A Invasão escrita por Isadora Nardes


Capítulo 14
Abrigo dos Exilados, 15 de maio de 2015.




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169 dias desde que começou.

Você não acha incrível a capacidade que eu tenho de ser trouxa?

Eu saí daqui ontem. Não porque quis – aliás, se eu pudesse, ficaria aqui até o fim dos meus dias (o que não parece muito tempo, se for pra pensar bem) – eu saí porque “precisava ser útil”. Sim, palavras de Murilo.

Eu saí pra buscar comida junto com os outros.

Curioso? Não é interessante. Ok, talvez seja interessante, mas é perturbador. Absoluta e completamente perturbador.

Eles simplesmente invadem uma dispensa dos americanos, roubam comida depois explodem tudo. Isso é perturbador, não é? Pois é. Mas no meu caso foi mais perturbador. Eu vi Jeffrey. Ele estava lá olhando pra mim, estupefato, e depois era fogo, fogo, fogo. Eu fiquei olhando pro lugar onde ele tinha desaparecido. E só tinha fumaça depois.

Eu deixei que matassem Jeffrey.

Eu nunca achei que Jeffrey era meu amigo ou que estava me ajudando. Mas ele era a única pessoa que continuava conversando comigo quando eu estava me afogando em mim mesmo – no tempo que não sobrou nada mais dentro de mim. No tempo que eu estava vazio. Total e completamente vazio.

Eu. Deixei. Que. Matassem. Jeffrey.

Ok, eu não vi o corpo dele. Mas até não poderia ver. Ele deve ter desintegrado – pura e simplesmente. Desintegrado. Nada mais restou. Nem um átomo ou éon. Nada que eu pudesse cremar, enterrar ou varrer pra debaixo do tapete – não que eu fosse realmente fazer uma das três coisas.

E, mesmo que eu soubesse que eu podia partilhar minha culpa, isso não deixa de me queimar por dentro.

É como se aquela bomba se multiplicasse e estourasse dentro de mim. Não houve uma explosão ontem – houve duas. Uma que matou Jeffrey, e já se apagou. Outra que está me matando, e que parece que nunca vai acabar.

Mas não é por isso que eu sou trouxa.

É que Melissa estava chorando. Eu não sei por que, e não perguntei. Mas ela estava chorando, e eu fui lá consolar ela. E ela aceitou meu consolo.

Olha, eu nunca fui agressivo nem xinguei nenhuma garota. Mas eu usei todo meu autocontrole pra não dar um tapa naquela cara branquela dela. Por fim, minha raiva se aquietou. E ela escapuliu do meu abraço e sumiu da minha vista.

Isso foi hoje de manhã.

Você deve estar é se perguntando os detalhes das nossas saídas por comida. Bom, essa foi minha primeira. E é uma caminhonete hippie muito da fedorenta e desarrumada, onde nós saímos entre as folhas e depois fomos pra lá.

O problema é que Gabriel me disse que, da última vez, eles não explodiram.

Então, agora os americanos sabem que estamos aqui. E devem ter deduzido que eu estou com os “exilados”. Devem estar nos procurando. E vão querer nos matar de cara, porque explodimos o depósito deles e matamos um americano.

Eu matei um americano.

Eu matei o único americano que me ajudou.

Eu sou trouxa – no sentido mais literal da palavra. Eu sou cretino, idiota, trouxa. Sou um filho da puta total e completo.

Como eu queria que meu instinto de auto-preservação não fosse tão forte!


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Notas finais do capítulo

O que acharam da morte do Jeff? Desnecessária?
Spoiler: vem mais morte por aí.



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