Fernweh escrita por MaeveDeep


Capítulo 4
Vamos celebrar nossa vaidade




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Capítulo Quatro – Vamos celebrar nossa vaidade

Começando a se sentir morna novamente, Atena encolheu-se mais dentro daquele casaco e fechou bem os dedos gelados, sem afastar por completo a preocupação com o frio que Poseidon não deveria estar sentindo. Talvez devessem entrar, mas estava gostando do vento gelado contra o seu rosto, do quanto ele fazia seu cabelo se mexer e eriçava sua nuca.

E o deus poderia voltar para dentro do salão se quisesse, é claro. Era um mistério por que permanecia ali. Ela soltou a respiração por entre os lábios, correndo os olhos pelo vale escurecido. Em uma noite cerrada como aquela, conseguia ver apenas as luzes amareladas acesas de dentro dos pequenos chalés.

– O que te deixou tão triste? – o ouviu perguntar, em tom baixo, e Atena fechou os olhos, porque vinha repetindo aquilo para si mesma todas as noites antes de dormir.

– Nada – disse de novo, desejando que ele fosse embora, sem vontade de reunir a pose necessária para encará-lo. Por uma vez, posso me sentir pequena?

Mas logo a mão de Poseidon estava sobre seu ombro, e, fria sobre três camadas de tecido, fez com que Atena se voltasse para ele. Não sabia que se sentir diminuta assim aumentava o tamanho das outras pessoas, teve vontade de pedir por um abraço e ao mesmo tempo sair correndo; a indecisão poderia tê-la feito tremer.

Atena não tremia, contudo, então se refez do embaraço e procurou pelo que dizer. Poseidon era mais alto do que ela e ainda assim não a olhava de cima, tinha uma forma de vê-la que fazia com que Atena encolhesse os dedos, nervosa como uma garotinha. Sua expressão sempre fora a mais insolente do Olimpo, na opinião de Zeus, séria e enviesada, os olhos verdes observando, atentos, antes de uma tempestade de raiva – mas naquele momento Atena não precisava de mais nada, e ela deu um passo a frente buscando por algo que não sabia o que era.

Poseidon se aproximou com cuidado, algo que Atena nunca havia achado ele pudesse ter. A mão dele permaneceu em seu ombro, e a outra foi para a base de suas costas em um abraço que a deusa mal viu começar até se ver dentro dele.

Fechou os olhos, esquecendo parte da dignidade e escondendo o rosto em seu ombro. Era ainda melhor do que o vento frio, melhor do que o mais longo dos banhos quentes. Permaneceu imóvel ali, as mãos fechadas cobertas pelo casaco escuro, incapaz de dizer alguma coisa, o medo de que alguém chegasse bem escondido no fundo da sua mente.

Afrodite cheirava a perfume francês, e Apolo, ao interior de couro do seu carro. Zeus carregava consigo aquela estranha sensação de ozônio, mas Poseidon era como uma pessoa normal – e não que Atena houvesse alguma vez abraçado alguma, ela engoliu em seco, fazendo-se mais confortável nos braços de um dos deuses que menos conhecia.

– Eu sou mais velho do que você – ele lhe disse, em um sussurro rouco e baixo. – Eu sei como é.

E quando Atena abriu os olhos, o rosto ainda aninhado na curva do seu ombro, aceitou que ele sabia. Sentiu parte do peso deixar seus ombros, pensou nas noites insones e percebeu que estava tudo bem. Mais morna por dentro, reviu em sua mente aquelas palavras, eu sou mais velho do que você. Eu sei como é.

Sabia como era se sentir sozinho todo o tempo, mesmo que cercado de pessoas. Sabia como era ter dúvidas quanto à própria personalidade, já que fora criado para ser daquela forma, e não crescido até ali. Sabia como era ter vontade de morrer, só para saber como seria viver de verdade. Eu sei como é.

Começando a se sentir envergonhada, deu um passo tímido para trás, e os braços de Poseidon a soltaram como se nunca a houvessem segurado em primeiro lugar. Como se nunca a houvessem prendido. Ela olhou para o seu rosto e para as rugas de riso no canto dos seus olhos, lhe deu um sorriso pequeno.

– Vamos voltar para dentro – ele lhe disse, estendendo a mão para segurar a sua, mesmo que enluvada pela manga comprida do agasalho. Atena se sentiu uma criança, e talvez aquilo não fosse tão ruim assim. – Vai se sentir melhor depois do jantar.

Os dois sabiam que aquilo nada tinha a ver com o jantar, mas Atena deu um passo para acompanhá-lo. No caminho para o salão pelo qual nenhum dos dois ansiava, respirou fundo e se sentiu melhor. Nabokov havia definido toska, mas seu maior romance era Lolita. Em termos de russo, Atena preferia ficar com Dostoiévisk:

Meu Deus, um momento de felicidade – não será isso o bastante para preencher uma vida?

Fim


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Eu adoraria ver isso acontecer de verdade... Nick, feliz aniversário de novo *---*