A Invasão escrita por Isadora Nardes


Capítulo 7
Não me importo onde é, 17 de maio de 2014




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/578829/chapter/7

120 dias desde que começou.

Tudo mudou. Realmente. Nada, nem um pingo de formalidade. Os rostos dos meus pais já começaram a definhar em minha memória, como as pontas amareladas de um quadro velho.

Eu estava errado. Não era alguém que estava pra chegar, mas sim algo que estava pra acontecer.

Eles me levaram. Tiraram-me da nave. Agora, estou só. É um lugar ainda mais melancólico – tudo é cinza claro, preto de noite. Não tem janelas, não tem nem uma escada. Sou só eu, e uma portinhola aberta para comida, de vez em quando.

Eu não sinto frio, mas também não sinto calor. Não entendo. Meu estômago já está absolutamente vazio; eu deveria tentar comer. Mas simplesmente não consigo. A comida chega perto de mim, e eu simplesmente não consigo engolir. Não dá. Não importa o quanto eu tente, ela não desce.

Um guarda veio falar comigo. Ele falava em inglês, mas tinha uma voz meio enrolada. Precisei de um minuto para processar o que ele dizia. Ele trouxe um intérprete, que eu ignorei totalmente.

“Boa tarde” ele disse. Oh, ok, então é tarde. Bom saber. Foda-se. “Eu sou Jeffey. Sou o responsável pelo departamento de convivência social dessa missão.”

“Missão?” Eu perguntei. “Pra quê? Matar gordos e assustar crianças?”

“Você não é criança, pelo que vejo”.

“Não. Mas meu irmão era.”

“Seu irmão? Ah, sim, Rafael.”

“Ele está vivo?”

“Sim. Vivíssimo, aliás. Nós só... modificamos ele, um pouco.”

“Eu juro pra você, Jeffrey, se ele estiver aleijado...”

“Aleijado? Há, não. Não é muito melhor do que estar aleijado, devo dizer. Bom, chega disso. A questão é que nós sabemos que você sabe o que está acontecendo.”

“Eu não sei de nada” grunhi.

“Sabe, sim. Você só não percebeu, ainda.”

“Por quê? Por quê está aqui?”

“Eu não entendi.”

“Por que está conversando comigo? Tinha aquele cara, um tal de Jorge, ficava dizendo que sabia o que estava acontecendo. Por que não vão falar com ele?”

“Porque nós sabemos quem ele é. Ele não sabe de nada, um idiota, aliás. Mas você, garoto, você... Olhe, eu sou psicólogo comportamental, ok? Eu leio as pessoas. Você sabe, sim. Sabe o que está acontecendo. Você só tem medo de errar, porque já errou muito, não é mesmo? Não foi na delegacia. Não contou sobre os gritos dela.”

Ele começou a me irritar, naquele momento. Eu tentei me controlar. Ele continuou:

“Você tapava ou ouvidos de Rafael, que era muito pequeno. Pequeno, puro demais para estar ouvindo aquilo. Mas ele ouvia, e não havia nada a fazer senão tentar esquecer. Você foi covarde, Patrick. Você não foi na polícia, você não enfrentou seu pai. Você pode ver, você não é exatamente fraco. Seu pai estava bêbado, você facilmente poderia tê-lo empurrado. Por que não fez isso, Patrick?”

“Era meu pai” eu sussurrei, tentando conter um soluço.

“É, disso eu sei. Mas também era um bêbado, que espancava sua mãe. Sabe, nós não somos burros, Patrick. Agressivos, sim. Violentos, talvez. Apressados, sempre. Mas burros? Não, burros não. Aqueles policiais podem não ter visto o óbvio, mas nós vemos. Nós sabemos o que acontecia, e nós podemos ajudar.”

“É tarde, agora.”

“Não tarde demais. Você quer sua vida de volta? Não, não responda; eu sei que quer. Nós podemos dar a vida de toda a sua família de volta, mas vocês terão que se adaptar. Eu sei que você consegue, Patrick. Você é forte.”

“Não forte o suficiente!” eu explodi. Sem motivo. Aquele cara, o tal de Jeffrey, ele não demonstrava raiva. Impaciência, sim. Mas não raiva. Era uma fortaleza.Uma fortaleza de gelo – que eu tentava ao máximo derreter, com palavras que não chegavam a ser fogo, apenas uma faísca.

Mas uma faísca... é o suficiente.

“Patrick” Jeffrey começou a falar. “Patrick, sua mãe está viva. Seu pai também. Nós podemos juntá-los novamente.”

Eu percebi que eu sentia-me de uma maneira que não me sentia há muito tempo – desde que isso começou. Eu me senti indiferente. Eles poderiam dizer o nome de minha mãe, de meu pai, de meu irmão, até do meu cachorro. Mas eu não me importava. Naquele momento, eu queria morrer. Era um desejo oculto no fundo da minha alma – era uma vontade absurdamente lógica. Eu não me importava se eles estavam vivos ou mortos. Eu não estava nem aí. Como que pensando alto, eu disse:

“Eu não estou nem aí. Pode deixá-los morrer. Trate eles como vocês tratam qualquer outro. Me trate como se eu fosse qualquer outro.”

“Você não é” Jeffrey insistiu. “Seus pais... eles são o segredo de tudo isso, Patrick.”

“Você não entende, não é? Eles não são nada. Meu pai é um bêbado. Minha mãe é uma covarde. Eu. Não. Estou. Nem. Aí.” Sibilei, por fim.

Jeffrey olhou-me como se eu não soubesse de nada. Eu não sabia, mesmo. Ele deixou-me trancafiado aqui, junto com o nada. Eu e eu mesmo – as únicas pessoas que me fazem companhia.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Acho que de madrugada posso postar mais. Beijos ~ um beijo especial para "pedacinho de obsessão"~



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Invasão" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.