Elogio do Caos escrita por Hreter


Capítulo 1
Capítulo 1




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Mas que grata surpresa tê-las por aqui! Chegaram bem a tempo de presenciar minha mais nova obra de arte. Ah, vocês já a haviam visto ao longe? Ho, ho, ho, não tinha percebido que minha grandiosa Torre já havia se tornado TÃO grandiosa assim. Espero que vossa majestade, princesa Jabuticaba alada e chifruda, não tenha vindo com suas fiéis escudeiras para me obrigar a parar as obras. Afinal, não há nenhum artigo na legislação de Equestria que limite a altura de edifícios. Hm? Não estou conseguindo ouvi-las, tentem falar mais… Oh, que cabeça a minha! É claro que não consigo ouvi-las, vocês já devem estar sofrendo os efeitos da minha torre. Não se preocupem, a perda de voz é o mais sem graça que lhes acontecerá hoje. Esperem só até as cabeças de vocês incharem feito balões! Será um estouro! Há, há, há!

Oras, não me olhem assim. Principalmente você, Fluttershy. O que esperavam de mim? O caos é minha natureza e quando a natureza te chama, você deve responder prontamente, senão tudo perde o sentido. Você fica sem rumo, você se estagna na rotina e acaba passando anos e anos sem ter feito nada do que se orgulhar. Como se você não passasse de uma estatua de pedra nos jardins de tua arqui-inimiga.

Faz um tempinho que vocês estão se entreolhando, suponho que estejam se perguntando por que suas magníficas joias não estão funcionando. Pois é, por que será? Eu já expliquei pra vocês o porquê de uma torre tão alta? Não, acho que não. Querem um pouquinho de chá? Oh-oh, acho melhor não, as bocas de vocês estão meio inquietas, correndo pelos teus rostos. Esperemos que não resolvam parar onde não devem, he, he, he. Onde eu estava? Oh, sim, minha torre, minha grande obra prima, feita dos materiais mais preciosos da historia da arquitetura: palha, madeira, tijolos, barro, penas usadas, crinas de pônei, tudo o que há de bom e uma pitadinha de mágica. Tudo o que uma boa estrutura precisa para se manter em pé. Ah, sim, e o detalhe do vórtice também é importante.

Aquelas que ainda tiverem olhos, se olharem fixamente para minha xícara cheia de camomila, poderão observar uma ligeira distorção no espaço-tempo. Justo aqui, pertinho de Ponyville, crescendo milímetro a milímetro, século após século, apenas esperando pelo meu retorno. O Caos é a verdadeira amizade, minhas pequenas. Só ele não te decepciona, apenas te surpreende, uma e outra e outra vez. Por exemplo, quando cavei este pequeno buraco na realidade, há mais de mil anos atrás, eu nunca esperei que ele fosse crescer por conta própria e cá está ele, permitindo o delicioso absurdo desta minha torre estar em pé e que vocês… Ugh, isso deve doer. Vocês não estão com uma cara muito boa. Ah, bem melhor, sem cara vocês dão menos aflição. Só espero que vocês ainda estejam me ouvindo, pois ficar falando sozinho é um pouco ridículo, vocês não acham? É, interpretarei o vosso trote desengonçado e desesperado como uma afirmação.

Diga-me, vossa majestade, o que a Harmonia deu a este mundo? Paz? Sim, claro, uma paz de fachada que encobre e contradiz a natureza de qualquer criatura. Diferente de vossa princesa do sol, eu sou onipresente, onisciente e onipotente no absurdo. As partículas de loucura que viajam pelo ar me contam mais sobre vocês do que vossos livros mentirosos e moralistas. Eu sei que sob essas crinas multicoloridas e com penteados extravagantes reside uma loucura tão intensa quanto a minha, um desejo egoísta e megalomaníaco de ser mais. Todos têm isso. Até a mais ingênua das crianças, principalmente a mais ingênua das crianças deseja o brinquedo alheio antes do próprio e chorará caso não o tenha. O que os molda para ser essa massa de sorridente falsidade é o que os diferencia de mim: o Poder. Vocês não têm poder o suficiente para alimentar vossas empreitadas em um mundo regido pelo caos. Vocês não gostam de se frustrar, pois sempre desejam o mesmo: que o caos trabalhe a vosso favor. Laços, amizades, amores, tudo surge da egocêntrica necessidade de estabilidade, de repressão de vosso instinto mais primário!

Hmmmm, esperem, seus corpos não deveriam estar ganhando novos membros malformados desse jeito… Veem o que eu quero dizer?! O caos nunca decepciona, apenas surpreende! Nunca poderia imaginar a Marshmellow escalando as paredes como uma aranha sem rosto e cabelo punk. Da mesma forma que era tediosamente previsível que você acabaria virando uma princesa, minha já não tão pequena quanto monstruosa Jabuticaba. Você dançou sobre o lombo gordo da Celestia durante toda a sua vida e provavelmente nunca percebeu que tudo era minuciosamente controlado por ela. Tuas amizades, teu talento, até mesmo teu gosto musical. Tudo modelado o melhor possível para te tornar um sujeito eficiente para os objetivos da grande soberana solar. Ehe, he, he. Viver sob a vontade de alguém é tão frutífero quanto viver transformado em estatua durante um milênio.

“Oh, grande e magnânimo senhor Discord, excelência! Mas e os momentos de diversão, de prazerosa convivência e delicioso amor que vivemos? Eles não fazem tudo valer a pena?”, perguntam suas kafkianas presenças. Ilusões, minhas queridas, ilusões que eu faço questão de dissipar com um estalar de dedos. Não, não, não chorem, por favor. Ou, pelo menos, parem de babar essa gosma de seus poros no meu carpete novinho. É normal sentir certa desolação ante a verdade. A verdade é cruel, a verdade é menos colorida do que vossas máscaras de olhos ultraexpressivos os deixam enxergar. Mas é uma questão de tempo até que vocês possam se acostumar à instabilidade e abraçar com um sorriso de canto de boca os giros inesperados que rechearão vossas vidas a partir de agora.

Não mintam para mim, por favor. Eu já fui como vocês: iludido, comportado, um membro mais da corrida dos ratos harmônicos, todos ao mesmo compasso de um destino ilusório. Que vida sem graça a minha. Diferente de você, Jabuticaba da Alvorada, eu nasci imortal. Diferente de você, sempre vivi com a perspectiva de ser obrigado a ver o mundo ao meu redor mudando até o ponto de ser praticamente irreconhecível. Enquanto que o teu maior conflito atualmente deve ser como encarar o trágico destino de ver morrer suas leais amigas, o meu sempre foi como evitar o tédio. Pois por mais que o tempo passasse, nada mudava. O mundo continuava a ser regido por uma única estirpe de cavalos falantes, as montanhas sucumbiam à erosão e novas se erguiam ao retumbar de um terremoto. As estrelas se mantinham ao firmamento e o verde das copas das árvores continuava verde. A não ser…

AI! Essa deve ter doído. Se eu fosse você, Arcoíro, não voaria tão rápido. Tuas asas já não são do mesmo tamanho de sempre. Informo-te porque acho que sem olhos você não percebeu ainda, senão não teria batido a… hm… Sim, isso é definitivamente tua cabeça. Enfim. Como ia dizendo, o verde não era tão verde… A não ser por pequenas exceções. Folhas que insistiam em exibir um verde mais amarronzado em plena primavera. Ou trevos que preferiam nascer com uma pétala a mais. Essas eram as coisas que me fascinavam, as coisas diferentes, as que quebravam o padrão. São ESSAS as que realmente chamam a atenção por si mesmas. O resto não importa sem o conjunto. E viver para ser parte de um conjunto… Vamos combinar que, para um ser imortal, é bem ilógico. A não ser é claro, que você seja uma princesa e tenha total poder sobre como será o conjunto. Consegue me entender agora, Jabuticaba? Alô? Teu cérebro já derreteu aí dentro?

O que eu quero fazê-las entender é que eu não faço nada por mau, muito pelo contrário. Sou uma criança com um brinquedo que muda a cada segundo e que não deseja outra coisa que ser surpreendido por ele. Uma criança que chorará e se sentirá vazia ao ter seu brinquedo arrebatado e limitado a doses mínimas e discretas. Uma criança que se sente muito sozinha, pois não pode mostrar esse brinquedo a ninguém. Tenho milênios de vida e sou isso: uma criança.

E como uma criança eu posso ver coisas que os adultos não veem. Eu vejo o caos que reside em cada uma de vocês, reprimidos por uma lógica falha tapada com fé e esperança, sentimentos ilusórios e analgésicos ante o êxtase do caos! Eu vejo a dor em seus sorrisos falsos, a necessidade de liberação de seus olhares sem alma e o medo à solidão em seus frágeis laços. O que venho tentando mostrar ao mundo há mais de mil anos é que não precisamos ter medo! A solidão é a resposta! Deixemos-nos levar pelo caos externo e entenderemos o nosso caos interno. Aceitem, minhas pequenas! Aceitem e a dor passará. Não pensem tanto e tudo fará sentido! Leiam as entrelinhas do mundo e riam, gargalhem, soltem seus espíritos pela boca de pura excitação pois o mundo é maravilhoso, maravilhosamente ilógico, eterno e imprevisível! Sorriam para si mesmas por poder presenciar a arte da existência! Sorriam! SORRIAM!

Ah, sim, perdão, é impossível sorrir sem lábios que esticar ou dentes que mostrar.


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