Pelos Olhos do Gavião escrita por Mayor Hundred


Capítulo 12
Responsabilidades


Notas iniciais do capítulo

Esse foi um capítulo especialmente trabalhoso. Deixo aqui um agradecimento gigante à linda da Little Girl que, sempre com muita paciência, têm me ajudado muito.



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Já estava desperto havia algum tempo, mas não queria sair da cama. Clint não era do tipo que fazia isso. Entretanto, a profunda decepção do dia anterior ainda não havia saído de sua cabeça. No início, achou que o sorriso que nascia nos lábios de Wolverine vinha da aceitação de ajuda. Estava errado. Era um riso de ironia.

Não conseguia entender o motivo de Logan se esconder naquela cabana.

Havia decidido ao menos tentar tirar essas coisas da mente quando ligou a televisão. Entretanto, sua atenção foi roubada por Bobbi voltando ao quarto segurando o pequeno Nicholas. Não soube dizer ao certo quando ela saiu de seu lado, mas era sempre como se perdesse uma parte de si.

— Clint, você tem que ir na farmácia. — Viu preocupação no rosto da esposa, e dispensou o humor que havia preparado em sua língua.

— O que aconteceu?

— Minha mãe. Não é nada demais, mas eu vou até o hospital visitá-la. — Ele tocou a mão dela e recebeu um sorriso em resposta. — Você fica com Nick por algumas horas?

— Claro. — Esticou os braços para receber o bebê, que sorriu para o pai, mas Bobbi não o entregou.

— Você tem que ir na farmácia antes, bobão — riu baixinho e fez o marido rir.

— Não ganho um beijo?

— Clint...

— Tá bom, tá bom, tá bom.

— É só isso?

A atmosfera silenciosa e monocromática da farmácia o fazia se sentir anestesiado. Olhou para as suas próprias compras depois da pergunta da moça atrás do caixa e riu. Nunca imaginavam um vingador comprando fraldas.

— Sim, senho... — Foi interrompido por um encontrão e teve de olhar para trás.

— Cara, sai do caminho, cara.

Sentiu toda a estrutura do local mudar quando percebeu aqueles dois homens entrarem. Altos, carecas e com roupas esportivas. Não precisava se esforçar para saber que eram encrenca.

Eram os assaltantes mais azarados da história, imaginou.

Contudo, não eram assaltantes. Percebeu a moça do caixa passar as compras com as mãos tremendo, enquanto alguém da parte de trás corria para atender os dois homens recém chegados com um grande e gordo envelope marrom.

— Cara, é melhor que esteja todo o dinheiro aqui, cara — resmungou o que recebeu o envelope.

— É, cara, o chefe já tá puto com o seu atraso, cara.

— Ei, caras. — Todos os funcionários deixaram de respirar com o ouvir inesperado da voz de Barton. — Vocês se sentem com sorte?

Citar Dirty Harry era mais um clichê, mas foi a melhor coisa que conseguiu pensar naquele espaço de tempo. Antes de qualquer um dos brutamontes conseguir ar para dar uma resposta, uma caneta do balcão foi arremessada, voando em alta velocidade. Perfurou a bochecha de um, que caiu mais pelo susto do que pela dor.

— Cara! Ele me furou, cara.

Enquanto um choramingava, o outro atacou como um touro. O impacto do gigante de roupa esportiva contra o Gavião fez quebrar inúmeras embalagens. Clint estava sem canetas, mas utilizara a própria cabeça para bater no inimigo. Tinha certeza que doera mais em si do que no outro, mas ao menos fora liberto do seu agressor.

— Esse cara é doido, cara! Vamos sair daqui, cara.

Não conseguiu ver, inundado pela dor e os diversos objetos caídos sobre seu corpo, mas tinha certeza que eles fugiram. Esforçou-se para levantar-se e tomar fôlego. Deveria estar acostumado com aquilo: a queda e o esforço para se levantar.

— Liguem pra polícia.

Ninguém se moveu, ou fez menção de resposta, mas não tinha tempo para perder. Correu para fora do estabelecimento a tempo de ver um carro sedan cinza dar partida e acelerar como se não houvesse amanhã. Sabia que não os alcançaria, mas fez a única coisa que poderia: correu.

A cada segundo, o carro ficava mais distante e Clint mais cansado. Recebia pequenas pontadas de dor onde fora atingido, mas não o bastante para reclamar. Até que encontrou um mundo de dor e descobriu as estrelas. Demorou alguns bons segundos para perceber que fora atropelado.

— Meu Deus, meu Deus — a motorista gritava, saindo de seu carro.

— Por que você me atropelou?

— Por que você tava correndo no meio da rua?

Rua. Correndo. Carros. Dor.

Lembrou-se do carro, e a cada segundo deitado estava mais distante dos bandidos.

— Merda... Dirige!

Levantou-se, usando tudo de si para ignorar a dor e caminhar até a porta do passageiro daquele fusca roxo que o atropelou.

— Quê?

— Vai, vai, vai!

— Quê? — repetiu.

— Diriiiiiiige! — gritou, e a moça quase pulou de susto, correndo até o banco do motorista.

— Tá bem, tá bem.

Achou que precisaria dar direções, até perceber que basicamente só era possível ir para frente, e, pela urgência na voz de Barton, a garota pisava fundo no acelerador.

— Siga aquele sedan cinza — gritou, abrindo o porta-luvas, à procura de algo que pudesse usar.

— Eu pensei que só falavam isso nos filmes. — Clinton não estava em condições de apreciar o humor nas palavras dela, mas sorriu de orelha a orelha ao olhar para o banco de trás e ver um arco e flechas repousado. Esticou-se por completo, intensificando ainda mais a dor, para alcançar. — Ei, cuidado, você vai se machucar com isso.

— Você não faz ideia.

Ela abriu a boca para perguntar, mas o homem ao seu lado estava pendurado na janela.

Cotovelo muito alto. Ombro muito apertado. Não havia espaço para atirar uma flecha com precisão dali, mas o Gavião nunca errava. A seta rasgou o ar e passou por alguns carros até acertar o pneu do sedan que perseguiam.

— Isso foi incrível — comentou, massageando o ego de Barton que sorriu ao vento.

— Acelera, eles vão ter que encostar.

E, de fato, após virarem em sinal vermelho, tiveram que parar e correr até um beco. Nunca era uma boa ideia perseguir dois criminosos em um beco. Mas quem precisava de boas ideias?

— Fique aqui. — Parecia que ela precisava.

— Ok. Eu sou Kate, aliás.

Achou que estavam além de apresentações. Ela tinha o atropelado, e ele levou o arco e flecha. Parecia uma troca justa. Esperou ouvir a aceleração do carro, mas não foi o caso. Puxou uma flecha e a colocou em posição. Não precisou caminhar muito.

— Cara, calma aí, cara, a gente pode resolver isso, cara. — Era até um pouco engraçado o bandido com traje esportivo e um furo de caneta na bochecha implorando.

— Fiqu...

Pela segunda vez naquele dia, viu estrelas.

Depois da escuridão completa, vinha um tipo de claridade que doía os olhos. Demorou para se acostumar novamente a enxergar, e então perceber que a dor era quase uma extensão do próprio corpo.

— Ele tá acordando, cara.

— Cara, você tá tão morto, cara. Você não devia ter feito isso, cara. Agora o chefe vai te matar, cara.

Todos eles riam como hienas e discutiam a maneira como o “chefe” mataria o arqueiro. Clint estava com dor e aterrorizado demais para ouvir ou mesmo se importar. Tentava encontrar uma maneira de escapar. Embora não estivesse amarrado, a maioria estava armada. Ele era rápido, mas não mais do que balas.

— Calados. — O sotaque ainda estava presente, embora muito mais sútil. Vestia-se de branco, usava uma boina e era velho. Muito velho. Imaginou que seria o chefe. — O que você acha que está fazendo?

— Sentado, conversando com uma uva passa. — Algumas risadas foram ouvidas, mas um olhar, por cima do ombro, do chefe foi o suficiente para as calar.

— Engraçado. Você tem uma piadinha pra isso? — Sentiu o frio cortante do metal contra a sua testa.

— É melhor você abaixar isso e me deixar ir, vovô.

— Senão?

— Senão esse lugar vai estar cheio de vingadores quebrando a cara de cada um de vocês. — O velho hesitou e foi o suficiente.

Suficiente para gerar dúvidas e sussurros entre os homens que se perguntavam. Rapidamente a atenção foi dispersa e eles estavam discutindo sobre os vingadores.

— Cara, esse cara é aquele cara do kung fu. Punhos de Aço.

— Cara, não é. É o flecheiro, cara.

— Calados — repetiu, e o efeito foi o mesmo. O cano da arma voltou a tocar a testa de Clint. — Acho que vou correr o risc...

— Ei, bundões. — Clint achou engraçado como todos eles viraram para trás ao mesmo tempo. Ouviu alguém gritar, e o homem de branco quis saber o que aconteceu.

Segundos. Mas o suficiente para Barton desarmar o líder e inverter a posição. Tinha agora a arma na cabeça do velho, enquanto todos os capangas miravam na garota, de pé, na entrada que usava um arco e flecha.

— Ei, bundões — repetiu, e eles olharam, perdendo de vista a garota na entrada. — Eu vou estourar os miolos do seu chefe.

Percebeu a maioria perder o ar, sem saber o que fazer. Alguns apontaram a arma para Barton, outros simplesmente permaneciam estáticos.

— Cara, vingadores não matam, cara. — Era um bom ponto, e todos os dráculas de traje esportivo concordaram com a cabeça.

— Eu... tô de férias.

Não sabia o que fazer a seguir. Tinha que passar por um mar de gente até chegar a única saída, e assim que desse as costas para um, seria baleado. Entretanto, foram todos surpreendidos com uma buzina infernal e deram espaço para um fusca roxo aparentemente desgovernado que adentrou a oficina.

— Fiquem longe daquela vizinhança.

Havia jogado o velho para dentro do carro, entrando logo em seguida. Kate dava ré, lentamente, enquanto tudo o que os bandidos podiam fazer era observar, sob a ameaça constante da arma na cabeça do líder.

Barton fez questão de parar o carro e o fazer descer em segurança, na outra esquina.

— Isso foi demais. Quer dizer, quase nos matou, mas foi demais — Kate finalmente disse, depois de ficarem sozinhos.

— Por que você os seguiu?

— Eu te atropelei, e vi eles te levando. Eu quase fui embora, mas fiquei pensando e sabia que te conhecia. Você é um vingador, não é? O Gavião Arqueiro. — Estava pronto para corrigir, mas ela realmente o conhecia. Sorriu. — É legal o que você fez pela sua vizinhança.

— Não é minha vizinhança.

— Quê? Você quase morreu por uma vizinhança que nem era a sua? Que merda. Por que você não me avisou? Eu podia ter morrido também. Todos os vingadores são babacas suicidas?

— Não é isso, Kate. Quando você vê algo errado, tem que agir. Senão, os caras maus ganham. É uma responsabilidade.

Estava mortalmente cansado, machucado e com fome. Pensou em passar em qualquer um desse lugares que ofereciam comida barata e ruim mas imaginou que Bobbi estaria preocupada. Já eram quase dez horas.

As luzes estavam acesas, o que não era exatamente uma surpresa. Barbara sempre gostava de o esperar para dormir, mas começou a criar exceções desde o bebê. Abriu a porta e entrou, sentindo o conforto do lar sob a sua pele. Já até se sentia melhor.

— Você trouxe? — Bobbi questionou, assim que Clint se fez visível no corredor. Estava sentada no sofá, com o pequeno Nicholas nos braços, os olhos inchados e o cabelo desarrumado. Precisou de só meio segundo para perceber o estado do marido e sua expressão murchou em decepção.

— Bobbi... me desculpe. Eu... — Só então Barton lembrou-se por que tinha saído de casa. Quis bater na própria testa, xingar-se mentalmente, mas estava esgotado demais para qualquer uma dessas coisas. Limitou-se a abaixar a cabeça.

— Você só tinha um trabalho, Clint.

Deus sabe que eles já tinham brigado tantas vezes antes. Discussões calorosas, barulhentas. Certa vez, como Harpia e Gavião Arqueiro, chegaram até a um combate físico. Mas nenhum golpe ou grito doía mais em Clint do que o silêncio de Bobbi.


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