Menino anjo escrita por Celso Innocente


Capítulo 19
Viajando




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De volta para casa, Regis assistia, como sempre, sem muito interesse, a um telejornal de início de noite, enquanto jantava sentado à mesa da copa, quando o jornalista fez uma chamada, falando debaixo de uma ponte, sobre um rio até bonito.

— Foi aqui, embaixo desta ponte sobre o rio Mogi Guaçu em Martinho Prado, que a polícia encontrou na manhã de hoje, o corpo da adolescente Ligia Fernandes Telles, de quinze anos de idade, que estava desaparecida desde terça-feira. Ela foi encontrada morta com uma sacola plástica na cabeça, vítima, a princípio, de estrangulamento. O corpo da adolescente foi encaminhado ao i eme éle de Mogi Guaçu, a cerca de vinte quilômetros, onde será submetido a exames para analisar se, inclusive a adolescente foi vítima também de estupro, já que estava seminua.

O repórter focalizou um homem negro, forte, aparentando não mais do que vinte anos de idade, dentro de uma delegacia de Mogi e comentou:

— Próximo ao local do crime, a polícia prendeu este homem, o qual não revelou o nome para não atrapalhar as investigações. Segundo a polícia, tal homem estava em atitudes suspeitas e vai investigar, se ele é o provável autor do crime...

— Não foi ele! — Negou Regis, olhando sério para o televisor.

— Tá falando com a tevê, filho? — Brincou Jaqueline, que sentava para o jantar.

— Mamãe, você me leva lá? — Pediu o menino, sério.

— Ah não! — Negou sua mãe, já preocupada. — A moça já morreu e o cara já foi preso! Não tem nada pra você fazer lá!

— O cara que foi preso é inocente. Ele só foi preso porque é negro! Racismo camuflado!

— Isso não é assunto pra você. Deixe que os direitos humanos, ou outras entidades resolvam.

— No Brasil?! É provável que a polícia tenha passado ao lado do assassino de pele branca, bem vestido e pego o primeiro negro que encontrou, só porque estava próximo do local do crime.

— O que ele estava fazendo perto do local do crime?

— Lá é um local público! Dezenas de pessoas vão lá todos os dias admirar a bela paisagem.

— Você nunca esteve lá! — Riu Jaqueline, embora em estado nervosa.

— Você ainda não me conhece, mamãe — riu de leve, Regis. Ele quase nunca falava brincando, ou sorria.

— Não vou levá-lo lá, menino! Suas atividades só me dão prejuízo! Perco dias de trabalho, gasto combustível, dinheiro e pedágio. Não vejo lucro nenhum com isso!

— Sua recompensa virá depois. Assim como a minha!

— Nem me venha com esta história!

— Não precisa ser hoje, mamãe. Amanhã cedo.

— Amanhã cedo mesmo tenho que trabalhar. Não vou levar você e pra que não vá sozinho, infelizmente você vai dormir amarrado. Tá decidido!

Realmente, quando o menino foi se deitar naquela noite, Jaqueline sentou-se a seu lado na cama e perguntou:

— Você já desistiu de ser o bom samaritano com o negro inocente?

— Eu nunca desisto! — Ironizou o menino dizendo a verdade.

A mãe apresentou-lhe dois pedaços de cordas, que teria escondido sob a cama e lhe disse com lágrimas:

— Terei que amarrar você meu filho. Eu sinto muito!

— Isto é amor, mamãe? — Insinuou ele, sério.

— É amor sim! — Exclamou ela com mais lágrimas.

O menino passou a mão direita sobre as lágrimas da mãe, juntou os pulsos e até com certo sorriso, concordou:

— Então tá bom! Pelo menos não dirá que não tentou. Não é?

Jaqueline amarrou os pulsos do menino, depois prendeu-o na cabeceira da cama, fazendo o mesmo com os pés, depois sentou-se a seu lado, beijou-lhe demoradamente as bochechas, tornou a se levantar e disse:

— Se durante a noite você sofrer muito, me chame que virei lhe amparar.

— Não te preocupes, mamãe! Não será minha melhor noite de sono, mas também não irei morrer.

Com o coração partido, Jaqueline se retirou indo se preparar para dormir também.

Apesar do incômodo dos braços e pernas presos sobre a cama, Regis dormira como um anjo, acordando às quatro horas da manhã, onde, com pequeno esforço, desprendeu os pulsos das amarras, que lhe pareciam de elástico, desamarrou os pés e se levantou despindo-se rapidamente daquele pijama curto e vestindo calça comprida jeans, camiseta polo branca e uma jaqueta, também jeans, pois, devido ser final de verão, as madrugadas eram frias, principalmente naquela região, ao pé da serra da Mantiqueira. Calçou um par de meias com desenhos Disney, um par de Tênis All Star da cor da calça e jaqueta, com solado branco. No escuro, foi ao banheiro e depois de necessidades fisiológicas, escovou devagar os dentes, tomou um copo de leite com achocolatado, mexeu na bolsa da mãe, em busca de dinheiro que não encontrou, balançou os ombros e saiu.

Como nada passava despercebido para aquele menino diferente, ele sabia que sua mãe não escondera o dinheiro; não encontrou porque não tinha mesmo.

Cinco minutos depois estava no meio da rodovia, em frente ao grande parque de exposições, fazendo sinal para um grande caminhão de transporte de combustível, que vinha do sentido Águas da Prata para Campinas. O caminhoneiro freou queimando a borracha de fricção do freio, que exalou um forte odor desagradável:

— Você quer morrer moleque? — Gritou o motorista.

— Não! — Negou ele sério. — Quero carona.

— Não espera que vou dar carona de madrugada pra uma criança! Espera?

— Espero! — foi incisivo o menino, abrindo a porta do passageiro e entrando.

É claro que ninguém em plena consciência, daria carona para um menino de nove anos de idade, antes das cinco horas da manhã, para levá-lo a outra cidade. Mas Regis era... Dominador de mentes.

Com o caminhão já em movimento o motorista lhe perguntou:

— Tá fugindo de casa, menino?

— Amo minha mãe! — Respondeu ele com leve sorriso. — Jamais fugiria!

— Então aonde vai, de carona com estranhos há essa hora?

— Martinho Prado!

— Oh! — Riu o homem. — Coincidência! Passarei lá dentro!

— Sei disso! — Respondeu sério, o menino.

Pura coincidência. Será? Mas aquele caminhoneiro seguia para Paulínia e não só para desviar de pedágios, mas mesmo porque, talvez fosse realmente o melhor caminho; apesar de pista simples tipo vicinal, encurtava a distância em pelo menos vinte quilômetros.

Seguiu até próximo a Mogi Guaçu e virou á direita, sentido Martinho Prado, que é uma pequena cidade distrito de Mogi.

— É perigoso um menininho tão jovem, ficar pegando carona de madrugada com pessoas que nunca viu — alertou o caminhoneiro.

Regis, apenas o olhou sério.

— Existem muitos adultos safados que causam mal à crianças pequenas — continuou o motorista.

— Não o senhor! — Insinuou convicto o menino.

— Como pode ter tanta certeza?

— O senhor tem filhos e ama crianças. Não me faria qualquer mal!

Não significa muito, mas tal homem sentiu os olhos marejados.

—Realmente tenho filhos! — confirmou ele. — Realmente respeito às crianças como sendo um ser sagrado. Mas na rodovia de madrugada você não poderia saber disso!

— Não costumo fazer o que fiz hoje — riu o pequeno. — Não te preocupes!

— Outra coisa, você estava em cima da pista! E se eu estivesse distraído e não conseguisse frear?

— Eu seguraria o caminhão com minhas mãos — tornou a rir o menino. Sabe-se lá se estava falando a verdade.

Passava poucos minutos das seis horas, quando o caminhoneiro parou a alguns metros depois da ponte do rio Mogi Guaçu e quando o menino descia, perguntou-lhe:

— Você vai pescar, garoto?

— Vou pegar peixe pequeno! — Ironizou ele.

— Não pretende se suicidar não! Não é?

— Me amo muito pra pensar isso! — riu o pequeno.

— Não serei preso por ajudá-lo a fugir de casa?

— Antes de chegar à noite, já estarei de volta aos braços de minha linda mãe!


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Notas finais do capítulo

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