Restava a última questão, que decidiria se sua nota seria acima ou abaixo da média. Não que isso realmente importasse : Notas nunca foram um motivo de preocupação para Adam. Lilian, entretanto, pensava de modo completamente diferente. Tinha certeza que passaria o resto do ano sem computador , fadado a limpar diariamente a caixa de areia de todos os gatos de casa e sem verbas para gastar com besteiras se ficasse de recuperação. Sua mãe era extremamente vingativa , e essa foi uma das primeiras lições que aprendera durante seus 16 longos anos de convivência.

" 10 - Enantiomorfismo consiste na simetria de dois objetos que não podem se sobrepôr. Tal fenômeno ocorre, por exemplo, em espelhos planos, onde a imagem é simétrica, reversa e de mesmo tamanho do objeto refletido. Dê mais uma característica de imagens formadas por espelhos planos."

Uma luz se acendeu na mente de Adam. Física era sua matéria predileta, e se lembrava claramente da explicação de Senhora McKinley sobre imagens formadas por espelhos planos. Com um entusiasmo ligeiramente exagerado, Adam escreveu, apressadamente, a resposta da pergunta.

" Imagens formadas por espelhos planos são, além do descrito, virtuais."

Um largo sorriso se abriu na boca do menino. Tinha conseguido! A felicidade, entretanto, não durou muito. Uma nota 6, ainda que suficiente para que não reprovasse, ainda era vista como medíocre por sua mãe. Precisaria acertar, ao menos, mais uma, para se livrar completamente de qualquer tentativa de extorsão materna.

Quarenta minutos já haviam se passado, e Adam não conseguia , de maneira alguma, se lembrar da resposta de qualquer uma das quatro questões restantes. Um silêncio mortal pairava sobre a sala de aula, e colocar laços cor de rosa em gatinhos não parecia, agora, uma ideia tão má : Já estava fazendo a prova há mais de uma hora. O tédio logo se transformou em frustração , e o menino logo desistiu de pescar memórias. Começou a refletir sobre seu dia,esperando que, milagrosamente, respostas caíssem sobre sua cabeça.

O dia havia começado mal, bem mal. Podia estar até agora em sua cama, quente e confortável, mas tinha sido obrigado a vir andando para a escola - Em uma das piores nevascas do inverno, como se não andar cinco quilômetros já não fosse o suficiente-. O caminho não foi nada agradável, e a alucinação com os espelhos não colaborava muito. Ainda conseguia se lembrar claramente das palavras escritas sobre o vapor . - Mesmo com uma memória auditiva péssima, Adam possuía uma memória visual quase fotográfica.-.

"Retsacnal"

"Saisélaf"

"5,3"

"Sairdnôcotim"

"Ogimoc oãtse sevahc saus"

Aparentemente, espelhos andavam lhe perseguindo naquele dia. Primeiro a loja na rua deserta, depois a questão patética sobre enantiomorfismo. Um péssimo dia para se sair das cobertas.

Adam começou, então, a procurar sentido nas estranhas palavras. Não que fosse louco ou algo do tipo : Só estava extremamente entediado e frustrado. Além do mais, a questão de física lhe dera uma ideia : Reverter as palavras poderia lhes atribuir algum sentido.

"Retsacnal" , ao ser revertida, virou Lancaster. Algo ainda ligeiramente familiar, mas nada que fizesse algum tipo de sentido : Continuava sendo estranha e sem lógica.

O mesmo ocorreu com "Saisélaf", que deu lugar a Falésias. Outra palavra esquisita e desconexa.

O trabalho era mais simples com "5,3",bastava trocar os números de lugar. " 3,5" era o novo código, que não apresentava, como esperado, qualquer sentido lógico para Adam. Os números da loteria, talvez? Óbvio que não. Entregar a prova como está seria bem menos estressante que brincar de soletrando com palavras sem sentido.

A imagem de sua mãe lhe esganando, embora extremamente exagerada, lhe veio à mente , servindo como estímulo para que o menino continuasse tentando se lembrar sobre as respostas.

Enquanto o milagre não chegava, partiu para a próxima : "Sairdnôcotim" . Dessa vez, o resultado pareceu, surpreendentemente, possuir algum sentido : Mitocôndrias. Como um cachorro que ouve um esquilo, Adam teve um estalo, um comando de start que fez cair a ficha ( E seu próprio queixo) sobre o que estava ocorrendo. Mitocôndreas! É essa a resposta!

Adam se sentiu tolo como nunca. Lancaster e falésias, como havia se esquecido?! Essas eram, claramente, as respostas das outras questões. Podia agora se lembrar como nunca das falas de Sr Nichols atravessando seu grosso gorro de inverno, explicando metodicamente os conteúdos de história e geografia em sua quase inacabável e arrastada aula dupla. Pela lógica, 3,5 era a resposta da questão de química, o que lhe poupara de uma enorme conta, que não sabia nem por onde começar.

Um outro fator, extremamente mais óbvio, logo tomou conta de Adam : Tudo aquilo era muito perturbador. Muito. E misterioso. Centenas de perguntas logo rodeavam sua cabeça : Quem havia enviado as respostas? Com que objetivo? Como sabia as questões eu não saberia responder? Como mandou as mensagens?

A mais simples de ser respondida logo se sobressaiu perante as demais : O que significa a última sequência?

"Ogimoc oãtse sevahc saus"

" Suas chaves estão comigo."

O coração de Adam parou momentaneamente. Algo estava muito errado, e, acima de tudo, Adam sentia medo. Um medo que nunca antes tinha sentido.