(Sakura's POV)

Me olhei no espelho pela terceira vez. Aquele nem parecia ser o meu reflexo, realmente. Certo que um vestido e um penteado podem mudar muito em uma garota... E olha que eu nem tinha me maqueado ainda.

- Tomoyo iria gostar de me ver assim. - disse sem querer, acabando por entristecer no mesmo instante. Ela não fazia mais parte de minha vida, afinal.

E eu não queria que fizesse.

Tentei mudar meu fio de pensamento agradecendo Syaoran em silêncio, por mais que ainda estivesse ofendida por ter descoberto meu segredo. Mas, pelo jeito, tinha se demonstrado uma boa coisa.

Olhei para o relógio; estava alguns minutos atrasada. Me apressei a ajeitar os últimos detalhes antes de finalmente sair de meu quarto e ir para a sala.

Quando eu cheguei à metade da escada, já podia ver os três conversando. Por mais que fosse o mais afastado, Yukito foi o primeiro a se fazer presente em minha vista. Corei, sem querer. Syaoran tinha razão quando disse que eu era vulnerável perto dele.

Respirei fundo, concentrando toda a coragem que tinha para terminar o caminho até o cômodo em que o homem que eu gostava estava.

- Desculpem a demora! - exclamei aleatoriamente, voltando a correr até alcançar a porta aberta da sala. Observei o rosto de Tsukishiro ganhar um sorriso que jamais havia visto antes, e em um ulterior segundo momento percebi que tanto o Li quanto meu irmão me olhavam estarrecidos. Ah, meu rival não esperava uma transformação do gênero. Me senti vitoriosa pela enésima vez.

- Sakura! - meu pai se intrometeu no meu pequeno momento de glória, gritando tais palavras da cozinha. - Ajude-me a arrumar a mesa.

- Sim pai, já vou! - me senti obrigada a obedecê-lo, sorrindo levemente antes de ir para onde Fujikata estava. Mas assim que me virei, algo me interrompeu.

- Sakura-chan, eu também vou. Em dois é mais rápido. - ouvi Yukito dizer, e acabei corando ferozmente. Quando notei, ele já estava ao meu lado.

- Vamos? - continuou, ao ver que eu não conseguia me mexer. Eu assenti, desviando o olhar. Ficar perto dele era mais difícil do que parecia.

Yukito estava sorrindo. Ah, como eu amava aquela expressão despreocupada dele por trás dos óculos transparentes. Eu não me importaria em ficar desta forma pra sempre.

- Ah, Sakura. Se arrumou tanto pra que? Mas... Ficou muito bonita.- meu pai disse assim que nos viu adentrar a cozinha. - Yukito, também veio ajudar?

- Obrigada, e sim... Ele veio. - respondi no seu lugar, ouvindo o primeiro elogio do dia.

- Verdade. Sakura-chan ficou linda neste vestido. - senti meu coração parar de bater, e inconscientemente arregalei os olhos. Syaoran era um maldito gênio, tive que admitir. Era a primeira vez que as palavras 'Linda' e 'Sakura' saiam juntas em uma mesma frase de dentro da boca de Yukito.

Ele pegou alguns pratos e os apoiou sobre a mesa, enquanto eu fui arrumar os talheres e copos assim que consegui recuperar a calma. Não demorou para que Touya e Syaoran viessem até lá, assim como terminamos de colocar a mesa antes mesmo que eles se sentassem.

A mesa quadrada era ligeiramente pequena para acolher cinco pessoas, no entanto, a atmosfera me parecia perfeita só pelo fato de ter Yukito à minha frente. Mas por algum motivo, ao ver Syaoran sentado ao meu lado apreensivo, tive a impressão contrária.

- Então... - meu pai acabou de colocar a comida sobre a mesa, sentando-se na ponta que ficava de frente para o lugar em que Touya estava. - Como vai a escola?

- Bem. - eu e Li respondemos em uníssono, cruzando nossos olhares por uma fração de segundo antes de voltarmos a olhar pra frente no mesmo instante.

- Syaoran-kun e Sakura-chan parecem se dar muito bem. - Yukito comentou entre uma garfada e outra, comendo alegremente enquanto os outros de nós nem tinham começado.

- Oh, espero que nem tanto assim. - vi Touya fitar Syaoran com certo ar de sarcasmo, enquanto este engolia a saliva com dificuldade ao meu lado.

- Uh? - o professor parou de comer repentinamente, espantando todos. - Vocês não estão namorando? Sempre achei que fossem um casal bonito.

Aquele sorriso... Outra vez. Desviei o olhar para baixo, sentindo uma lágrima escorrer solitária pelo meu rosto. Por que me deixava tão mal ver o quanto ele aceitava minha vida? Se ele fosse ciumento seria tudo mais fácil. Se Yukito gostasse de mim eu não teria todos os olhares da mesa sobre minha cabeça naquele momento.

- Não. - ouvi Syaoran se pronunciar sozinho pela primeira vez naquela noite, e acabei encarando-o no mesmo instante. Ele sorriu pra mim enquanto me olhava de esgueira, dando-me certa confiança - Entre eu e a Sakura nunca houve nada, sensei. Quero dizer, ela é minha rival. Nada mais.

- Pelo menos isso, moleque. - se intrometeu Touya.

- Sim, é como o Syaoran disse. - eu despistadamente limpei a bochecha, olhando para Yukito - São todos rumores!

- Mas vocês vivem juntos... - o professor continuou, estranhamente apoiando o garfo de volta sobre a mesa. Ouvi meu irmão estalar a língua enquanto continuava a fitar o rapaz ao meu lado. - E umas garotas do segundo ano disseram que vocês estavam namorando quando eu perguntei. - completou Yukito, voltando a mastigar algo.

- Mas que absurdo! - eu exclamei, vendo que os três homens ali presentes pareciam acreditar mais nos rumores do que na verdade. - Eu e Syaoran fizemos uma aposta no começo do ano. Ele perdeu, e tem que fazer tudo o que eu quero até ganhar de mim. Ele vive me perseguindo por que quer me vencer.

- Sakura, abaixe o tom de voz. Nós acreditamos. - meu pai deu um sorriso sem graça, enquanto tanto Yukito quanto Touya me olhavam incrédulos. Aquela foi a primeira vez que eu gritei perto de meu professor de música.

- Certo, perdão. Eu simplesmente não gosto que as pessoas falem isso sem saber de nada. - me desculpei, meio sem jeito. Entretanto Syaoran fez um semblante quase de orgulho, e eu fiquei feliz com isso.

- Sakura-chan realmente amadureceu. - Yukito sussurrou, ainda sorrindo. - Eu lembro de uma época em que quando falavam de você... Você simplesmente abaixava a cabeça e ia chorar em um canto. Fico feliz que possa enfrentar as pessoas.

- Hm... Verdade. - disse Touya, de boca cheia. - A monstrenga começa a mostrar as garr... - meu irmão ia continuar, mas eu o chutei por debaixo da mesa, e ele soltou um meio gemido de dor. Aquilo serviu para fazê-lo parar, ao menos.

O resto do jantar correu calmo, por mais que eu visse a raiva nos olhos de meu irmão e o medo nas ações do meu rival. No entanto, tudo isso era irrelevante - Yukito finalmente tinha notado meus progressos e esforços.

Quando acabamos de comer estava tarde. Era por volta das dez e meia da noite quando acompanhei Syaoran e Yukito até a porta, enquanto meu pai e Touya começavam a arrumar a cozinha.

- Foi uma noite agradável. - eu sorri, olhando-os. - Que se repita de novo, certo?

- Só se seu irmão for pra Europa... - resmungou o Li, cruzando os braços.

- Sim, claro que sim, Sakura-chan! - exclamou Yukito, alegre como de costume. - Amanhã eu tenho que ir pra escola um pouco antes pra corrigir uns deveres... Então vou indo. A comida estava ótima! - ele se despediu, já saindo pelo portão.

Eu e Syaoran o observamos pacientes entrar dentro do carro. E assim que ele ligou o motor e partiu, nós começamos a exultar.

- Isso! Syaoran, você é um gênio! - eu o abracei por impulso, e ele nem sequer respondeu, provavelmente muito alegre pra isso.

- Eu sei, sei! - ele envolveu seus braços em mim de volta, e eu sem querer enrubesci pelo contato com as mãos quentes do rapaz.

Do nada, ambos estávamos constrangidos, e terminamos aquele abraço imediatamente.

- O primeiro passo foi um sucesso. - ele comentou, após limpar a garganta, tentando quebrar o silencio. - Amanhã continuaremos com o plano.

- S-sim. - eu gaguejei, ainda meio corada. - Obrigada, de novo. - decidi colocar meu orgulho de lado, apesar de ser embaraçoso. - Sem você eu teria fracassado, mesmo tendo me arrumado tanto.

- Sim, eu sei. - Syaoran sorriu vitorioso, e eu nem pude retrucar. - Amanhã vá pra escola com esse penteado e essa maquiagem. - ele começou a caminhar, logo parando perto do portão. - Agora tenho que pensar na próxima fase...

- Certo, esperarei ansiosamente. Até! - eu acenei com uma mão, e assim que vi que ele havia desaparecido ao virar a esquina, finalmente retornei pra dentro de minha casa.

Subi as escadas extremamente feliz, mesmo escutando os gritos de Touya para que eu fosse ajudá-los. Me joguei sobre a cama, lembrando do sorriso e das palavras de Yukito. Aquele era o começo de algo bem maior daquilo que eu jamais esperaria de conseguir somente no primeiro ano...

E devia tudo à uma pessoa; Syaoran Li.

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