Rhorus escrita por Sandro Morett


Capítulo 12
A batalha


Notas iniciais do capítulo

Segunda parte do capítulo da víbora. u.u



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BRYNDEN SAND

A grande maioria das tropas já estava se colocando em marcha com Dixon Sunning no comando, trajando sua armadura de combate esverdeada e com sua testa enrugada franzida enquanto olhava para o horizonte. Quando Brynden apareceu vestindo a armadura branca dos Rose com seu cabelo prateado amarrado em um coque, Luxxis que marchava ao lado de Dixon já estava impaciente.

– Por onde esteve? – o velho capitão perguntou. Ele vestia um traje de batalha leve e levava no cinto sua espada de ferro meio enferrujada.

– Resolvendo alguns assuntos. – a víbora respondeu e seus olhos faiscaram. Luxxis compreendeu de imediato.

– Os seus duzentos homens já estão armados e Dolores já está na carruagem à sua espera. Vá.

A visão de seus mais de mil homens marchando à frente e indo para o interior da floresta fez a víbora sorrir. Ele se sentia revigorado, pronto para a batalha que estava por vir, e as malditas vozes dos espíritos finalmente haviam se acalmado, assim com a doença o havia acometido.

A escolta de Dolores ainda estava no pátio do castelo aguardando as ordens do comandante; duzentos homens trajando armaduras brancas, cinquenta a cavalo carregando estandartes vermelho e rosa, e duas pessoas dentro da carruagem: Brynden Sand e Dolores Rose, que nesta ocasião vestia um vestido carmesim.

– Está deslumbrante, milady. – ele falou ao se sentar ao lado dela.

– Igualmente, sir. – ela respondeu a cortesia, sorrindo.

– Não sou nenhum cavaleiro.

– Não sou nenhuma senhora.

A carruagem começou a se mover e o grito dos duzentos homens às suas costas era regrado por um pequeno tambor. À frente e aos lados Brynden podia ouvir os cascos dos cavalos se chocando contra o chão de pedra. Ele colocou a cabeça para fora e falou:

– Dê a ordem para que queimem tudo.

Alguns minutos de viagem haviam se passado e enquanto faziam uma curva em uma ribanceira Brynden e Dolores viram as chamas consumir o castelo dos Murdder em um fogaréu descontrolado ao longe.

– Seu povo não conseguirá se recompor depois dos meus ataques. – A víbora falou recostando sobre o banco acolchoado da carruagem, estudando Dolores. – Este último castelo eu ofereço a você, milady.

– Que honraria! – a ruiva se espantou e Brynden viu que seu espanto era real. – Fico grata. Isso é simplesmente lindo. – disse enquanto olhava o castelo queimar com olhos marejados.

– Grato estou eu. – e sorriu aquele sorriso de cobra.

Durante o trajeto sempre que a carruagem passava por um vilarejo os aldeões paravam seus afazeres e acenavam alegres à passagem de mais um suposto senhor, e Brynden de bom grado lhes acenava de volta, assim como Dolores. Ele achava graça na forma que os pobres homens e mulheres sorriam para o homem que matou, saqueou e incendiou todo o caminho que fizera até ali. Achava graça em como Dolores se portava totalmente alheia a toda a barbárie que participava; uma legítima marionete. Mas era também triste, ele gostava de sua companhia e de suas carícias, da voz dela e do corpo. Parte dele - a parte mais humana, afastada de toda a impureza que o consumia – queria que tudo que ela dissesse e fizesse fosse real. Queria que ela pudesse terminar de um jeito melhor.

Afastou de si tais pensamentos e se concentrou na balata por vir.

Seria desleal, ele bem sabia. Como Luxxis dissera: os Jhady não deixariam o tesouro desprotegido sob o alerta de um ataque eminente e o fator surpresa do ataque da víbora pode não valer nada dependendo de quantos homens estejam dentro das muralhas de Colina Verde. Brynden precisava pensar.

Se os Jhady tiverem mantido pelo menos quinhentos homens, Brynden poderia assegurar um combate de igual para igual até a chegada do restante das tropas. Mas se os Jhady tiverem deixado mais de quinhentos homens - se os Jhady tiverem deixado mil homens; todo o fator surpresa iria por água a baixo.

Ou não., o cérebro da víbora começava finalmente a trabalhar.

Ao cair da noite a comitiva começava a desacelerar, até que pararam. Brynden colocou uma cabeça curiosa para fora da carruagem e viu que estava de frente para um portão de pelo menos seis metros, todo pintado em verde. Os dois guardas nas ameias da muralha gritaram:

– Quem vem lá? – todo cuidado era pouco em tempos de guerra.

Um dos homens da víbora gritou de volta.

– Senhora Dolores Rose, filha de Lord Humbert Rose e Dalia Rose. Milady requer a hospitalidade de seu senhor para esta noite.

Os dois homens sobre a muralha pareceram trocar algumas palavras e começaram a abrir os portões, quando de repente pararam. Mais alguém havia chegado sobre a muralha e começava a conversar com os dois guardas.

– Lady Dolores poderia aparecer, por favor? – o terceiro homem gritou.

Brynden estava começando a ficar impaciente. Deu uma olhada para Dolores e ela compreendeu; abriu a porta da carruagem e saiu, acenando.

– Milady, o que a trás aqui? – o homem perguntou.

Eles já havia ensaiado aquelas falas para o teatro de ludibriar os guardas e quem mais fosse preciso, então o bastardo estava de certa forma tranquilo. Ele só não esperava por aquilo.

– Onde estou?

O desespero que tomou conta de Brynden quando ele olhou para fora da carruagem e viu uma garota ruiva confusa e zonza se apoiando para não cair o fez saltar para fora e improvisar.

– Abram o maldito portão! – ele gritou segurando Dolores. – Não veem que a senhora está exausta da viagem? – e enquanto ele gritava ia colocando a ruiva de volta na carruagem.

O Encanto enfraqueceu., e Brynden não entendia o porquê. Naquele mesmo dia ele renovara o laço com os espíritos fazendo um ritual com o sangue daquele jovem soldado. Ao passo que Brynden se distraía com os pensamentos, Dolores – não mais tão enfeitiçada – o reconheceu e lançou uma mão enfurecida contra a face do bastardo, arranhando-o. Quando ela tentou gritar o bastardo a calou com uma mão suada e o barulho rangente dos portões se abrindo o fez ter que pensar mais depressa.

Ela está lutando contra o Encanto. Maldição!, ele aproximou a boca do ouvido da garota que logo reconheceu as palavras estranhas que ele proferia e começou a se debater, mordendo a mão de Brynden. A carruagem havia voltado a andar e o bastardo precisava se apressar. As palavras do Encanto eram ditas mais depressa e a garota aos poucos parava de lutar. Seus olhos raivosos deram lugar aos olhos vazios de uma boneca.

– Dolores? – ele chamou quando ela se acalmou.

– O que aconteceu? – a garota estava totalmente perdida.

O bastado suspirou aliviado.

– Você me odeia demais. Só isso.

Depois de andar alguns metros o tambor que guiava os homens às costas da carruagem parou de tocar, a carruagem parou de andar, e o trote dos cavalos que iam à frente também se silenciou. Na verdade tudo ficou quieto demais.

Uma trombeta anunciou que alguém de alto escalão se aproximava e Brynden colocou o elmo branco para cobrir seu rosto. A porta da carruagem foi aberta por alguns serviçais Jhady e quando Brynden saiu ao lado de Dolores o que ele viu o fez engolir a seco.

Mil barracas amontoadas no espaçoso pátio do castelo de Colina Verde e mil homens vestidos de preto amolando suas espadas ou regulando seus arcos. À frente do castelo um rapaz de pele parda e longos cabelos castanhos estava vestido com um roupão verde e um capa preta. Às suas costas um estandarte de sua Casa era levantado; um leque rosa com flores verdes em um fundo negro como breu, e as palavras de sua Casa iam escritas embaixo: Sangue, suor, dor. Ao lado do jovem, dois garotos igualmente vestidos e um velho de túnica cinza se colocaram de pé.

– É uma honra recebe-la aqui, Dolores. – o jovem empertigado Jhady falou, descendo os degraus da entrada do castelo apressado e indo receber a garota.

– Leon. Quanto tempo. – a ainda confusa Dolores estendeu a mão, e Leon Jhady a beijou.

Enquanto ele a guiava pela mão, subindo os degraus de mármore de Colina Verde, Brynden se apressou em acompanha-los para ouvir o que eles diziam.

– Não sei se se lembra. Estes são Lince e Leopard, os gêmeos. – Leon disse apontando para os garotinhos vestidos de verde na entrada do castelo. Que os dois eram gêmeos era visível; ambos tinham o mesmo cabelo castanho cortado como um cogumelo e a mesma cara amarrada. Passou para o velho ao lado deles. – Este é o Conselheiro Herold. Homem sábio, este. Foi ele que aconselhou meu pai a contratar este exercito de mercenários para guarnecer o castelo enquanto as tropas acampam inutilmente em Terralta.

Maldito seja, velho Herold., Brynden pensou olhando para o velho encurvado e careca que sorria para Dolores com uma boca desdentada.

No momento em que Brynden terminou de subir a escadaria foi que conseguiu ter um vislumbre completo do pátio abarrotado. Se não tivesse mil homens ali era um número bem perto disso. O portão às costas dos duzentos homens da víbora estava sendo fechado, e ele pôde ver o mecanismo de trava que era ativado por um homem só em uma guarita no topo da muralha. Uma fraqueza.

Neste hora ouviu uma pergunta que lhe chamou a atenção.

– E este que caminha com você, é algum pretendente? – Leon perguntou.

A víbora prateada temeu que o Encanto não estivesse forte. Temeu que ela não se lembrasse do que foi ensaiado. Se colocou a frente pronto para responder por Dolores, mas ela foi mais rápida.

– Este é Sir Edward Flintcher, de Riorraso. Veio das terras alagadas até aqui a pedido de meu pai. Parece que ele é filho de algum velho companheiro de batalha dele, não sei ao certo.

– E o que o trás aqui?

– Não a aqui, Leon. – Dolores sorriu gentilmente para desarmar a curiosidade do rapaz. – Ele está indo para Terralta, assim como eu.

– Claro. Se é amigo de seu pai, é amigo meu. – o rapaz Jhady falou. – Venha. Aproxime-se. Tire este elmo, está me deixando nervoso. – e riu.

A víbora lentamente tirou o elmo, mas ninguém ali pareceu reconhecê-lo.

– Obrigado por nos receber. – disse.

– Este ferimento é recente. – Era o velho Herold quem falava agora, arrastando-se até ele, e foi então que Brynden se deu conta de que o arranhão que Dolores lhe causara ainda sangrava.

– Me feri saindo da carruagem. – ele riu, se apressando em limpar o rosto.

– Mas você estava de elmo. – o velho falou de novo, se aproximando mais, e Leon olhou-o com suspeita.

– Ora, Leon, que desfeita, não vai nos convidar para entrar? – Dolores se interpôs, limpando mãos suadas no vestido vermelho.

– Claro, venham.

O interior de Colina Verde era tão magnifico quanto o exterior de mármore. Lá dentro várias armaduras extremamente polidas estavam enfileiradas no hall de entrada, e o teto abobadado fora pintado com uma representação das Cinco Donzelas do Paraíso, as divindades cultuadas na maior parte de Rhorus; Tamara era a negra e guiava um homem no pós-morte, Sinara era a verde e alimentava uma criança faminta, Obara era a azul e abençoava um lavrador, Nathara era a vermelha e ungia um cavaleiro, e Kyara, a dourada, lutava conta as sombras. Brynden cuspia para aqueles vários Deuses, ele cultuava apenas um, e este era o bastante para fazer todas aquelas coisas.

Passaram depois por uma enorme biblioteca e Brynden imaginou quanto aqueles livros valeriam. Pôde ver em um uma prateleira o livro que o levara até ali, e aquele parecia muito mais atraente que o que o bastardo lera há vários anos - com uma capa dourada e uma imagem do Monte Nareöndo fumegando bordada a ela com esmero.

Na verdade tudo ali naquela fortaleza parecia valioso; os quadros, os livros, as estátuas. O problema era como saquear.

Leon e Dolores pareciam ter muito que falar e caminhavam à frente Brynden analisava o castelo e presumia para onde todas aquelas escadarias poderiam levar, mas por mais que tentasse se afastar dos demais, o velho Herold estava sempre em seu encalço.

– Algum problema? – a víbora pergunta, parando de repente.

– Me chamam de Conselheiro Herold e eu já tenho noventa e cinco invernos vividos. – ele começou a falar com um fala lenta de velho.

– Sim, mas...?

– Antes de ser Conselheiro desta Casa, minha Casa pretendia me casar com uma garota River qualquer, mas eu não tinha interesse em herdar tudo aquilo, minha vocação era outra; era aconselhar. – o velho continuou falando. – Mas antes de me chamarem de Conselheiro Herold, me chamavam de Sir Herold Flintcher. Sou bisavô do atual Lorde de Riorraso. – o coração de Brynden estava acelerado. – Posso estar velho e fraco, mas não estou caduco ao ponto de esquecer minha própria linhagem, e eu não me lembro de nenhum “Sir Edward Flintcher de Riorraso”. Quem é você, garoto?

Uma resposta rápida era o que Brynden precisava arrumar para aquela pergunta. Ele podia mentir, mas não achava realmente que o velho acreditaria. Podia usar o Encanto, mas ele não estava na melhor forma, e se usasse no velho não tinha certeza se o de Dolores se manteria. Tudo o que restava era...

Olhando para os lados disfarçadamente Brynden notou que estavam praticamente sozinhos próximos a uma escadaria; Dolores, Leon e as crianças caminhavam já bem mais à frente e nenhum criado estava por perto. Bastou um empurrão para o velho despencar e rolar até parar imóvel lá embaixo. O bastardo se apressou e alcançou Dolores, sorrindo sem jeito.

Já estavam em outro ponto do castelo quando ouviram uma serviçal gritar.

– O que houve? – Leon se apressou em perguntar para a moça que estava aos prantos, e ela apontou tremendo para baixo, para o corpo morto do velho.

Todos se calaram e os gêmeos começaram a chorar. Brynden se aproximou sorrateiramente de Dolores e sussurrou em seu ouvido:

– Precisamos nos apressar. Mantenha-o entretido.

A garota se lançou então aos braços de Leon, chorando, e o rapaz usou de seu cavalheirismo para consola-la.

– Que jeito horrível de se morrer. – Brynden falou. – Provavelmente em mais alguns dias o tempo se encarregaria de leva-lo de forma limpa e tranquila, como todos os velhos deveriam morrer.

O herdeiro dos Jhady não pareceu gostar e lançou um olhar de desaprovação para o suposto cavaleiro. Brynden se desculpou com uma cortesia.

– Creio que minha presença aqui seja um estorvo. É um momento da família se reunir e chorar. Vou me retirar. – falou. – Dolores, estarei com o restante dos homens. – e a garota assentiu com os olhos cheios de lágrimas. Depois Brynden se virou olhando para o corpo do velho morto e fez uma reverencia – Que Tamara guie sua alma. Para o inferno, velho.– mas a última parte ele manteve para si.

No pátio Brynden foi encontrar Luka, o homem que deixara como segundo no comando dos duzentos. O homem era alto e seus cabelos loiros foram cortados bem rentes. Ele estava conversando com um dos mercenários contratados pelos Jhady em um canto dos estábulos e parecia confortável com a situação. Brynden se aproximou. Seu rosto mostrava o descontentamento pelo dia que não corria nada como o planejado. Talvez tivesse sido mesmo melhor recuar.

– Luka!

O soldado se aprumou.

– O que está fazendo?

– Conversando, senhor.

A víbora caminhou até o soldado e o puxou pelo braço, afastando-o do mercenário. Abaixou então o tom de sua voz.

– Isso eu notei. O que pensa que está fazendo conversando com o inimigo?

– Só estou conseguindo algumas informações, senhor. – Luka falou, e depois disso os dois caminharam para fora dos estábulos. – Eles são os Nascidos do Fogo, um grupo de mercenários de Asran, aquele era seu comandante, seu nome é Bard. Têm exatamente oitocentas e setenta e duas espadas aqui. Todos são homens tecidos no calor da batalha, experientes. Não temos chance alguma atacando por dentro dessa vez, senhor.

– Precisamos nos apressar se quisermos sair daqui vivos e com algum ouro. O velho conselheiro quase me descobriu e eu tive que joga-lo de uma escada. Nosso tempo aqui é curto.

– Qual seu plano?

– Vê aqueles portões? – Brynden falou apontando para o gigantesco portão de ferro pintando de verde da fortaleza. – Eu preciso que sopre a trombeta o mais alto que puder assim que eu o abrir.

– E como o senhor fará isso?

– Darei um jeito. Mas antes trocarei uma palavra com Bard.

Brynden voltou para dentro dos estábulos foi encontrar Bard escovando um alazão de pelagem negra. Era um homem corpulento de cabelo enrolado e vestia uma armadura vermelha com um a cabeça de dragão cuspindo fogo forjada no peitoral.

– Então você é o comandante dos Nascidos do Fogo. – o bastardo falou, e Bard se virou para encarar o homem que lhe falava, mas não parou o que estava fazendo.

– Foi me dada essa honra. – ele respondeu com um sotaque carregado de Asran.

– Acredito que Lorde Jhady lhes prometeu ouro além da imaginação.

– E foi.

A víbora sorriu.

– Imagino que este ouro que lhes foi prometido não seja nem um terço do que ele guarda dentro das paredes daquele castelo.

Aquilo fez Bard parar.

– É. Também penso isso.

– Os Jhady são uma das Casas mais ricas de Rhorus. Deve haver mesmo muito ouro lá dentro. – o bastardo continuou falando com um suspiro. – Montanhas de ouro, em um quarto tão grande quanto este estábulo.

Bard olhou para os lados estudando o lugar.

– Este é um estábulo bem grande.

– De fato.

– Quem é você?

Brynden soltou o coque que prendia seus cabelos prateados e eles caíram sobre seus ombros, sua barba raspada há muito tempo começava a crescer novamente escurecendo seu maxilar. Em seguida encarou o mercenário desafiadoramente.

– Um amigo. Ou um inimigo. Isso dependerá apenas de você – e depois saiu, deixando o estrangeiro pensativo com sua escova na mão.

~#~

Dolores parecia estar indo bem distraindo Leon e seus irmãos e mantendo a criadagem ocupada. Isto dava à víbora certa liberdade enquanto ele se esgueirava pelo pátio do castelo. O único problema eram os mercenários. Os homens ao verem um suposto cavaleiro rhorosi explodiam em gritos de desafio, urrando por um combate e gritando ofensas. Brynden tentava não dar ouvidos, mas se sentia tentado em puxar a espada e faze-los calar com sangue.

Certa hora um homem alto como uma árvore, bronzeado e de careca reluzente se levantou, agarrou uma clava de pelo menos metro e meio e caminhou até Brynden. O cheiro forte de suor fez o bastardo cobrir o nariz, e o grandalhão tomou isso como uma ofensa. Levantou a enorme clava com um único braço e o mundo ficou debaixo da sua sombra.

– O rhorosi deve ter cheiro de boceta para se incomodar com o cheiro de homem. – ele falou e sua voz era grave. Seu sotaque estrangeiro acentuava isso.

A víbora teve a impressão de que a terra tremeu quando o gigante abriu a boca para rir, e os mercenários à sua volta riram também.

– Não, não. – Brynden falou abaixando a cabeça se fazendo de encabulado. – Mas eu prefiro o cheiro de uma boceta ao seu cheiro de porco.

O gigante não ficou feliz. Os mercenários se afastaram quando ele brandiu furiosamente a clava contra a cabeça de Brynden, e o bastardo teve de se abaixar e rolar para o lado. O gigante avançou novamente pronto para esmaga-lo com aquela clava, mas os mercenários se adiantaram para impedir que ele matasse o cavaleiro convidado de seu patrão.

A víbora se afastou limpando a armadura com uma mão. Eu poderia matar aquele monstro, mas nem mesmo ele, egocêntrico como é, tinha certeza daquilo.

Caminhou até ficar sob a muralha de pedra cinzenta. No topo dela dez homens estavam de guarda; homens dos Jhady, vestindo armaduras verde-musgo; e num ponto mais afastado, dentro da guarita, apenas um guarda protegia o dispositivo que acionava o portão.

Andou ao pé da muralha procurando um ponto isolado até enfim encontrar uma árvore de copa frondosa onde a muralha fazia uma curva de noventa graus, e lá agachou-se. No chão, com a ponta de sua adaga desenhou algumas runas e depois fechou os olhos fazendo uma prece silenciosa. Em seguida levou a adaga até seu antebraço esquerdo e fez um corte horizontal de onde o sangue jorrou, e com esse sangue ele cobriu o próprio rosto e o cabelo.

Ninguém viu quando ele tirou a própria armadura que estava suja de sangue e ficou vestido apenas com a roupa preta que estava por baixo. A espada continuou no cinto, e lentamente o sangue em seu rosto começou a secar virando uma máscara. A Máscara de Sangue. Uma magia poderosa. Ele escalou a muralha ali, naquele ponto isolado, e caminhou tranquilamente passando pelos guardas que rondavam.

– Senhor.

– Senhor.

Os homens se curvavam à sua imagem. O rosto que viam não era o do bastardo de cabelos prateados e olhos cor púrpura; eles viam o rosto do filho de seu senhor, e mesmo ele estando vestido de preto e seus cabelos castanhos estando mais curtos, eles não estranharam. Não notaram também a atadura improvisada sob a manga da roupa preta.

– Estão fazendo um bom trabalho. – o bastardo falava a cada guarda que passava e a voz que saia de sua boca era a voz de Leon.

Chegou finalmente à guarita. Por sorte o verdadeiro Leon continuava no interior do castelo; Dolores estava fazendo um bom trabalho. O falso Leon chamou e o guarda olhou surpreso, apresando-se em abrir a porta.

– Senhor, que surpresa.

– Vim ver como andavam as coisas por aqui.

De cima da muralha, por dentro da guarita, Brynden teve um vislumbre da vila à frente e da floresta à esquerda. Estava há pelo menos um quilômetro de distância do castelo, e ao fundo o rio marrom corria. Vai ser uma batalha sangrenta até eles chegarem aqui. Olhou para baixo e viu duzentos sulistas de bronze em armaduras da Mata. Luke passava pela fileira de homens alertando-os da batalha por vir e os soldados colocavam mãos apressadas no cabo das espadas. Eles olhavam para os lados, e assim fez Brynden; lá de cima os oitocentos e setenta e dois mercenários pareciam dez mil. Suas mãos estavam suadas. Imagino como estão os outros.

– Poderia me dizer de novo como este mecanismo funciona? – o bastardo perguntou. – O velho Herold, que Tamara o tenha, cansou de me explicar e eu nunca entendi.

– Velho Herold morreu? – o guarda perguntou.

– Há alguns minutos. Caiu de uma escada. – Brynden respondeu. – Como eu disse, poderia me explicar?

E o guarda explicou, e o que Brynden entendeu foi que: se aciona uma alavanca, e o portão se abre.

– Obrigado.

O guarda sequer viu quando a víbora puxou a adaga, sentiu apenas o fio cortando seu pescoço e seu corpo caiu formando uma poça de sangue no chão. Brynden olhou para trás e nenhum dos outros guardas tinha notado, mas mesmo assim puxou a espada, em seguida acionou a alavanca e o portão se abriu. Olhou para baixo e viu quando várias cabeças olharam na sua direção e depois o som de uma trombeta sendo soprada com todo o fôlego se ouviu. Os guardas que faziam a ronda começavam a andar em sua direção e Brynden abriu a porta da guarita com um chute. O primeiro guarda caiu com a espada do bastardo trespassando seu peito, seus olhos confusos ao ser apunhalado pelo seu senhor. No pátio do castelo duzentos sulistas de bronze se dividiram em duas fileiras e correram aos berros para a esquerda e para a direita; não havia mais por que ser silencioso. Os mercenários que estavam mais próximo sequer conseguiram se levantar, morreram tentando pegar suas armas, mas os que estavam mais atrás já haviam conseguido se armar.

Brynden ia abrindo espaço entre os guardas. Mesmo eles sendo maioria e ele estando ferido, a confusão que os assolava fazia-os hesitar em atacar, e a víbora brandia sua espada cortando-os para a morte. Olhando para a floresta pode ver mil e duzentos homens gritando e correndo na direção de Colina Verde, mas dentro dos muros da fortaleza a visão era bem menos empolgante; os duzentos homens do bastardo foram quebrados e a diminuta força encurralada no centro do pátio. Depois o verdadeiro Leon apareceu na porta do castelo ao lado de Dolores e uma das criadas se apressou para levar os gêmeos para um lugar seguro. Brynden viu com alegria quando sua ruiva puxou a espada do cinto de Leon e o apunhalou, correndo para dentro do castelo e fechando a grande porta atrás de si.

Dixon finalmente havia chegado à vila e suas forças marchavam com pressa para o portão aberto, e sobre as muralhas mais homens apareciam; mercenários, um atrás do outro, e Brynden lutava o melhor que podia com aquela arma que não era natural a ele. O sangue em seu rosto finalmente começava a escorrer e o rosto por baixo de véu de magia aparecia - era uma magia de curta duração. O bastardo sorria a cada mercenário que derrubava deixando-os olhar a face que os enganara.

De repente outro som foi ouvido; um corno de guerra e um único sopro rápido. Os mercenários pararam de atacar os poucos sulistas que formavam uma roda, e Bard apareceu em sua armadura vermelha, marchando até eles.

– Quem está no comando disto? – ele gritou.

Brynden gritou de volta de cima da muralha.

– Eu! – os mercenários que o atacavam também pararam.

– O que isto significa, sir?

– Não sou nenhum cavaleiro. – Brynden gritou. – Sou um bastardo. E é contra mim que vocês defendiam essa fortaleza.

– Desça aqui para morrer com seus homens.

A víbora desceu. Caminhou calmamente entre os vários mercenários armados à sua volta e foi parar na frente do portão. Bard se aproximava dele com a espada nas mãos, mas parou assim que a torrente de homens sulistas apareceu gritando aos fundos.

– Renda seus homens e poderemos conversar. – Brynden argumentou.

Bard confuso olhava para os lados, e os sulistas se aproximavam a cada segundo.

– Renda-se. – o bastardo falou novamente, e Bard largou a espada.

Quando as forças de Dixon e Luxxis chegaram ao pontão do castelo, Brynden levantou a mão e um após o outro começaram a parar. Luxxis trotou até seu comandante e amigo.

– O que houve? – perguntou.

Brynden olhou para o capitão e sorriu. Um sorriso de vitória.

– Vocês se atrasaram. Já ganhei esta batalha.

~#~

O ouro ganhou a batalha. Assim que chegou em Colina Verde e descobriu que eram mercenários que guardavam a fortaleza uma centelha de esperança se acendeu em Brynden. Depois, quando Luka lhe mostrou o comandante dos Nascidos do Fogo, o bastardo teve certeza de que aquela batalha podia ser ganha.

Agora ele se reunia com Bard, Luxxis, Dixon e Dolores. Os criados rendidos e amarados à sua volta assim como os poucos soldados Jhady que haviam ficado. O hall de entrada do castelo foi o lugar escolhido para a reunião, com todas as armaduras polidas os observando, e o afresco no teto os julgando.

Dixon se colocou à frente com sua cara enrugada e cabelo grisalho. Seu temperamento era forte e por isso não tinha intensão de negociar com mais mercenários.

– Se retire com seus homens. Somos maioria aqui, você não tem escolha. – e cuspiu.

– Se o velhote acha que vamos embora sem levar nenhum ouro está muito enganado. – Bard proferiu as palavras como uma ameaça, e levantou o punho fechado na direção de Dixon que enrubesceu ao ser chamado de velhote.

Brynden se interpôs.

– Na verdade eu tenho outra ideia em mente.

– Não me diga que é marchar contra Terralta, Brynden, ou eu juro que te darei um soco. – agora foi Luxxis quem falou.

– Não. Nós voltaremos. – o bastardo se levantou e começou a andar. Olhou para os gêmeos que choravam amarrados um ao outro. Depois olhou para Dolores. O sangue no vestido vermelho da garota era quase imperceptível. – Bard. Se quiser voltar para casa com seus homens eu lhe darei o que lhe foi prometido pelo Lorde Jhady. Mas agora eu faço um convite: venha comigo para Pedravelha e eu darei metade do ouro que tiver aqui para você.

O mercenário arregalou os olhos assim como os seus homens que o rodeavam; eles se apressaram para cochichar no ouvido de seu comandante.

– Certo então, víbora prateada. Marcharemos com você para Pedravelha.

O bastardo agora se virava para seu capitão. Luxxis o encarava, velho e cansado de todos aqueles assuntos de guerra.

– Quanto a você, meu bom capitão, navegará para Asran e levará consigo uma arca de ouro. Os detalhes do seu trabalho eu passarei depois, mas espero que você retorne antes de um mês.

Na madrugada os homens da víbora voltavam em direção ao litoral. Passaram pela aldeia que haviam visto mais cedo naquele dia, quando o bastardo e a Rose estavam dentro da carruagem, e os homens e mulheres que antes acenavam agora se escondiam enquanto os soldados do bastardo varriam a aldeia com morte, saque e violação.

Brynden estava indo para casa. O bastardo que foi presenteado pelo pai com sessenta homens, agora regressava com duas mil espadas às suas costas e uma ambição maior que ele mesmo.


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Notas finais do capítulo

Olá olá
Aqui está a segunda parte do capítulo com a batalha e: tchân, ela não terminou do melhor jeito, mas terminou -q

Não era o que eu planejava pra batalha. O que eu planejava era uma luta sangrenta, com Brynden encarando o grandalhão da clava e Luxxis morrendo. Mas não era a cara do bastardo. Do jeito que ficou é bem mais a cara dele; uma vitória limpa, esperta e com alguns sacrifícios. O bastardo gosta de um sacrifício.

Também mostrei outra magia de sangue e aliás veio muito a calhar. Dá pra fazer quase qualquer coisa com sangue, blé, que trapaça. Mas é importante essa facilidade em vencer pra levar o personagem até seu ponto principal. Todo o sangue, trapaça e magia é importante.


Agora espero de coração que vocês gostem.
E sinto falta de alguns leitores que antes comentavam e agora sumiram :/
Espero que vocês voltem a ler e comentar. Sinto falta de vocês i.i

Beijos gente, até o próximo capítulo.