Cachecol Azul e Cabelo Vermelho escrita por Lirah Avicus


Capítulo 22
Capítulo 22




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/584139/chapter/22

8:15 am. Casa dos Watson. Manhã do desaparecimento.

—O que você fez?

John Watson levantou o olhar para a esposa, que o encarava de modo preocupado. Ele passara todo o café da manhã de cabeça baixa, perdido em pensamentos, e mal tocara no pão com manteiga que descansava sobre um pratinho em cima da mesa, ao lado de uma xícara de café também intocada. Ele permanecia assim, em silêncio, às vezes batendo os dedos sobre a toalha de mesa, até que Mary chamou-lhe a atenção.

—O quê? — ele disse, num sobressalto. — Nada.

—Só estava querendo chamar sua atenção. — ela disse. — No que está pensando?

—Nada importante... Ou interessante. — ele baixou a voz. — Ou compreensível.

—Tudo o que vem de você para mim é importante... E interessante. — ela sorriu, esticando a mão e colocando-a sobre a dele. Pensou bem antes de continuar. — Eu sei que você não dormiu hoje à noite. E desde que chegou em casa ontem você está agitado e distante... Querido, pode me contar... Tem algo a ver com o caso da Violet? Eu quero saber.

—Eu sei é que... — ele dizia, brincando com o anel dourado no dedo da esposa. — Não sei se tem algo a ver com o caso... Ou só com ela.

—O que aconteceu?

Ele a encarou, respirando fundo. Logo o que acontecera no dia anterior passou como um flash dentro de sua mente...

11:34 am. Green Valley Market. Dia anterior ao desaparecimento.

—Violet? — John disse, com um largo sorriso, postando-se ao lado daquela moça de longos cabelos vermelhos, que enchia o braço de caixas de Eggos. Estavam no mercado perto da Marylebone Street, na ala de congelados, e John fora lá com o intento de trazer algo que pudesse ser frito e, dessa forma, saciasse o desejo de Mary por algo muito oleoso, cheio de gordura e crocante. Ela virou-se para ele com olhar alerta, ainda agarrada às caixas de Eggos. — Olá.

—John? — ela murmurou.

—Sim... — ele riu. — Muito bom, você me reconheceu rápido. Você está ganhando prático, isso é ótimo.

—John... — ela repetiu, olhando-a de cima a baixo. O sorriso dele perdeu força.

—Sim, sou eu. — neste momento ele parou para observá-la atentamente. Ela estava vestindo um casaco grande e bege, e usava algo parecido a um pijama por baixo. Seu cabelo não estava bem penteado, e seu rosto... Seu rosto. Parecia ter 500 anos de cansaço. Havia olheiras fundas abaixo dos olhos, a pele estava pálida, mais que o normal, e parecia que toda ela tremia sem parar. — Você está bem?

Ela não respondeu. Olhava como que através dele. Tinha tal olhar morto que John ficou estático, era como se ela não o visse mais ali. Tudo nela perdera vida, lembrava uma estátua de cera. Daí de repente ela teve um sobressalto, encarando-o novamente, e voltando a tremer.

—John... — ela repetiu. Dai olhou a cesta de compra dele, repleta de sacos de batatas cortadas e congeladas. — O que faz aqui?

—Eu... — ele gaguejou. — Eu vim comprar batatas congeladas. Mary quer comer batata frita, disse-me até a marca, mas como eu esqueci vou compensar pela quantidade. E você? — ele olhou para as caixas que ela ainda apertava contra si com força. Já devia estar com o peito gelado. — Para quê tantos waffles? — ele sorriu forçado. — Vai fazer uma festa do pijama?

—Não... — ela sussurrou. Ela olhou em volta com seus olhos vidrados. Seus lábios tremeram. — Não quero mais sair de casa.

—E vai viver à base disso?... Você está bem? — John repetira a frase, desta vez com mais ênfase, e dera um passo a frente. Ao fazer isso, Violet se encolheu, encarando-o como se ele fosse o próprio diabo. Ele retrocedeu, pois agora tinha a impressão de que ela ia começar a chorar. — Está tudo bem... Fique calma.

—Eu estou calma. — ela disse, fechando os olhos. Respirou fundo, daí abriu os olhos, ainda com a aparência de possível choro. — Eu estou bem. — ela começou a caminhar, pegando mais caixas de Eggos. — Estou bem... Estou bem... Estou bem...

—Tem certeza? — pergunta John, seguindo-a. — Você não parece nada bem.

—Eu estou bem! — ela explodiu, sua voz ecoando, assustando os clientes ao redor e derrubando algumas caixas. Ela olhou em volta, voltando a se encolher. Olhou para John, uma lágrima surgindo em seu olho esquerdo. Abaixou-se, pegando as caixas que haviam caído. John a ajudou. — Eu... Me desculpe.

—Violet, o que houve?

—Eu sinto muito, John.

Ela se levantou, saindo andando, quase correndo, indo até o caixa eletrônico e passando os Eggos á medida que o preço era registrado. John foi atrás dela, parando logo atrás.

—Violet, você precisa de ajuda, não pode ficar assim, você está em pânico.

—Por favor, me deixa em paz! — ela pegou as sacolas e seguiu para a porta. John quis segui-la, mas a voz automática impediu-o.

—Por favor, passe os produtos para a cobrança correta. Por favor, passe os produtos para a cobrança correta.

John viu Violet se distanciando, olhou as batatas, soltou um palavrão e largou os pacotes para trás, correndo para fora do mercado, vendo Violet pegando um táxi.

—Espera! — ele gritou, segurando-se na janela aberta do veículo e forçando o taxista a parar.

—Você está louco, cara? — gritou o taxista.

—Violet, não se isole, isso nunca dá certo. O que houve? Aconteceu algo? Por favor, deixe a gente te ajudar! — Violet mantinha os olhos fechados, sentada no banco de trás do táxi e tendo as sacolas ao seu lado. — É ele? É o... — John não queria usar a palavra “assassino”. — Ele mandou outra mensagem, ele te seguiu?

Ela olhou para ele. Parecia que ia estourar. Balançava para frente e para trás, como que querendo dizer, mas não tendo coragem.

—Ele não sai do meu quarto! — ela ofegou, parecendo uma criança. — E entrou no meu sangue! Ele... Ele não quer sair!

—O quê? O que isso quer dizer?

—Por favor, taxista, vai! Vai!

—Violet, espere! — o táxi partiu, deixando John para trás com alguns curiosos a observá-lo. Ele ficou parado, tentando entender o que acontecera. Colocou a mão nos bolsos, soltando um profundo suspiro. Não entendeu muita coisa.

—Isto é sério... — murmurou Mary.

—Ela estava apavorada... E eu não soube o que dizer, não esperava por aquilo. Ela parecia à beira de um colapso, e eu a deixei ir embora. — John se recosta na cadeira, os olhos cerrados. — Tenho medo que ela queira fazer alguma besteira. Eu... Eu estou... Com uma suspeita...

—Qual?

—É besteira.

—Qual?

—Não é nada.

—Qual, John?

—Ela... Estava normal, antes de ela começar a ir na Dra. Thompson.

—A psicóloga?

—Psicólogos podem mexer com a cabeça dos outros, não é? É o que eles fazem.

—Está suspeitando de sua própria psicóloga?

—Sim. — ele afirmou. — Desde que isso começou, pessoas aparentemente normais e bondosas se revelaram absolutas psicopatas, não vou colocar a mão no fogo por ninguém.

Mary cerrou os olhos, abrindo um sorriso maldoso.

—Nem por mim?

—Você me entendeu.

—Você avisou o Sherlock?

John bufou de raiva.

—Ele não me atende e não retorna.

Mary pensou alguns instantes, daí abriu um largo sorriso.

—E se formos investigar?

—O que quer dizer?

—Nós dois... — ela pegou as mãos dele, dando beijinhos carinhosos. — Você e eu... Eu e você...

—Investigar o quê?

—A sua psicóloga! Poderíamos ir lá, fazer algumas perguntas, dar uma olhada, ver se encontramos algo suspeito. Você disse que o Sherlock não responde, podemos fazer o trabalho por ele e depois, se a suspeita não der em nada, nem precisamos alertá-lo. E se der em alguma coisa, podemos já levar para ele a informação confirmada. Tudo se encaixa!

Mary sorria brilhantemente. Parecia muito orgulhosa de sua ideia. Mas John não se deu por convencido.

—E o que você acha que poderíamos descobrir?

—Você conhece o Sherlock, trabalhou com ele durante anos. Conhece seus métodos, você pode muito bem fazer um bom trabalho. Você será o Sherlock e eu serei seu Watson, vamos dar uma olhada e procurar algo suspeito... Qualquer coisa eu mato ela e damos o assunto por encerrado.

—Mary...

—Ou então não matamos ninguém... — ela pisca para ele. — Como você preferir.

—Por que quer fazer isso?

—Por que eu acho que damos conta. Não somos cachorrinhos do Sherlock, sabemos nos guiar. E também não suporto mais ver o Jack morrendo, já está ficando deprimente. Levando-se em conta o número de vezes que assisto Titanic, eu mato em média cerca de 9000 pessoas todos os dias. Dá para imaginar?

Ele pensa rapidamente, daí fala.

—Se algo acontecer, ou se apenas houver o simples risco de algo acontecer, vamos embora.

—Feito.

Ele aponta-lhe o dedo indicador de modo ameaçador.

—Não pense que será algo cheio de adrenalina, vou me certificar de que seja entediante ao máximo.

—Tudo bem, papai. — ela já estava impaciente. — Vamos logo ou você quer esperar o horário de almoço?

—Vamos logo.

Mary se levantou sorrindo, sentindo-se útil novamente. Era a primeira vez que sairia numa investigação com o marido, e isso a fazia ficar eufórica. Finalmente... Um pouco de agitação.

***

—O que você fez?

Mycroft Holmes segurou a respiração durante alguns instantes. Colocou as mãos juntas sobre a mesa. Esfregou os polegares um no outro. E encarou a forma de seu irmão colérico à sua frente.

—Do quê está falando?

—Não aja como se não soubesse... — Sherlock sibilou como uma cobra. Estavam no escritório de Mycroft, com o quadro gigante da Rainha atrás do Holmes mais velho, que jazia sentado em sua cadeira almofadada, reclinável, de couro e detalhes em metal. Ele encarava o irmão, e como sempre, esboçava um sorriso contemplativo e vitorioso.

—Podemos continuar nesta brincadeira o quanto quiser, estou com muito tempo, na verdade.

—Onde está Benjamin Knight?

—Como vou saber?

—Interessante você dizer isso ao invés de dizer algo como “Quem é esse?”. — Mycroft fechou o cenho. — Isso só me mostra o quanto você, na verdade, sabe.

—Eu não sei onde ele está.

—Mas sabe de quem falo.

—Sim, eu sei... Infelizmente.

—E sabe onde ele estava, e também sabe que você o tirou de lá.

—Eu precisei tomar precauções, — Sherlock revirou os olhos. — levando-se em conta que você insistiu em continuar num caso que eu deixei bem claro que você deveria abandonar!

—Você não manda em mim... Desde quando você escolhe quais casos eu aceito e quais declino?

—Desde que você se tornou incapaz de fazer isso você mesmo de uma forma clara e inteligente.

—Obrigado, mamãe.

—Você acha que foi fácil fazer o que fiz? Você me enganou!

—Como é?

—Disse que visitaria um preso comum na ala para criminosos insanos...

—Essa frase ficou extremamente paradoxal.

—E que seria algo sobre um caso também comum que serviria para te tirar um pouco daquele buraco mofado que você chama de lar... Oh, dane-se, eu dei a permissão por que acreditei na sua afirmação.

—Você acreditou por que quis.

—Fica um pouco difícil perceber uma mentira escrita num telegrama.

—Eu disse a verdade.

—Ele não é um criminoso comum. Você deve ter percebido isso no momento em que leu a ficha dele.

Sherlock baixou a cabeça, baixando também a voz.

—Não há nada na ficha dele. Apenas a lista de assassinatos. Nada mais.

—E você não acha que há um motivo para isso? Benjamin Knight foi colocado onde estava até ontem por um motivo muito especial, por que ele não deveria sequer existir. Mas desaparecer com ele é algo fora de cogitação por razões que não posso revelar, portanto o escondemos, lhe demos um pequeno recanto onde poderia viver o quanto quisesse... Bem, até você aparecer por lá e desenterrá-lo. — Mycroft se reclina em sua cadeira, e pareceu falar consigo mesmo. — Impressionante como a obsessão destrói uma mente, de fato...

—Você está tentando me distrair...

— E como está indo seu caso?

—Muito bem, obrigado.

—Excelente. Fez algo moralmente questionável, como posso ver.

Sherlock se impacientou.

—Onde está Knight?

Mycroft cruzou os braços.

—Eu não sei.

—Mentira.

—Neste exato momento, eu não sei.

—E para onde o mandou?

—Eu não vou contar. — ele disse, dando de ombros.

—Eu vou achá-lo.

—Pelo amor de Deus, Sherlock, desista! — Mycroft fez sua voz exausta. — Largue esse caso, largue agora, nós dois sabemos em como isso vai terminar. Não vai ser bom, especialmente para você, e eu estou cansado.

—Ah, você está cansado?

—Sim, eu estou cansado!

—Cansado de quê?! De quê? — Sherlock se aproxima da mesa. — De ficar me seguindo como uma sombra para onde quer que eu vá, me vigiando como se eu fosse uma criança!

—Estou cansado de você agir como uma criança! — Mycroft se levantara da cadeira, agora também colérico. — E eu ficar te seguindo e limpando a bagunça que você deixa para trás! Estou cansado de te buscar nos mais variados antros vis e te tirar carregado por que você estava alto demais para conseguir colocar os pés no chão! De ter que te buscar num bunker alemão, e torcer para que as marcas não durassem o bastante para que nossos pais vissem no dia de Natal e inquirissem a respeito! Você faz as coisas, faz o que quer, se mete em dificuldades, sem pensar em qualquer possível consequência, em como afetará os que se importam como você... — ele arregala os olhos. — E só Deus sabe o que você fez junto com o Barão Maupertois!

—Eu resolvo casos!

—Você é um egoísta! Pare de insistir, pare de cavar na cova dos outros!

—É a minha vida!

—Será sua morte!

—E você se importa? Eu faço o que faço...

—Você faz o que faz por que não consegue olhar ao redor e não torcer para que tudo se transforme num quebra-cabeça para solucionar! Talvez tenha sido minha culpa, talvez tenha sido culpa da polícia que nunca escutou suas ligações quando era criança, talvez tenham sido aqueles professores mentecaptos que lhe deram a brilhante ideia de usar seu dom para resolver crimes, não importa, você está se autodestruindo, e no final, o que eu vou dizer à mamãe?

—Você não dá a mínima para isso... Só está dizendo tudo isso por que estou perto de algo que você não quer que eu saiba!

—Mas é lógico! — ele abriu um sorriso óbvio. — E o que eu não teria de aguentar no seu velório!

—Provavelmente, o Prof. Godel.

Mycroft respirou fundo, dando as costas para Sherlock, escondendo uma expressão de desconforto. Voltou-se para o irmão, acalmando-se e cerrando os olhos.

—A propósito, eu soube que sua cliente tem uma tonalidade de cabelo muito peculiar...

—Não faça isso... — Sherlock avisa, apontando para Mycroft.

—Como é mesmo o nome dela? Sabe, isso me faz lembrar dos velhos tempos, quando tínhamos...

—Cale a boca.

—Seria impressão minha ou sua insistência em resolver o caso teria uma motivação secundária, oculta e obscura, que o faz tão persistente?

—Fique fora disso.

—Eu estou dentro disso mais do que você pode imaginar. E você não pode me vencer. Abandone o caso ou vou fechar cada porta que você abrir. Não vou deixar que um simples caso te destrua.

—Nada vai me destruir.

—Não esteja tão certo disso. Mesmo que seu intelecto seja minimamente superior ao da maioria, ele ainda é seu maior inimigo, e pode transformá-lo em cinzas. Eu já vi isso acontecer, e pode acontecer com você também, se não já estiver acontecendo.

—Eu vou terminar este caso.

—Não vou deixar que você continue.

—A questão não é quem vai me deixar. E sim quem vai me parar.

Os dois se encararam por intermináveis minutos. Em silêncio. Um a estudar o outro, como duas majestades rivais. Mycroft terminou por suspirar, e dar novamente as costas para o irmão.

—Não terá minha ajuda daqui para frente.

—Sabe que isso não é verdade.

—Sim, eu sei. Espero... Ainda ter um irmão quando tudo isso terminar.

—Não seja melodramático. — Sherlock dirigiu-se até a porta, abrindo-a, porém parando e voltando para o irmão. — Afinal, quem é Benjamin Knight?

Mycroft fechou os olhos.

—Ele é você... Se eu não fizer nada.

***

—Dra. Thompson! — John batia na porta do consultório, enquanto Mary tentava ver algo através do vidro escuro. — Acho que ela não está.

Mary se endireitou, franzindo o nariz.

—Dê uma olhada lá atrás para ter certeza, não vim até aqui para nada.

John obedeceu, dando a volta na casa de arredor bem arborizado e gramado, pensando por que mulheres grávidas tendiam a ser tão mandonas. Ele saltou um tronco apodrecido, subindo até a varanda atrás da casa, e encontrando a porta de vidro também fechada. Olhou para dentro da casa. Aquela era a varanda que ele sempre via quando conversava com a psicóloga durante suas sessões, só que do lado de dentro. Pensou bem. Não era a gravidez, Mary era mandona daquele jeito mesmo...

—A porta também estava trancada lá atrás... — ele disse, voltando para frente da casa. — Ela realmente não está... O que você fez?

Mary encarou-o com um sorriso infantil. Estava parada na entrada, segurando um grampo, e a porta estava aberta.

—Nada.

—Isso é um crime, sabia disso?

—Eu não vim aqui para nada. — ela entrou, e John não acompanhou. Após alguns instantes ela voltou, o olhar de poucos amigos. — Eu vou continuar com esta investigação, não importa a cara feia que você me pregue, eu fui clara? Então, ou você entra comigo agora, ou te dou um golpe que te fará dormir e aí te arrasto aqui para dentro. Qual você escolhe? — John entrou a contragosto, e Mary bateu palmas. — Excelente.

Eles caminharam pela sala de recepção, olhando ao redor. Não havia muito o que ver. Apenas um sofá com três lugares, duas poltronas e uma cópia de um quadro de Salvador Dalí.

—Ela guarda as fichas dos pacientes naquela sala. — disse John, caminhando até uma porta marrom escura, que estava trancada. Ele forçou-a, daí olhou para Mary. — Você poderia?

—Ah, mas não era um crime?

—Cale a boca e abra essa droga de porta.

—Como quiser, bonitão.

 Ela abriu a porta usando o mesmo grampo, guardando-o novamente no bolso do casaco. Eles entraram, vendo várias caixas bem organizadas em estantes, distribuídas em ordem alfabética. John caminhou até encontrar a letra H. Puxou a caixa, que para seu espanto não estava empoeirada, colocando-a no chão e passando as fichas entre seus dedos, até encontrar a que queria. Violet Hunter.

Enquanto isso Mary olhava a caixa com a letra W.

Ele pegou a ficha, relativamente nova, e abriu-a. Começou a lê-la.

—Quantas anotações... — ele comentou. — Incrível, pois só faz duas semanas que ela está...

—Muito interessante.

John continuou a ler, mas a afirmação de Mary pareceu não ser para ele. Ele esticou o pescoço, e viu-a lendo uma ficha com o nome John H. Watson.

—Ei! Largue isso!

—O quê? — ela riu. — Nem pensar.

—Veio aqui só para isso, não foi? — Mary mandou-lhe um beijo pelo ar, e ele voltou a ler a ficha que tinha em mãos. — Realmente... Isso é estranho.

—O quê?

—Ela acredita que Violet esteja usando drogas. “Comportamento com mudança abrupta. Medo incontrolável. Afirma ver monstros aonde vai. Resquícios de crescente paranoia.” Não faz sentido.

—Talvez ela tenha começado a se drogar, eu entenderia muito bem se ela 

—Não é isso, é que... Drogas te deixam em êxtase, elas te deixam no auge da euforia, eu sei, eu via quando o Sherlock... Elas não te fazem ficar apavorado, paranoico, vendo monstros que não estão lá... — John parou de falar, estático. Mary ainda lia sua ficha, mas ao notar que ele parara de falar, levantou os olhos.

—Querido, o que foi?

—Ele... Ele não pode ter feito isso... — John se levantou, guardando a ficha e a caixa, e saindo da sala, caminhando para a saída. Mary o seguiu, os dois caminhando sobre a grama molhada.

—Me explique o que você descobriu.

—Eu preciso pensar, preciso... — ele tentava lutar contra aquela atestação que acabara de fazer. Não podia ser verdade. — Preciso entender... — seu telefone toca. — Alô?

John? É a Molly. — a voz que saía do fone era entrecortada, tensa. — Algo terrível aconteceu.

—O que foi?

—É a Violet, eu saí com ela, e ela sumiu! Eu não sei onde ela está! Ela teve um treco e desapareceu!

— Onde você está?

Estou em frente à Liberty, na Regent Street. Me desculpe, John, eu não consegui falar com Sherlock!

—Eu vou avisar a polícia, fique aí que eles logo vão chegar! — ele desligou o celular, discando um novo número.

—O que aconteceu, John?

—Violet sumiu. — John fechou os olhos, tentando se controlar. — Alô, policial Butler? Sim, é John Watson. Escute, Molly Hooper acabou de me ligar dizendo que a Violet sumiu... Elas haviam saído juntas, isso... Isso... Está em frente à Liberty... Isso... Ok. — ele desligou, caminhando até a calçada. — Mary, preciso que vá embora.

—Sem chance.

—Por favor! — ele se vira para ela, segurando-a pelos braços. — Eu preciso que vá para casa e fique lá, pelo menos assim ficarei tranquilo em algum aspecto.

—Mas a Violet...

—Os policiais vão atrás dela, vai dar tudo certo. — ele faz sinal para um táxi que passava, e o veículo parou. Mary cerrou os olhos, pensativa.

—Você não vai para lá?

—Tenho que matar alguém primeiro... — ele murmurou, entrando no táxi e fechando a porta. — Baker Street, por favor.

***

—O que você fez?! — rugiu John, andando para lá e para cá na sala do apartamento da Baker. Esforçava-se ao máximo para não ter um ataque de nervos.

Sherlock se levantou com dificuldade, levando a mão ao rosto. Com certeza aquilo ficaria roxo.

—Não sei do que está falando.

John pegou-o pelo colarinho, segurando tão forte que acabaria por sufocar o amigo.

—Então me deixe te informar! Você drogou sua cliente com a droga do medo! — ele soltou-o num empurrão, quase derrubando-o. Sherlock conseguiu se equilibrar, endireitando-se e ajeitando seu paletó. John abriu os braços. — Eu estou certo? — Sherlock pensou algum tempo, daí baixou os olhos, os lábios comprimidos. John ofegou audivelmente. Levou as mãos à cabeça, balançando-a negativamente. — Eu não acredito...

—John, entenda...

—Não acredito...

—Se ela o visse ao menos uma vez...

—Eu não acredito que você fez isso!

—Era uma oportunidade real de finalmente reconhecermos o assassino!

—Ela estava em frangalhos! — exclamou John. — Você viu o estado dela, você viu como ela estava! Você usou aquela droga maldita, aquela... Coisa que nos fez ver o Cão, você usou nela! Como foi, hein? — John sorria agora. Seu sorriso era assassino. — Foi um chá, igual você fez comigo? Usou seu charme para convencê-la de que você era inofensivo? Quantas vezes, quantas doses foram? Por que o estado em que a encontrei ontem foi...

—Ela viu algo?

John desfez o sorriso.

—Mais uma palavra e eu quebro suas pernas.

—Era necessário, John.

—Você drogou sua cliente!

—O que você quer dizer com isso?

John virou-se num resfôlego. Sherlock ficou paralisado. Os dois ficaram olhando para a porta. E na porta, parada e trêmula, estava Violet Hunter.

—Oh meu Deus... — John murmurou. E foi tudo o que conseguiu dizer. Ficou ali, imobilizado, sonhando com a possibilidade de surgir um buraco ao seu lado para que ele pudesse enfiar a cabeça.

Violet olhava ora um, ora outro. Não conseguia manter os olhos fixos.

—Você me drogou? — ela disse, e seu tom de voz partiu o coração de John Watson. — É por isso que estou assim?

—Violet... — Sherlock murmurou e, pela primeira vez, John pôde sentir arrependimento em sua voz.

Violet não esperou. Saiu do apartamento, desceu as escadas e foi para a rua. Sherlock seguiu-a como um raio, deixando John sozinho. Ele ficou imóvel por algum tempo, digerindo o que acontecera. Daí disparou escada abaixo, a tempo de ver Sherlock segurar o braço de Violet e puxar, os dois estando na calçada. No momento em que ele a puxou, ela se virou para ele e deu-lhe um tapa no rosto. Com força.

Nada foi dito. Eles ficaram parados na calçada. Sherlock não reagiu. E Violet correu até um táxi, enxugando uma lágrima, entrou no veículo e este sumiu no meio dos outros carros...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!