Ore no Goshujin-sama escrita por Assa-chan


Capítulo 18
Sentimentos revelados


Notas iniciais do capítulo

Ele cansou de esperar em silêncio.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/58005/chapter/18

(Syaoran's POV)

 

As aulas começaram quase duas semanas depois do ano novo, assim como deveria ser. A neve continuava nas ruas, apesar da quantidade ser menor. O vento frio era o mesmo, a escola era a mesma, eu continuava o mesmo.

Mas havia algo que tinha mudado. Ou melhor, alguém.
 

Quando eu fui até casa Kinomoto buscar Sakura como normalmente fazia - agora seguido por minha prima -, tinha algo de adverso ao normal em seus modos. Talvez fosse sua voz. Quem sabe o cabelo que já há algum tempo não vinha cortado. Ou, que me parecer ser o mais plausível, era somente minha imaginação. Me convenci que o motivo deveria ser este último.

- Bom dia, Sakura. - eu disse hesitante. Ela muito provavelmente ainda estava sofrendo.
 

Desde aquele dia, nos encontramos somente duas vezes. Ambas por causa de uma sua ligação, dizendo que não conseguiria ficar em casa por muito mais tempo. Então eu lhe dizia para ir até um café que ficava na esquina de sua casa, e quando eu chegava, a via sentada em um ângulo afastado, numa mesa de três cadeiras. Da primeira vez, seus olhos estavam inchados e avermelhados. Pude ver por suas roupas velhas e desbotadas que nem ao menos deveria ter se preocupado em trocá-las. Apoiava os cotoveles sobre a mesa, mirando um ponto indecifrável. E quando me viu, deu um vago aceno. Ela pediu um cappuccino, eu um café normal. Bebericava a bebida lentamente. Me agradeceu por ter comparecido e a conversa se limitou a isto por quase duas horas.

Na segunda parecia estar melhor, e ao menos tinha escolhido algo de mais quente e adequado para vestir. Trocamos algumas poucas palavras. Algo sobre o começo da escola e o clima que parecia querer piorar.

Mas eu via certa tristeza em seus olhos.

Acredito que Yukito tenha continuado a frequentar sua casa, e que agora o relacionamento dos dois tenha se tornado público dentro da família Kinomoto. Fujikata era um homem maduro e ainda por cima um professor, obviamente não teria algum preconceito.

E, no meio disto tudo, estava Sakura. A pobre garota que foi apaixonada por uma mesma pessoa por 7 anos, e que viu tudo se despedaçar em poucos segundos; a esperança, as possibilidades, a pureza que via nele.

Inconscientemente me demandei como poderia aguentar tanto sem explodir. Ou será que já havia acontecido...?

- Bom dia Syaoran, Meiling. - sorriu timidamente, fechando a porta atrás de si.

- Bom dia. - Meiling sussurrou detrás de mim.

Era estranho caminhar perto delas e notar a diferença estética que existia entre as duas. Minha prima era uma garota de porte esguio, alta... Com uma beleza quase selvagem. Soube que alguns garotos até já tinham se declarado para ela sem sucesso. Já Sakura possuia algo que não conseguia identificar. Um contraste entre o puro e o maldoso; um rosto de anjo desmentido pelo comportamento arrogante e divino.

Ainda não consigo entender por que me apaixonei por ela. Entre todas as garotas... Tinha que ser a mais problemática? Eu definitivamente devo gostar de sofrer.

*****

8 de Fevereiro.

A estação das chuvas chegara antes do de costume aquele ano. A água torrencial que desde o começo do mês não dava trégua à pequena Tomoeda tinha derretido completamente a neve que caíra no final de Janeiro. As aulas estavam por acabar, e os últimos testes começariam em 15 dias.

Naquele dia em especial, eu não tinha ido buscar Sakura. Me mandara uma mensagem a noite anterior avisando que seu pai faria um seminário na nossa escola para os alunos do segundo ano, então iria pegar carona com ele.

Eu estava no saguão de entrada trocando meus sapatos quando ela chegou. Estava sem guarda-chuva, talvez o tivesse esquecido por ter vindo de carro. Seu pai não estava acompanhando-a, muito provavelmente por ter entrado pela porta de serviço para não ter que caminhar entre os alunos. Seus cabelos estavam um pouco molhados; as pontas úmidas casualmente deixavam uma ou outra gota cair.

A jaqueta por cima do uniforme não deixava entrever muito, mas as curvas um pouco mais ousadas do que eu me lembrava apareceram assim que retirou tal peça de roupa e eu vi uma parte da camisa molhada.

Ela direcionou seu olhar para minha direção, e de alguma forma que eu não conseguiria explicar, suas pupilas pareceram ver através de mim. "Ela sempre foi tão bonita?", perguntei silenciosamente.

- Olá, primos Li. - Sakura brincou, passando por nós e indo até o final do corredor, onde estava seu armário. Eu me limitei a segui-la com o olhar, incapaz de desviar minha atenção.

- Ei, Xiao Lang. - Meiling, que estava ao meu lado desde o começo, interrompeu minha pequena fixação. - Você não acha que Sakura, desde que o ano começou, está diferente? Ousaria dizer que parece uma espécie de beleza efêmera...

- Beleza efêmera, huh? - murmurei para mim mesmo, repetindo as palavras da garota. Então eu não tinha sido o único a notar, afinal.

Isso me faz pensar que, uma vez, ouvi dizer que as garotas que tiveram seu coração partido se tornam mais bonitas. Me pergunto se isso tem algo a ver com a mudança de Sakura...

****

- Syaoran, isso está feio. - já deveria ser a décima vez que ela dizia isto aquela tarde. O que queria, realmente?

O festival escolar de São Valentim seria naquele Sabado, e os preparativos ficaram todos pra última hora por causa do mal tempo. Nem mesmo a divulgação tinha sido feita.

Como representante de classe, Sakura acabou ficando com toda a organização do evento respeito à nossa classe.

Eu fui encarregado pela maldosa goshujin-sama para cuidar deste aspecto e, junto a outros 5 alunos, estava fazendo os cartazes que seriam distribuídos pela cidade ainda naquele dia.

- Está horrível! Quer manchar o nome da nossa classe com desenhos tão ridículos? Faça-me um favor, o que são essas silhuetas femininas? Vamos ter uma loja de chocolate, não um sexy shop! - exclamou, aborrecida.

- Kinomoto-san... - uma garota ousou sussurrar seu nome, mesmo obviamente receosa. - Este foi eu quem fez... - sussurrou, amedrontada.

Sakura pegou a folha em mãos e a rasgou em mil pedaços, persistindo com o semblante sério. Incrível como ela conseguiu passar de donzela desamparada a rainha do gelo em apenas um mês. Entretanto, de certa forma, isto me aliviava. Ao menos voltara a ser a vilã de sempre, por quem - infelizmente -, eu me apaixonei.

- Pois refaça desde o começo! - ordenou, e a menina assentiu, abaixando a cabeça. - Esses estão aceitáveis. - resmungou, pegando alguns que ainda estavam sobre nossa mesa. - Continuem assim. Quero mais três estilos diferentes em meia hora, depois vão fazer xérox e entregar tudo para a classe 3-A, onde está reunido o conselho estudantil. - concluiu, prestes a nos deixar trabalhar.

- Heil Hitler! - exclamei, levantando um braço em sua direção e mantendo-o reto.

- Não faça piadinhas infames, Pochiri. - disse, soltando um risinho e indo ver o que estavam fazendo os outro alunos.

- Pochiri? - comentou Eriol, que estava no grupo ao lado do nosso encarregado pela escolha dos embrulhos e das forminhas para os bombons caseiros. - O que é isso, Li-kun! De servo foi rebaixado a cachorro? - riu, e eu me limitei a alongar meu braço para dar-lhe um cascudo. Tudo realmente tinha voltado ao normal. Tanto que de certa forma chegava a ser suspeito. Mas eu realmente restava bem com isso...?

- Droga, isso dói! - resmungou, passando uma mão no ponto em que o acertei.

- Ei, Eriol, tenho algo pra conversar contigo. - disse, mudando de assunto.

- Sobre?

- KS e DT. - rezei em pensamento para que ele entendesse.

- Ah. - murmurou. Deveria ter recebido a mensagem.

Levantei-me e fui até o batente da porta, onde me escorei. Eriol logo me seguiu e se pôs à minha frente, cruzando os braços e franzindo a testa.

- Então? - perguntou, meio impaciente. Meu olhar desviou de volta para o interno da sala, vendo a pequena Sakura sentada em sua usual carteira e folheando um catálogo de doces.

- Sabe se elas andam se falando? - perguntei, sem muitos rodeios.

- Consegui arrancar somente que Tomoyo ligou para ela começo desse mês. E nos treinos, pelo jeito, Sakura parou de implicar com ela e até mesmo lhe dá um 'oi' ocasional. - ele fez o relato da semana, falando em um tom baixo o bastante para que somente eu pudesse ouvir.

Depois da desastrosa festa, eu e Eriol resolvemos nos juntar para passarmos informações um ao outro sobre o que acontecia entre Sakura e Tomoyo. Ambos queríamos que a relação delas melhorasse; eu para que Sakura pudesse se recuperar do que estava passando, Eriol - ao menos creio - simplesmente para ver a Daidouji bem novamente.

Não era segredo para ninguém que aqueles dois estavam juntos. Caminhavam pelos corredores de mãos dadas, iam pra escola e voltavam pra casa juntos... O tipo de casal que parece ter sido predestinado; ambos ricos, bonitos e ainda com um talento musical. Realmente, aquele foi um namoro arranjado por suas famílias: Os dois já até mesmo estavam noivos.

- Sakura não me conta nada. Mas aconteceram umas coisas, e por isso não me sinto na posição de perguntar. - me desculpei de forma imprecisa. Eu obviamente nunca lhe falaria sobre Yukito.

- Entendo. - Eriol concordou sem mais demandas, acompanhando suas palavras àquele mesmo sorriso despreocupado de sempre. Aparentemente percebera que não era da sua conta.

- O que acham que estão fazendo? - uma voz mais do que familiar interpelou nossa conversa. Nos viramos automaticamente para sua fonte, encontrando uma garotinha de braços cruzados e de feição emburrada. - Temos muito trabalho até sábado! Acham que têm tempo de ficar ai de papo furado? Nós tivemos sorte que o sensei tenha deixado usar sua aula para preparar a loja. Somos os únicos que adiaram tanto assim a preparação.

- E a culpa é de quem, senhorita representante de classe? - indaguei ironizando, enquanto levantava uma sobrancelha.

- Pois agora eu sou a culpada se o time de basquete feminino está qualificado para o torneio regional? Perdão, da próxima vez irei deixar tudo nas mãos da nossa inútil responsável que nem ao menos aparece nos treinos! - exclamou, dando um passo para frente e fitando meus olhos com determinação.

- Bem, não é Kaho-sensei que é inútil, você que é severa demais! Como capitã deveria dar apoio às colegas, não leva-las a se sobrecarregarem e a pensar somente em vencer. - a reprimi, cruzando os braços sobre o peito. Naquele instante percebi que Eriol não estava mais perto da gente. Certamente não quis atrapalhar um de nossos passa-tempos preferidos: brigar.

- Isso é inveja por que te roubaram o cargo de capitão. - tuchê! Acertou em cheio meu ponto fraco, jogando aquelas palavras na minha cara com força, enquanto seu rosto silenciosamente me dizia que eu simplesmente deveria desistir e sair com o rabo entre as pernas.

- Impressão sua. - certo, eu tinha acabado de declarar minha derrota.

- Desculpa esfarrapada. Agora vá fazer seu trabalho.

- Digo o mesmo.

Bufei, mandando-lhe um último olhar assassino antes de ir até meu grupo enquanto via seu semblante satisfeito e vitorioso.

Sábado. É, realmente faltava pouco tempo para o dia de São Valentim. Despistadamente a olhei com o canto dos olhos, vendo-a repreendendo outra pessoa. Eu sabia muito bem que iria receber chocolates de Meiling e quem sabe até de outras pessoas, mas... Será que algo viria dela?

****

- Eu nunca vou usar isso! - eu e Sakura gritamos em uníssono, olhando para as roupas que nos vinham impostas.

- Vamos... Com certeza todos virão se souberem que os dois estarão vestidos assim. O festival será daqui há dois dias, pessoas de outras escola virão! Pensem em quanto dinheiro poderemos arrecadar. Façam isso pelo bem da classe! - elucidou a razão de tal vestimentas Chiharu, uma garota de pele um pouco bronzeada e olhos amendoados. Seus cabelos tinham a mesma cor de suas pupilas, e sempre estavam presos em duas tranças laterais que caiam por seus ombros. Não era muito bonita, entretanto certamente não passava despercebida. Namorava com Yamazaki, um sempai do terceiro ano que era capitão do meu time de basquete.

- Nem mesmo morta e enterrada! - a Kinomoto, que estava ao meu lado, exclamou irritada.

Chiharu estava segurando um vestido rosa e de detalhes brancos. Parecia vir diretamente do renascimento para a era atual; havia um decote não muito ousado, o qual era contornado por uma fina tira de rendas brancas. Cordas entrelaçadas em suas costas avisavam que a cintura vinha afinada por um espartilho, sua saia era rodada e cheia de camadas. E, além do mais, este era longuíssimo, ao ponto de alcançar os pés de quem quer que o usasse. Os de Sakura - por ser baixinha - seriam facilmente ultrapassados, ela com certeza iria tropeçar e cair. Eu quis rir imaginando a cena, mas me contive.

Ao seu lado estava Naoko, uma garota de cabelos curtos e óculos de grau. Segurava uma calça e uma camisa, ambas brancas e totalmente desbotadas e rasgadas, chegando a ter alguns sinais negros indicando queimaduras. Juntamente a estas roupas decadentes supostamente deveriam ser colocadas correntes nos pulsos e no pescoço.

Praticamente todos os alunos do primeiro ano A estavam reunidos à nossa volta, formando um circulo fechado. Era de tarde, e estava prevista a decisão do tema de nossa loja para aquele dia. Então, assim que nós dois adentramos tal recinto, uma multidão nos abordou, contando sobre o que tinham decidido.

A idéia da classe - que eu até imagino qual mente maléfica pode ter arquitetado tudo isso -, seria de denominar nossa atração 'Princess & Slave'. Queriam que eu e Sakura usássemos tais fantasias e fôssemos a encarnação de tal titulo, pelos rumores que sempre nos rondaram. Parece que também queriam que caminhássemos pela escola distribuindo panfletos com aquelas roupas.

Eu tinha aceitado a coleira de Sakura, tudo bem até aí... Mas isso tudo era exagero.

- Kinomoto-san, isso foi aceito pelo conselho, tem que fazer! - alguém disse.

- Vocês até mesmo falaram sobre isso com o conselho estudantil!? - as pupilas esmeraldinas de Sakura se arregalaram. Ela estava realmente furiosa.

- Sim! E todos ficaram entusiastas. - uma voz masculina completou.

- Façamos assim. - Eriol sibilou em um brado, distinguindo-se entre os colegas de classe. - Uma votação resolverá tudo. - todos se apressaram a concordar rumorosamente. Sakura colocou uma mão sobre a testa, enquanto a balançava a cabeça, mostrando sua exasperação. - Quem é a favor desta proposta, levante a mão.

Imediatamente cerca de vinte e cinco braços se ergueram. Era unânime.

- Por quanto tempo teremos que vestir isso? - Sakura indagou, provavelmente vendo-se obrigada a aceitar tal tortura.

- Durante a manhã do festival queremos que distribuam os panfletos. Claro que vai ter algo de teatral nisso tudo, então teremos que treinar. Daidouji-san, do primeiro ano B, disse que vai ajudar nessa parte. - explicou Eriol. - Na segunda parte terão que ficar aqui na classe e vender.

- Olhem aqui! - ela levantou a voz, e todos se calaram, obedecendo-a. - Iremos fazer isso. - 'iremos'? Quando foi que eu disse algo coisa? - Mas saibam que eu quero ganhar a disputa de classes e chegar em primeiro lugar no festival... Portanto se esforcem ao máximo!

Todos pareceram contentes e satisfeitos. Sakura até mesmo esboçou um sorriso ao ver a determinação dos colegas de classe. Me senti feliz por tudo estar ajudando ela a se esquecer de Yukito.

*****

13 de fevereiro. Sexta-feira. Cinco da tarde, escola Tsubasa.

- Não, Sakura-chan! - Tomoyo exclamou, interrompendo nossa caminhada. - Tem que ter um porte quase divino, não fique cambaleando. E você, Li-kun, tente parecer mais desolado e submisso.

- Eu não sei andar com esses saltos. - reclamou a Kinomoto, cruzando os braços e franzindo o cenho. - Não pode ser algo mais baixo? Nem vai dar pra ver por que o vestido é comprido.

- Este é o ponto, Sakura-chan. Ele é comprido demais pra você, e não podemos modificá-lo pois esse vestido é do clube de dramatologia. - disse a Daidouji, aproximando-se. - Eu quis mandar fazer um, mas já é muito eu estar ajudando vocês nisso, se a classe viesse a saber seria um tipo de 'traição'.

- Tampinha. - sussurrei perto de seu ouvido, provocando.

- Poste de luz. - respondeu prontamente e no mesmo volume.

Não estávamos vestindo as fantasias pois aquele era um pequeno treino para o dia seguinte. Sakura estava usando apenas seus sapatos de salto agulha e segurando em mãos as correntes presas ao meu pescoço, enquanto que eu devia estar sempre um passo atrás dela. Mas era difícil, pois ela não conseguia andar direito e tendia a puxar as correntes para se equilibrar, e eu em resposta me endireitava e acabava por tirar meu ar de 'escravo obediente'.

Sakura e Tomoyo pareciam estar se dando bem. Não sabia se tudo tinha sido resolvido, entretanto claros sinais de melhoras estavam diante de meus olhos. Sorri. Aquele seria um longo festival...

*****

- Vocês! - a voz imperativa parou um casal que estava atravessando o corredor. - Por que não vão se deliciar com o chocolate da loja 'Princess & Slave' da classe 1-A? - Sakura propôs, e eu lhe entreguei um panfleto.

- Vamos, vamos sim! Que lindas fantasias! - a garota comentou alegre.

- Obrigada... Nós estaremos esperando. - Sakura sorriu, acenando e puxando as correntes para que eu a seguisse.

- Esse seu sorriso está falso. - eu disse, tentando irrita-la.

- Cale a boca, escravinho. Eu sou a comandante hoje.

- "Hoje"? E nos outros dias quem é então?

- Pochiri, não me faça apertar sua coleira.

- Tirana. - virei o rosto, dizendo-o para mim mesmo.

- Ei, eu ouvi isso.

Não havia pessoa que passasse por nós sem parar para olhar. O vestido de Sakura caia perfeitamente bem nela, e a imagem de princesa vinha completada por um meio coque na parte superior da cabeça, deixando cachos caírem sobre suas costas. Tal penteado estava enfeitado com uma coroa prateada. Os ombros finos e delicados estavam à mostra, e a maquiagem era simples mas realçava incrivelmente o verde de seus olhos. Acredito que o contraste entre nós fosse mais do que visível, entretanto algumas pessoas disseram que éramos um belo casal. Com prazer notei Sakura corando todas as vezes.

Sakura tinha se superado. Andava com as costas eretas e não cambaleara nem sequer uma vez aquela manhã, imaginei que deveria ter treinado em casa para ter melhorado tanto da noite para o dia.

O sol não apareceu aquele dia por conta o céu nublado. Imaginei que muito provavelmente iria chover mais tarde. Péssimo clima para um festival, pensei.

- Já é meio dia. - eu comentei, olhando pro relógio em cima de uma barraquinha de takoyaki. - Vamos voltar pra classe?

- Sim. Meus pés estão me matando. - concordou, fazendo uma meia careta que deduzi ter sido causada pela dor.

Chegamos na classe em alguns minutos, e nos espantamos com a quantidade de gente que fazia fila para poder entrar. Nunca tinha visto algo do gênero.

- Ei, nossa propaganda deu certo. - eu disse com um tom zombeteiro.

- Depois de passar a manhã toda com essas correntes na mão e esses sapatos nos pés, menos do que isso não seria o bastante. - ela respondeu, com um leve sorriso estampado no rosto delicado. Ela soltou as correntes e se jogou no chão, sentando-se. Retirou os sapatos também, e começou a massagear os próprios pés.

- Sakura. - sentei ao seu lado, observando a fila que tendia a aumentar. - Assim vai sujar o vestido.

- Como se eu me importasse. - sorriu. Ela estava contente, pois a vitória já parecia certa. Sakura nunca me disse nada, mas eu sabia que ela queria ser a presidente do conselho quando fosse segundo anista. Se a classe vencesse, seria um ponto a mais, pois todos seriam obrigados a reconhecer que ela tinha talento para a direção.

- Vamos continuar esperando? - indaguei, após alguns minutos de silêncio.

- Eu estou com fome. - ela resmungou, olhando para uma pessoa que passara comendo uma fatia de bolo de chocolate.

- Eu trouxe comida, mas deixei na sala.

- Será que a gente consegue se meter ai no meio? - perguntou, voltando a se erguer e colocando os sapatos.

- Não custa tentar. - respondi, levantando-me também. Observei a Kinomoto passar da indiferença à preocupação a propósito do vestido. Puxou para baixo a saia, logo depois arrumando despistadamente o decote e olhando se ficou alguma marca de sujeira.

Eu passei à sua frente, pegando em sua mão e afastando algumas pessoas para conseguir entrar sem atrapalhar a fila. Ao conseguir cruzar a entrada, ouvi a voz irritante de um certo Hiiragizawa invadir minhas orelhas.

- Olhem! Aí estão nossos protagonistas!

Adentramos a sala sendo ovacionados. Sorrisos se misturavam às palmas exageradas. Naquele instante percebi que ainda estava segurando a mão de Sakura. Ela muito provavelmente também notara tal detalhe, e desmanchou nosso toque, enquanto ruborizava levemente.

Eu a achava mais fofa do que queria admitir, afinal.

- Podem fazer pose para uma foto pro jornal da escola? Essas fotos também poderão ser compradas separadamente. - disse uma garota segurando uma máquina fotográfica.

- Eu não conseguiria parecer mais ridícula mesmo... - Sakura murmurou, muito provavelmente para si mesma, mas não baixo o bastante para que eu não o ouvisse. Ela levantou uma mão, mostrando-a para mim. Eu lhe entreguei as correntes, e ela voltou a olhar para frente, assumindo o ar divino que manteve por toda a manhã.

- Tudo está sendo um sucesso. - Chiharu aproximou-se com um largo sorriso. Trajava um vestido também de épocas antigas, mas bem mais simples que aquele da Kinomoto, aparentando ser o de uma serva. - O chocolate está por acabar... Mandamos comprarem mais, só que com esse tempo acho que vão demorar. Kinomoto-san, Li-kun, agora podem assumir por aqui? Eu tenho que ver se consigo apressar esses garotos.

- Eu quero comer. - Sakura respondeu, ríspida.

- Assumimos sim Chiharu-san, pode ir tranquilamente. - eu cobri a boca da minha companheira de encenação.

- Sério? Obrigada! - disse Chiharu, logo despedindo-se. Eu soltei Sakura, e ela em resposta me deu um tapa no braço, que doeu pra caramba.

- Ficou louca?!

- Syaoran, eu estou morrendo de fome. Nem tomei café da manhã hoje! - explicou, emburrada.

Eu fui obrigado a dar-lhe o bentou e cuidar de tudo quase sozinho. Eram cerca de 6 barracas com 2 vendedores cada. O resto dos alunos estava fazendo propaganda ou preparando os chocolates. Meia-hora depois Sakura juntou-se a mim, e o trabalho fluiu mais facilmente. Eram muitas as pessoas que queriam tirar uma foto conosco, o que atrapalhava um pouco. Pediram até mesmo que nos déssemos um beijo, e eu tive que segurar Sakura para que a garota de onde veio essa questão não tivesse um fim lamentável.

- Ahh, estou cansada. - ela disse, espreguiçando-se. Já era de tarde, chovia e o fluxo dos clientes caíra consideravelmente.

- Kinomoto-san, vá descançar, eu fico por aqui com o Li-kun. - Naoko propôs, sorrindo docemente.

- Okay. - concordou, indo se sentar em uma cadeira perto da janela.

Então, vi algo que quis esconder de Sakura, mas que não consegui. Yukito e Touya tinham acabado de entrar, e o Kinomoto segurava em mãos um pequeno presente. O que é isso? Tsukishiro era o que, a namoradinha dele que lhe dava presentes no dia de São Valentim?

Eu olhei para trás, vendo Sakura morder o lábio inferior. Suas pupilas pareciam mais escuras que o normal. Ela levantou-se. Eu quis impedi-la de fazer algo, mas não fui rápido o bastante.

Sakura saiu da classe correndo e deixando os sapatos de salto para trás. Qualquer coisa que tivesse a ver com Yukito abalava totalmente sua confiança, e isso me aborrecia. Me apressei a segui-la, empurrando quem quer que estivesse à minha frente para fazer espaço. Quando cheguei ao corredor, vi seu inconfundível vestido de costas, enquanto rumava para as escadas. Eu sabia exatamente para onde ela estava indo, apesar da chuva que caia lá fora.

E a encontrei exatamente ali, no terraço. Estava completamente encharcada, o coque desfeito, a maquiagem estragada.

- Vá embora! - berrou, cortando o rumor das gotas que chegavam constantemente ao chão.

- Não vou. - respondi, caminhando até encontra-la. Puxei seu braço, Sakura automaticamente me olhou. Seu semblante sofria. A enlancei em um abraço, apertando-a. - Pare de perseguir os pedaços dele. - a senti estremecer. - Eu estou aqui, Sakura... Olhe pra mim!

- Por que... Me diz isso? - ela afundou o rosto em meu peito, agarrando minha camisa. Pelos buracos que esta tinha, pude sentir as pontas de seus dedos gélidas.

- Por que eu te amo! - exclamei. Buda. Eu finalmente tinha dito aquilo. - Por favor, Sakura... Fique comigo. Seja minha namorada. Eu prometo que te farei esquecê-lo, nem que seja a última coisa que eu faça.

Ela permaneceu em silêncio, sem aceitar ou rejeitar. Era um pedido de tempo sem palavras. Eu não lembro quanto tempo ficamos debaixo da chuva. Não consigo recordar se algo a mais foi dito, entretanto os minutos pareciam ter parado.

Pois, afinal de contas, a verdade é só uma... Eu, desde o começo, sempre desejei roubá-la. E desejava que ela, de alguma forma, me deixasse fazê-lo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

DEUS, QUE GRANDE ISSO!
O maior até agora. Espero que tenham gostado. Ah, obrigada pelas reviews numerosas, eu juro que leio tudo, mas tenho preguiça de responder! XD Vou tentar fazer isso antes do próximo capitulo, ou ao menos grande parte delas.
E ai, como ficou este? Besta? Mal-feito? Horrendo? @_@
Reviews?