– Effie, você não pode mesmo ir com a gente, pro Doze, sei lá, acho que dá pra você morar numa casa na Aldeia dos Vitoriosos – sugere Peeta.

– Oh, meu querido, eu nunca me adaptaria ao Doze – digo acariciando o rosto daquele doce rapaz -, mas acho que vocês podem vir me visitar de vez em quando.

– Pode ser, quem sabe – diz ele sorrindo.

– Vou sentir falta de vocês – digo, abraçando Katniss e Peeta – Vocês sempre serão meus Vitoriosos, minhas pérolas de carvão.

Sinto os dois rindo.

– Você vai ficar bem – digo, segurando as mãos de Katniss – Todos sofremos perdas na nossa vida, mas nos acostumamos com o buraco que fica em nosso peito e, com muita sorte, ele cicatriza.

Ela concorda e eu a abraço novamente. Katniss era uma garota corajosa, recebera todo o peso do mundo sobre suas costas de repente e, com a mesma velocidade, isso lhe foi tirado. Peeta também, eram apenas crianças que foram obrigadas a amadurecer muito cedo. Assim como Haymitch. Assim como eu. E todos agora tentávamos seguir em frente a nossa maneira.

– E você e Haymitch? Não vão ficar juntos?- pergunta Katniss.

Eu olho para ela e pisco algumas vezes, e então olho para Haymitch, que está com as mãos nos bolsos fingindo não ter ouvido.

– Nem sempre as coisas são como todos esperam – digo – Hã, acho que vocês têm um trem para pegar, ninguém quer se atrasar não é.

Peeta se aproxima de mim: - Sabe, ele ficou ao seu lado a noite inteira na enfermaria, sem dormir, segurando sua mão porque você estava tendo pesadelos.

Ah, sim, os pesadelos. Eu costumava ter muitos nesses últimos dias.

– Por quê está me contando isso agora?- pergunto.

Ele dá de ombros e vai pegar as malas.

Os acompanho até a estação, Katniss e Peeta na frente, eu e Haymitch atrás.

– Acho que esse é definitivamente nosso adeus – digo.

– Tivemos bons momentos juntos – diz ele, e então me abraça e sussurra no meu ouvido -, mas eu vou deixar suas feridas cicatrizarem agora. Boa sorte.

Meus lábios se partem de choque ao ouvir aquelas palavras.

– Adeus, Effie Trinket.

Eu não respondo, fico ali, olhando trem se afastar, e sentindo as lágrimas caindo ao perceber que era a última vez que eu o veria, porque lágrimas caem quando você perde algo que não pode substituir.

Tento abafar os ruídos e me sento ali, no banco da estação, olhando para nada especificamente. As memórias passavam como um filme na minha cabeça: o dia que conheci Haymitch, o dia que Haymitch me consolou quando meu marido me abandonou, ou o dia em que Haymitch me carregou quando fiquei bêbada e dormiu ao meu lado na cama, os nossos momentos de trégua, qundo finlmente tinhamos paz, normalmente na cozinha do prédio dos tributos, e Haymitch contava uma piada e me fazia rir e engasgar com o café, Haymitch me chamando para dançar, Haymitch me consolando no trem, Haymitch e eu nos beijando na porta da minha casa, Haymitch dizendo que eu era uma mulher incrível e que meu ex-marido era um imbecil, Haymitch e eu fazendo amor, Haymitch ao meu lado na enfermaria, sem dormir, segurando minha mão enquanto eu tinha pesadelos, a voz de Haymitch em meus pesadelos dizendo que eu ficaria bem, que estava segura, mas é claro que eu estava segura, afinal, Haymitch estava lá, me protegendo.

Haymitch fazendo coisas por mim. Assim como eu fazia por ele.

Coloquei a mão em frente a boca para impedir um grito de ódio que saiu rasgando minha garganta.

*

– Você é definitivamente um imbecil – diz Katniss.

– Ah, não enche, garota – digo, servindo-me um copo de aguardente e levando a garrafa comigo.

Ouço passos atrás de mim e percebo que é Peeta.

– O que você quer?- pergunto.

– Você a deixou ir.

– Sim, eu a deixei ir.

– Por quê?

– Porque estar ao lado de Effie Trinket me fazia questionar tudo, tudo que eu pensei que acreditava, tudo que eu pensei que sentia. Ela me fez sentir coisas que eu já não sentia mais, pensar em coisas que eu já não pensava mais. Ela me fez ir contra mim mesmo e contra as outras pessoas, ela me fez ir contra tudo.

– Ah, é? E o que Effie fez por você?- pergunta Katniss entrando na frente de Peeta – Ela te defendeu durante anos sem receber ao menos um “obrigado” em troca, aguentou você a fazendo passar vergonha todos os anos, aguentou ser torturada enquanto esperava que você fosse resgatá-la. Tudo que ela queria era que você lutasse um pouco por ela, mas não, quando percebe que ela está inteiramente entregue a você, o que você faz? Você foge!

Dou um gole na aguardente e arqueio as sobrancelhas.

– Você é um covarde, Haymitch – diz Katniss, e então ela puxa Peeta consigo, me deixando sozinho na minha cabine.

Sento-me na poltrona, olhando para a cama vazia, lembrando de quando Effie dormiu ali, quando estávamos a caminho da Capital, e, segundo ela, eu quase a acertara uma faca, e então ela conversou comigo e depois se deitou ali, e ficamos nos observando por vários instantes, e eu não sei dizer se ela dormiu, ou se eu apaguei com a bebida, só me lembro de ficarmos olhando um para o outro por um tempo infinito.

Arremesso o copo que está em minha mão contra a parede, ele se transforma em cacos cortantes sobre o carpete.

– O que você quer de mim afinal, Effie Trinket?!- gritei para o nada, olhando a bebida que escorria pela parede – Queria que eu lutasse por você? É isso?! Queria que eu tivesse me entregado de corpo e alma a esse amor?! Você conseguiu, estou completa e perdidamente apaixonado por você! Mas você não pode me ouvir, não é? Porque eu deixei você ir embora! Eu deixei você curar suas feridas!

Bebo vários goles da aguardente e arremesso a garrafa contra a parede também, e depois caio no chão, minha cabeça girando.