A Invasão escrita por Isadora Nardes


Capítulo 4
Não sei mais que porra de lugar é esse, 5 de maio de 2015.




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108 dias. 108 desde o começo dessa merda.

Não tem mais cheiro de mar. Não estou sentindo cheiro de lixo, nem estou vendo o HC, mas não está calor. Não tem nada aqui. Devemos estar no Centro-Oeste: o nada.

Trocamos de nave, trocamos de grupo. Agora, estou em uma nave com um menino de 10 anos, com uma velha de 90, com um homem gay de 40 e poucos, com duas mulheres de 56, e com três crianças negras, uma de cinco, uma de seis e a outra de onze.

É impressão minha, ou estão separando todas as famílias? É claro, não querem que criemos laços, não querem que estejamos juntos. Eu sou o único homem realmente homem aqui, e isso está me irritando, porque eu só tenho 16 anos.

Pelo menos, não existem mais ratos. Aliás, parece não haver ninguém nesse lugar. Os americanos vêm pouco aqui – só jogam comida, e foda-se o resto.

Os dias tornaram-se incômodos. Ninguém quer falar. Eu não aguento o silêncio. As crianças choram, e eu estou com vontade de arrancar a pele delas fora e fazer uma roupa nova pra mim com essa pele.

Está tudo muito solitário, muito silencioso. O homem gay nunca diz nada. As mulheres ficam tentando falar com as crianças, mas estas parecem ser mudas. A velhinha está com tosse – se ela passar pra mim, eu vou arrancar os dentes dela e enfiar pela bunda.

Todo o clima está pesado e irritante. Eu sei que estou deprimido – todos parecem estar. Ninguém sabe a idade de ninguém, apenas presumem... Ninguém sabe de onde ninguém veio... Ninguém sabe o nome de ninguém. Ninguém sabe meu nome.

Acho que nem eu sei mais.

Tudo o que eu sei é que não posso esperar nada. De ninguém. Ninguém virá nos salvar. Não sei nem o que está acontecendo lá fora. Sempre achei que conseguia informação quem queria mesmo; acho que não estou querendo o bastante.

Eu tentei falar com um dos guardas, em inglês; ele me nocauteou, e eu acordei sentindo meu estômago nas costelas. Não tentei mais falar com ninguém. Ninguém tentou falar comigo. Talvez, achem que eu sou perigoso. Humpf. Talvez eu queira matar todo mundo aqui, e correr até não poder mais. Talvez eu simplesmente queira morrer, deixar meu corpo como um problema dos outros, descobrir se alguma coisa existe além desse lugar.

Achava realmente que sabia de alguma coisa. não tenho certeza se é por dinheiro. Não tenho certeza se é por um peido peidado no lugar errado.

É incrível. A humanidade teve milhões e milhões de anos para se desenvolver, e, há pouco, ainda discutíamos sobre homossexualidade. Sobre racismo. Sobre paz e sobre guerras. Como podemos não aceitar tudo? Como podemos não saber a verdade? Como ninguém veio nos ajudar.

Fomos abandonados. Eu fui abandonado. Ninguém veio a minha procura. Não era um bom filho, um bom neto, um bom sobrinho, um bom tio. Eu mereço ser esquecido dessa maneira? Deixado de lado, devorado pela minha própria raiva?


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