Um par de olhos escuros encarava o relógio acima do quadro-negro. Faltavam apenas alguns minutos, bem poucos, mas parecia uma eternidade.

Estava torta na cadeira, curvada para frente, pés em posição de prontidão. Ela ouviria o sinal e sairia dali o quanto antes.

Os cabelos escuros caíam aos ombros, indo pouco além; suas mãos estavam fechadas, apertando a madeira da mesa de sua carteira, estava ansiosa e impaciente, uma das piores coisas da vida é o Ensino Médio. Pelo menos, na visão dela.

Podia ouvir alguns alunos sussurrando atrás de si, ignorando o professor que palestrava, pelo que parecia a milionésima vez, sobre o mesmo assunto, sobre as mesmas pinturas e os mesmos pintores.

Ela concentrou-se na hora, buscando ignorar a presença do menino de cabelos castanho aloirados no canto da sala, não precisava lembrar disso, já tinha coisas suficiente na cabeça. Mais coisas do que gostaria.

Tocou. O som irritante e, ao mesmo tempo, aliviante da campainha toca, anunciando o fim das aulas.

Ela levanta aliviada, joga a mochila sobre um ombro e segue andando para a porta, o mais rápido que pode, para evitar tudo e todos e seguir para a sala de sua irmã. Duas portas depois estava a sala dela, um grande grupo de adolescentes saindo vagarosamente, a jovem dos cabelos negros esperou um pouco, encostada na parede em frente a sala. As botas pretas tocando a parede, braços cruzados no peito e os lábios negros do batom em um leve sorriso ao avistar o conhecido Rayban preto, cabelos com cachinhos e risada divertida; ela estava acompanhada de uma amiga, uma ruiva, ambas conversavam algo sobre feitiços e Harry Potter.

Os olhos azuis da garota saindo da sala encontraram os castanhos de sua gêmea diferente.

Allexandra era o que poderia se chamar da nerd charmosa, ela não usava as típicas roupas de nerd, assim como a irmã, tinha ótimo estilo e era criativa pelas duas, criando visuais interessantes dependendo de seu humor. E hoje ela estava de casaco rosa fechado, afinal, ninguém a deixaria entrar na escola em paz se vissem sua blusa da Corvinal, claro que ela deixou a saia e o resto do uniforme adotado por Hogwarts aparecer.

Ruby sorriu e balançou a cabeça negativamente, divertida.

Ruby tinha o ar emo dark, toda de preto, maquiagem escura nos olhos, lábios pretos; seu gosto musical era bem expresso por bandas emocore. Mas a morena dos olhos castanhos não era extremista ao ponto de fazer do emo um total em seu guarda-roupa, no entanto, na questão musical, havia uma predominância maior do ar em sua playlist.

– Tchau, Hannah. - falou Allexandra para a amiga e caminhou até a irmã com um sorriso.

– Ui, que susto. Pensei que ia me beijar. - brincou Ruby.

– Rá! - fez Allexandra – Até parece que eu beijaria você, tenho em mente alvos mais bonitos. - a morena dos olhos azuis acinzentados deu uma piscadela divertida.

– Pensei que o único “alvo” da sua vida fosse o Dumbledore. - rebateu Ruby saindo da parede e seguindo com a irmã para fora do colégio.

Allexandra parou surpresa.

– Eu pensei a mesma coisa! - falou a gêmea de óculos. - Então, onde vamos primeiro?

– Shopping, almoçar e, então, ver o filme. - respondeu Ruby, olhando para os lados, atenta a pista.

– Quando voltamos para casa? - perguntou Allexandra.

– Vamos ter que voltar cedo, Tânia vai querer nossas cabeças se ficarmos muito tempo fora.

– Tem razão. - Allex fez uma careta, uma pausa, fitou o chão, então, novamente, olhou para frente. - Não estou querendo limpar a casa inteira com uma escova de dentes. De novo.

Ruby respirou fundo, frustrada. Sentiu uma brutal vontade de ter um cigarro entre os dedos.

As gêmeas passaram por uma infância abusiva e, cada uma, respondia de uma forma. Ruby assumia o preto e a energia emo-gótica, a música; enquanto Allexandra se prendia em realidades alternativas de livros.

Surpreendentemente, a morena dos olhos escuros não tinha se metido com cigarro, graças a irmã que passara meia hora enchendo a cabeça da outra, quando essa apareceu com um cigarro na boca, experimentando.

Ruby tirou um chiclete e colocou na boca.

– Chega de histórias tristes, se nos atrasarmos, o cinema estará um inferno, cheio dos seus potterheads. - pontuou Ruby, procurando afastar alguns pensamentos.

– Devo encarar isso como uma ofensa? - Allex revirou os olhos. - Mas você está certa; temos que ir logo, pois, provavelmente, não conseguiremos bons lugares. De acordo com o livro, Daniel deverá aparecer nu no final do filme. É ou não é um bom motivo para pegarmos bons lugares?

– Estou mais preocupada com as fangirls e seus gritos histéricos. E não, não foi uma ofensa, apenas um fato.

– Se você espera elas fiquem caladas, maninha, terá que repensar sua ida ao cinema. Se bem que, na verdade, estou mais ansiosa pela batalha de Hogwarts. - ela suspirou. - Tânia derrubou café no meu livro, lembra? Até hoje não descobri o que McGonagall falou para Snape. Tânia devia ser presa depois daquilo. Não sei porque continuo aturando o descaso dela com meus livros.

– Pelo simples fato de que você é quem os paga, assim como a maioria das suas coisas, por isso, o descaso. E eu sei o que Snape disse a McGonagall.

– Ela vai pagar por tudo isso, você vai ver. - Allex franziu o cenho, desconfiada. - O que ela falou?

– “Turn to page 394”.

Ruby começou a rir, Allexandra fechou a cara, o topo das bochechas ficando vermelhos.

– Eu devia saber. Não sei porque perco tempo discutindo Harry Potter com você. - Allexandra disse apressando os passos e caminhando mais a frente de Ruby.

– É amor. - falou a outra apressando o passo para alcançar a irmã.

xxx

Era por volta das 20hs quando as gêmeas voltaram para casa, elas adentraram uma moradia quieta, as luzes estavam apagadas, era quase como se ninguém morasse ali.

Ruby trocou olhares curiosos e desconfiados com Allexandra, então elas seguiram a silenciosos passos para dentro.

Ainda que baixo, podia-se ouvir a TV ligada, chiando; vinha do quarto maior, o de Tânia, aquela que as recebera em sua casa, quando as gêmeas foram abandonadas.

Ruby, desconfiada, foi espiar o quarto, enquanto Allexandra ia largar a mochila na cama, no quarto das duas.

A jovem dos olhos castanhos viu a mulher mais velha dormindo com a TV ligada, então virou para voltar a seu quarto, quando, no caminho, ouviu um grito de Allexandra.

Ruby adentrou o cômodo e viu a irmã ajoelhada perto do que costumava ser seu nicho, onde ela colocava os livros.

Os livros estavam no chão, perto deles, páginas rasgadas, pedaços de capas amassadas. A gêmea de olhos claros estava com as mãos no colo, ela nem precisava virar, Ruby sabia que a irmã estava à beira de lágrimas.

Algo lhe subiu, raiva.

– Ah, isso? Eu me livrei deles, estavam ocupando espaço demais na minha casa. - disse Tânia atrás de Ruby, fazendo a jovem virar.

Num momento de raiva, Tânia foi lançada a parede por algo invisível. Ruby não sabia de onde aquilo vinha, mas virou e viu uma expressão de puro ódio nos olhos da irmã, soube que a menina dos olhos claros eram quem tinha causado aquilo. Allexandra levanta e se vira para a “mãe”, lançando-lhe um olhar que faz ventos assoprarem-lhe os cabelos e lhe tomarem o ar.

Tânia começa a lutar contra algo inexistente, em busca de ar.

– Você não devia ter feito isso! Eram meus! MEUS! A única coisa que eu tinha era os meus livros! Olhe o que você fez! OLHE SÓ! Eu odeio você. - gritou Allexandra antes de sair da casa batendo a porta da frente com seus poderes.

Mesmo ainda confusa sobre o que tinha acontecido ali, Ruby seguiu a irmã, mantendo o olhar focado em Tânia enquanto saia do quarto.