Rhorus escrita por Sandro Morett


Capítulo 9
O cavaleiro da prata


Notas iniciais do capítulo

Novo personagem introduzido (com sucesso, eu espero q). Espero que gostem de mais esse capítulo.



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A galé se movia vigorosamente em meio ao vento e às ondas naquela brutal tempestade. O navio havia partido das Ilhas Aracnídeas no bravio mar do leste com uma tripulação de mercenários, cavaleiros andantes e jovens escudeiros procurando alguma glória no torneio que aconteceria daqui a uma quinzena. O capitão Barbus, um homem de face marcante com suas orelhas pontudas e nariz achatado que comandava a tripulação do Sopro Faminto dissera-lhes que estava partindo para a Capital, subindo pelo rio Sinuoso que corta Rhorus de leste a oeste como uma faca repleta de dentes em seu gume, e com várias ondulações. Estava há uma semana na água, mas ele lhes garantira que cortando pelo rio chegariam em breve à cidade.

Sir Lionel de Monteprata era um dos cavaleiros da tripulação. Já havia vivido mais de quarenta invernos, mas seus ossos eram duros e seu rosto parecia ter sido esculpido em mármore, mostrando poucos sorrisos. Porém mesmo com essas feições duras e sua barba e cabelo negros salpicados de cinza ainda era um homem bonito, com marcantes olhos castanhos e dentes brancos e perfeitos. Vestia naquele tempestuoso dia em questão um gibão verde, luvas de couro de toupeira, calções de lã e botas de cano alto. Levava sua espada no cinto; uma bela espada, de cabo de prata encrustado de esmeraldas e lâmina tão brilhante como uma lua cheia de outono; chamara-a Tormento dos Deuses.

Lionel de Monteprata foi até a proa do navio onde o capitão estava. O homem gordo já conhecia a fama do cavaleiro, por isso ao vê-lo se aproximar fez uma meia reverência.

– Sir. – Barbus inclinou a cabeça. – Está gostando da viagem?

Uma onda se chocou violentamente contra o barco e Lionel teve de se segurar na balaustrada para não cair.

– Não é a melhor viagem que já fiz – o cavaleiro respondeu. – mas não vou pagá-lo por luxo. Você me prometeu velocidade, e está cumprindo com o combinado.

O capitão se fez honrado.

– Tivemos que recolher os remos e as velas por causa da tempestade. – ele falou. O rio Sinuoso cortava o continente no meio, mas era tão largo e traiçoeiro que mesmo tempestades tão fortes quanto as marítimas o atingiam. – O senhor conhece o Sinuoso. Um rio tão bruto quanto o mar.

– De fato. - o cavaleiro falou olhando para o horizonte encoberto por pesadas nuvens cinzentas, e depois para os lados. Via apenas água verde se agitando. – Ainda não vejo a terra.

O capitão chamou-o até sua cabine e eles foram. Chegando lá desenrolou um mapa sobre a mesa, apontou para o Sinuoso. Estavam além do meio do rio, a área era conhecida como Lagoa Velha, aonde o rio Sinuoso e o rio Marrom que vinha do sul se juntavam em uma enorme lagoa quase sem horizonte. A Capital ficava na extremidade oeste do continente. Para chegar até ela precisavam chegar a uma vila onde o Sinuoso Leste acabava e transportar o navio por terra até onde o rio recomeçava.

– Três dias. – falou o capitão. – Reabasteceremos os porões na Vila Gazua assim que a tempestade acabar e pudermos partir. Depois serão três dias para chegar à Capital. Seu torneio começará ainda em uma semana.

Meu torneio, sim., pensou Lionel. A carta que o conselheiro do rei mandara e distribuíra por todo o reino dizia que era um torneio como jamais haviam visto igual. O prêmio para o campeão das justas era de 500.000 peças de ouro, uma fortuna; o campeão do corpo-a-corpo e do tiro-ao-alvo ganhariam metade desse valor. E quem é melhor cavaleiro do que eu? Sir Lionel sabia que poucos o derrubariam de um cavalo. Eu vencerei esse torneio!

– Trate de não demorar a colocar o barco em curso depois de Vila Gazua. Sabe que será recompensado. – o cavaleiro havia prometido cem peças de ouro para o capitão e uma reforma para o navio caso ele chegasse à Capital com dias de antecedência e o esperasse lá até o fim do torneio levando-o de volta para casa em Perolazul, nas Ilhas Aracnídeas; mas prometeu um dinheiro que ainda não tinha.

– Como quiser, Sir. – o capitão respondeu.

Depois da conversa Sir Lionel foi até sua cabine. Era uma cabine pequena, com não mais que uma cama com um colchão úmido, uma mesa, cadeiras e um penico. Abriu seu baú com suas roupas e uma velha armadura e arrumou roupas secas para vestir. Depois de se trocar se deitou, mas o sono não veio, em seu lugar vieram as lembranças.

Lionel de Monteprata era um cavaleiro de renome em torneios, ganhando quase todos que participara. O próprio rei havia o chamado para ser um dos cindo Escudos do Rei, mas Sir Lionel recusou. Sua vida estava em justar em torneios. O cavaleiro se lembrava de como o rei aceitara sua resposta e ainda lhe concedera terras e uma pequena fortaleza nas Ilhas Aracnídeas. Claro, o rei sorria enquanto falava, que homem em sã consciência trocaria todo o ouro de torneios pela honra de servir seu rei? Depois desse dia Lionel passou a apreciar o rei como uma pessoa melhor.

Apenas três vezes ele havia perdido em torneios. Uma ainda jovem, com 16 anos, acabara de ser ungido cavaleiro por Sir Rose Matad’ouro a quem servia como escudeiro, e fora para um torneio em Terralta, na sua primeira justa pegou Sir Gerald Hertz, um dos Escudos do Rei. Sir Gerald derrubou-o na primeira investida sem quebrar a lança. A segunda vez Sir Lionel era já homem feito com mais de 25 anos, já tinha feito uma pequena fortuna em torneios e acima de tudo, feito seu nome; nesse torneio ele justou contra o irmão mais novo do Lorde Rowen de Pedravelha; o rapaz era rápido, sem dúvidas, saiu ileso depois de duas investidas quebrando as lanças contra a placa de peito e o escudo de Sir Lionel, na terceira investida o cavaleiro mais experiente não conseguiu se manter sobre o cavalo e caiu. Mas o terceiro torneio foi diferente dos outros, sem honra. Envergonhei-me naquele dia, e quase desfiz todo meu trabalho de anos tentando colocar meu nome no topo.

Era primavera e Lionel de Monteprata tinha já 36 anos. O torneio aconteceu na Capital, tal como esse aconteceria, e Lionel venceu três justas. Sir Gerald era já um velho de quase 70 anos e não participou; ficou atrás do rei, guardando sua vida. Sir Rickard Rowen, irmão mais novo de Lorde Rowen havia morrido já há cinco anos por uma picada de cobra durante uma caçada, então Sir Lionel de Monteprata era o favorito para a vitória. Na última justa Sir Lionel pegara um cavaleiro andante que usava um elmo com quatro cornos; Cavaleiro Sem Face, ele se chamara. Sir Sem-Face derrubara um dos Escudos do Rei, e Sir Arthur Winterborn com apenas uma investida. Depois derrubou um cavaleiro livre com uma armadura amaçada e sem um nome digno de ser lembrado. Lionel estava inquieto. Não conhecia o cavaleiro, mas sua forma de justar era calculista e ágil. Decidiu trocar sua montaria de última hora alegando que seu garanhão estava mancando, escolheu uma égua em seu lugar. Sem honra. A égua estava no cio, e Lionel bem sabia. No momento da primeira investida Sir Sem-Face perdeu o controle de seu cavalo que enlouqueceu com o cheiro da égua no cio e caiu durante o ataque de Lionel. O cavalo veio junto e caiu por cima do cavaleiro mascarado. Todos se levantaram temendo por ele que permaneceu imóvel sob sua montaria. Alguns homens do rei tiraram o pobre homem de sob o cavalo, que logo depois se levantou e trotou até a égua; Lionel já estava desmontado, olhando tudo.

A visão era horrível de primeiro momento, todos gritaram ao ver que a face do elmo havia virado para as costas, mas quando o elmo foi removido viram que aquilo não passara de um susto, e a cabeça continuava como deveria estar, intacta. Sir Lionel empalideceu quando o reconhecimento sobre o cavaleiro sem face veio, e todos gemeram. O rei se levantou, enfurecido. Sob o elmo e a armadura do Cavaleiro sem rosto estava o irmão mais novo do Rei Howard Bullbuster, Lorrew Bullbuster, um rapaz escudeiro ainda, mas que se fez passar por um homem mais velho. Ele derrubou dois dos melhores cavaleiros de torneio do reino, e teria me derrubado também se eu não tivesse trapaceado. O rapaz tinha futuro. Mas Sir Lionel acabara com aquele futuro naquele dia.

Quando o Mestre das Medicinas do rei chegou e levantou Lorrew para colocá-lo na maca foi que se pôde ver que suas duas pernas tinham sido quebradas e que em uma delas o osso trespassava a cocha do rapaz. O jovem irmão do rei gritava de dor enquanto era tirado da arena de torneio, e o Rei Howard olhava com desaprovação para Sir Lionel. O torneio acabou.

Os guardas reais prenderam Sir Lionel no momento em que o rei se retirava ao lado da rainha e levaram-no para a Sala do Trono, lá o rei e sua corte o aguardavam.

Howard Bullbuster vestia uma roupa de seda negra, diferente da dourada que estava usando no torneio, sua barba espessa, longa, selvagem e emaranhada estava amarrada por um elástico dourado, assim como seus cabelos louro-esverdeados. No seu colo a Carrasco Real pairava desembainhada, negra e temível; era uma espada terrível; desde o início do reinado da família Bullbuster sobre os Reinos de Rhorus eles se recusavam a usar um carrasco; seu carrasco era a espada negra.

Quando o rei começou a falar os burburinhos das vozes na corte pararam e Lionel levantou seu rosto para encarar o real homem.

– Você trapaceou, sir.

A acusação atingiu Lionel de Monteprata como uma seta. Ele baixou a cabeça novamente.

– Veja só, o homem não tem honra. Sequer nega sua acusação. – a rainha lançou em seguida, borbulhando de raiva.

– Calada mulher. – o rei a interrompeu. – Fale algo em sua defesa cavaleiro. Meu irmão perderá uma perna por culpa de sua trapaça.

Aquilo fez com que o cavaleiro da prata se sentisse ainda mais culpado.

– Se eu soubesse o que aconteceria certamente seria diferente. Mas Vossa Graça, nunca imaginei que o Cavaleiro Sem Face fosse um rapaz, ainda menos teu irmão. Temi perder.

– Todos perdem, sir. Veja o que acontece com os homens quando não perdem. Ficam mal acostumados, aprendem a trapacear. – o rei segurou a Carrasco Real e levantou-a, e a luz do salão pareceu ser engolida pelo seu gume negro. – Eu deveria cortar-lhe uma perna para que você aprendesse a perder. Meu irmão perderá o mesmo por causa de seu erro.

Sir Lionel ficou apavorado. Lágrimas brotaram em seus olhos e ele abriu sua boca para dizer algo, mas tudo que saiu foram gritos inarticulados.

– Cale-se! – gritou o rei, colocando-se de pé. – Aceite sua sentença sir. É um cavaleiro, onde está sua bravura?

As pernas do cavaleiro sumiram e ele caiu de joelhos.

– Perdão, Vossa Graça. Se eu soubesse que era teu irmão. Se eu soubesse que era um rapaz. Não sabia que era crime trocar de animal em um torneio. – lágrimas corriam seu rosto. – Perdoe-me, Vossa Graça. Por favor, por favor. Piedade.

– Cale-se homem. – Howard já estava impaciente. Voltou a se sentar. – Não é crime trocar de montaria, não seja tolo. Era minha vontade fazê-lo pagar da mesma forma que meu irmão pagará, mas meu Mestre das Leis me disse que não era próprio de um rei mutilar um homem por usar truques em torneios para conseguir uma bolsa de ouro. Se fosse assim não existiriam mais cavaleiros sem mutilações. Meu irmão mentiu sua identidade e participou de um torneio para cavaleiros sendo apenas um escudeiro. Isto é proibido, e sem dúvidas ele aprendeu. – o rei olhou Sir Lionel do alto do trono, seus olhos eram meio cinza escuro. – Mas não pense que sairá impune. A fortaleza que lhe dei em Monteprata não será mais sua, e todas suas riquezas serão recolhidas pela coroa. Acho que é um bom preço por uma perna, não é Sir?

– Sim, Vossa Graça. – o cavaleiro respondeu. – Obrigado, Vossa Graça.

Aquilo foi há seis anos. Lionel de Monteprata já não tinha mais Monteprata, e nem seu ouro. Vendeu alguns de seus bens mais valiosos, incluindo sua armadura que brilhava como uma noite enluarada, mas ficou com sua espada Tormenta dos Deuses. Com esse dinheiro comprou uma pequena mansão com criados em Perolazul. Agora recuperarei meu ouro, minha fortaleza e meu renome. Voltarei a ser Lionel de Monteprata, o maior cavaleiro de Rhorus.

Fechou os olhos e o sono finalmente veio, trazendo consigo sonhos de verão: um homem com uma espada de prata, riquezas, reconhecimento e respeito. Aquilo era o que Sir Lionel sonhava todas as noites.


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Notas finais do capítulo

Olá olá, Sandro aqui de novo.
Bom, ainda está cedo, mas eu já estou com sono e por isso não vou escrever muito aqui nas notas finais, mas Lionel de Monteprata é um dos personagens que eu mais gostei de escrever, mesmo colocando ele como um bebê chorão em alguma parte do capítulo.

Espero que vocês que leram tenham gostado e deixem um comentário, e se não gostaram deixem um comentário também pra eu saber o que melhorar.
Obrigado pela recepção da história até agora, gente. s2

Até a próxima. Bye.