Jim ainda tentava processar o que estava acontecendo ao seu redor. Encontrou-se ajoelhado em frente a Miguel, o arcanjo encarregado de cuidar dos anjos da guarda. Dois outros anjos seguravam Jim pelos braços, garantindo que este não fosse sair voando do julgamento. Ele fechou os olhos, tentando se lembrar de como fora parar ali.

Estava voando por cima das nuvens, simulando uma batalha com Louis, seu amigo querubim. Divertiam-se e muito fugindo das tarefas divinas dadas pelos arcanjos. Louis tinha aparência de um homem de cerca de trinta anos de idade. Seu porte físico mostrava sua força, os cabelos castanho-claros chicoteavam-no o rosto de acordo com o vento e os olhos dourados como ouro sorria para o amigo. Seu rosto poderia ser comparado a uma caixa graças ao formato quadrado.

Muito diferente de Jim, que havia uma aparência de um garoto de dezesseis anos (Com mentalidade quase de oito), corpo esguio, com joviais olhos azuis escuros incomuns e cabelos literalmente bagunçados, como se fosse proposital. Estes eram negros como penas de corvos. Eram um tanto compridos, mas nada de exagerado. Só uns ticos atrasado no cabelereiro, já que no Paraíso não existia cabelereiro.

– Tu não devias estar cuidando do teu humano na Terra? – Louis certa hora comentara, desferindo um golpe de sua espada.

– Só porque sou um anjo da guarda não significa que eu tenho de ficar grudado nele vinte e quatro horas por dia. Aquele cara me dá muuuuuuuuuito trabalho! – Argumentou, desviando da lâmina – Será que se eu pedir para o Grande Chefão Ele me troca de função? Poxa, deve ser muito interessante ser mensageiro como você.

– Não contaria com isso Eu gostaria de ter um serviço igual ao teu.

– Você é um anjo algumas classes a cima da minha, porque iria querer ficar transitando pela Terra evitando que postes caiam em cima de um humano, que eles olhem para frente na hora de atravessar a rua ao invés de ficar digitando no celular ou até mesmo tampar buracos para que eles não caiam? Francamente, eles são piores que bebês. Não sabem cuidar deles mesmos e mesmo assim, se os ajudamos, não somos reconhecidos com isso.

– É... – Concordou Louis, parando um pouco com a pequena batalha – Depois do século XX, o número de pessoas que nos agradecem por mais um dia de vida diminuíram – Ele suspirou com um sorrisinho no rosto – São tão frágeis, Jitreão*.

– Jitreão...? – Olhou de soslaio para o amigo – É Jim, Louis. Jim. E como você ainda consegue amar os humanos?

– Nascemos para isto, oras. Nosso Pai nos criou para amá-los como Ele nos ama.

– Ah, qual é? – Jim balançou sua mão, e em sua frente nasceu uma espécie de bola de cristal flutuante, mostrando a eles uma imagem em tempo real do Mundo Humano – Humanos são interessantes, admito. Mas olhe só para eles. A maioria já se esqueceu de que são seres mortais. Se bem que são livres...

A expressão de Louis mudara, olhando de cenho franzido para Jim.

– Veja só – Enquanto o moreno falava, as imagens iam mudando para dar ênfase em sua fala – Os humanos fazem coisas divertidas, como sair com os amigos para beber, correr riscos como aventura, ficar despreocupado, viver romances...

– Jim, tu não estais pensando corretamente. Não somos humanos. Temos nossos deveres aqui no Paraíso. Pensar desta forma é pecado – O rosto dele transbordava seriedade. Com outro simples gesto, desfez a bola de visão do amigo.

– Com certeza é pecado – Uma voz mais grave foi ouvida, logo um anjo guerreiro estava à vista de ambos, trazendo junto consigo mais outro de sua espécie com feições assassinas – Arcanjo Miguel está convocando o anjo da guarda Jim para um julgamento.

– O quê? – Jim olhou abismado para as faces ali presentes, sendo que era difícil conseguir enxergar bem as características dos guerreiros por conta da armadura acompanhada pelo elmo prateado – O que eu fiz desta vez?!

– É acusado de não cumprir com seus deveres angelicais – Disse o primeiro.

– E também acusado de pecar no Paraíso – Completou o segundo.

Ambos perceberam que Jim não sairia do lugar, então com velocidade, pegaram-no pelos cotovelos e logo já estavam o arrastando para o escritório de Miguel.

– LOIUS! AJUDE-ME, LOUIS! – Gritava Jim se debatendo. Porém os outros eram mais fortes. Louis observava tudo paralisado, de boca entreaberta e olhos demonstrando um sentimento de pena. Até mesmo suas grandes asas brancas se encolheram.

E foi assim que chegou ali.

O Paraíso podia ser a cima das nuvens, porém era tudo bem administrado como uma cidade empresarial. Todos com suas devidas funções faziam o lugar continuar funcionando em paz. A maioria das coisas era prateada, ou colorida com cores claras agradáveis, apesar de que a maioria era branca. Isso se aplicava ao escritório de Miguel também. Tudo extremamente bem organizado, feitios de um arcanjo perfeccionista.

– Eu não queria que isto acontecesse, acredite em mim – Miguel lamentou, sem levantar os olhos dos montes de papelada em cima de sua mesa – Mas Cassiel me disse que isto acontece há anos. Eu tinha que tomar uma atitude.

Miguel finalmente fitou os olhos de Jim. O arcanjo vestia-se com trajes brancos e tinha cabelos loiros ondulados muito bem penteados. O rosto era sério, do tipo assustador.

– Já sabe o que eu tenho que fazer, não é mesmo? – Ele indagou.

Os olhos de Jim se arregalaram nesse momento.

– Não, você não vai...

– Vou – Cortou Miguel, então acenou para Uriel. Este sim era assustador, perdendo apenas para Abadon, o anjo destruidor. Como anjo dos mortos, Uriel era agressivo como o cumpridor das punições estabelecidas para os pecadores – Jim, por traição ao nosso amado Pai, por pecar contra o Éden e desejar a vida mundana, eu o prendo na Terra.

– NÃO! – Berrava desesperado enquanto Miguel citava suas frases.

– De agora em diante você está suspenso do Paraíso até segunda ordem!

– VOCÊ NÃO PODE! NÃO!

Uriel abriu seu livro que sempre carregava consigo e leu algumas frases em latim. Jim não havia desistido de se debater, usava todas as suas forças, mas na verdade já estava ciente de sua realidade: Tudo acabou.

Com isso, Uriel cortou o ar em diagonal com sua mão direita. Tanto ele quanto Miguel pareciam inexpressíveis enquanto terminavam de realizar tal ato. Uma forte luz começou a se expandir pelo local e lágrimas derrotadas se mantinham a força dentro dos olhos agora escurecidos de Jim.

Louis surgiu entre os pilares brancos que sustentavam o escritório de Miguel, vendo toda a cena com horror.

– Jim! – Gritou ele, mas já era tarde demais.

O antigo anjo da guarda sentiu uma dor aguda nas costas enquanto caía. Nunca havia experimentado esta situação antes. Anjos não eram capazes de sentir dores físicas, o que significava que havia algo errado.

Sabia que despencava graças ao forte vento que batia em seu rosto, como milhões de agulhas. O som era quase ensurdecedor.

Com dificuldade tentou abrir os olhos e foi capaz de ver suas asas brancas se tornando negras como se pegassem fogo. O vento antes frio que lhe cortava a pele agora começava a se tornar quente, muito quente. A impressão era de se tornar uma bola de fogo.

Só então viu as penas de suas assas se desprendendo da estrutura, ficando para trás e caindo em um ritmo mais lento. Jim começou a gritar, frustrado. Deveria ser tudo um mal entendido. Não era para ter caído como Lúcifer e vários outros anjos rebeldes. Nunca se rebelou contra seu Chefe ou algo do tipo.

As nuvens acinzentadas saíram de sua visão, mostrando a ele o contorno de um país, logo de um estado. Tudo se aproximava velozmente, o mesmo aconteceu para o asfalto escuro paralelo ao rosto de Jim. Cerrou os olhos, não querendo sentir a dor que provavelmente seria insuportável. Com isso, ele apagou.