Adrian não lembrava a última vez que alguém lhe cativara tanto. Enquanto a loira tentava arremessar uns biscoitinhos de goma natalinos em sua própria boca, o garoto pensava o quanto tinha sido fácil conversar com ela. Talvez fosse porque ela era bem extrovertida e persistente, mas ele não achava que encontraria outra pessoa como ela no mundo. Só existia uma Emma Cook, ou pelo menos só uma Emma Cook como aquela. E mesmo que não tivesse mais o seu relógio no pulso, Ade sabia que o natal estava por vir.

— Ei, Adrian, vai me dizer que não gosta de goma também? — ela perguntou, rindo.

O garoto teve de balançar a cabeça discretamente para livrar-se daqueles pensamentos. Não podia gastar os seus últimos minutos no vagão pensando que o tempo estava acabando. Mas os seus pensamentos pareciam voltar a todo momento para essa contradição.

— Nem tanto — Adrian respondeu, desviando o olhar para a janela. Era quase impossível ver qualquer coisa além de neve em meio à escuridão, mas na verdade, ele só precisava de uma desculpa para não encarar a garota.

— Do que você gosta, afinal? — Emma perguntou, juntando as sobrancelhas. Mas ao ver que ele só deu de ombros, ainda sem tirar os olhos da paisagem, ela o cutucou no ombro. — Você está fazendo aquilo de novo.

— O quê? — ele perguntou, dessa vez tomando coragem para examina-la. A loira não parecia mais tão frágil quanto antes. Seu cabelo dourado já estava bem bagunçando, e algumas manchas e farelos discretos enfeitavam o casaco pastel dela. Naquele momento, ela parecia pronta para mais algumas aventuras, na realidade.

— De ficar preocupado! — ela rolou os olhos, irritada. — Sabe, eu também não quero ir para casa. Mas é exatamente por isso que eu estou tentando me divertir enquanto posso, quantas vezes eu tenho que te dizer isso?

Lockheart teve de lançar um sorriso contido para Emma. Ele entendia o ponto dela, mas o que ele podia fazer? Como uma otimista como ela poderia convencer um pessimista como Adrian? Por mais bonita que ela fosse, não tinha como fazer o garoto parar de pensar no que seus pais diriam quando ele chegasse. Ou o que ele faria quando não tivesse mais uma Cook para lhe entreter. Respirou fundo.

— Eu... — ele tentou. Talvez fosse pedir desculpas, ou só explicar a ela como se sentia. Mas parece que ninguém nunca saberia. Porque naquele instante, todos no vagão já estavam bem acordados, fazendo a contagem regressiva para o natal.

— Dez, nove...

— Parece que nosso tempo acabou — Emma falou em seu ouvido, num tom sofrido. Mas ela era a personificação da alegria, então logo continuou a contagem com o restante do trem.

— Oito, sete...

Uma comissária entregou mais um pacote de biscoitinhos para os dois, mas dessa vez estava embalado como um presente. Além disso, ela conseguiu pendurar rapidamente um visco bem em cima de Emma e Adrian. Um ramo cheio de frutinhas, amarrado com um laço. Um mistletoe.

Os dois se entreolharam, e não viram porque não. Faltava apenas dois minutos para chegarem a Paris, e Ade já podia ver as luzes da estação muito próximas. Então fez o que devia.

— Seis, cinco...

Com as duas mãos, puxou o rosto da garota delicadamente para si, num beijo apressado, mas ainda assim muito apaixonado. Quem via, poderia facilmente confundi-los com um casal de longa data. Ou até recém-casados, rumo a lua-de-mel. Mas não deveriam se deixar levar pelos sorrisos nos rostos deles, aquele beijo... de felicidade, não tinha muito. Afinal, era quase como uma despedida. E mesmo que só se conhecessem há mais ou menos duas horas, parecia mesmo que não queriam dizer o adeus.

— Quatro, três...

Mas não era porque estavam absolutamente apaixonados um pelo outro, porque isso nem mesmo era possível, mal se conheciam... Era porque um representava a liberdade do outro. A fuga da realidade, num lugar bem longe de casa. Então, de repente, os dois se precisavam. E foi exatamente por essa necessidade, que não tiveram a coragem de separar o beijo, nem mesmo para respirar. Só continuaram num ritmo acelerado, até não terem mais reserva de fôlego. Só então, apartaram o beijo lentamente, se encarando.

— Viu só como se aproveita dez segundos? — Emma riu, fazendo aparecer as rugas minúsculas em volta de seus olhos escuros. Ade não conseguiu conter um sorriso também.

Mas ele não respondeu, só balançou a cabeça, em afirmativa. E fechou os olhos de novo, tentando desesperadamente guardar aquela cena no fundo da sua memória. Os bolinhos, a paisagem escura, as risadas, os beijos... ele não podia esquecer.

— Dois, um...

E não esqueceria mesmo.

Agora, Adrian Lockheart desencostava a cabeça do vidro gelado. Percebeu que tinha babado um pouco, e esfregou o rosto para evitar a cara de sono. Ouvia as comissárias anunciando que já faltava apenas um minuto para chegarem ao destino. Tinha ele realmente dormido durante o trajeto inteiro? Olhou para o seu lado, como se esperasse uma Emma Cook ali na poltrona 12A. Mas ela não passaria de uma memória.

Fazia muito tempo que Adrian não sonhava com ela. Porque só tinha esse sonho, quando viajava de trem, e todas aquelas memórias de dois anos atrás voltavam. Talvez essa seja a principal razão para Adrian adorar viajar de trem no natal, e sempre reservar a poltrona 12B. Ele sabia que não teria aquilo novamente, mas não custava nada relembrar daquela véspera de natal.

Ah, e que natal... desde aquele dia, o garoto odiava o feriado. O dia 25 de dezembro veio, e ele nunca mais viu Emma Cook. O natal roubara a garota dele. E a única coisa que o reconfortava, era o fato de Adrian não ter pego o relógio de volta. O relógio que ele a entregara, para não se preocupar com o tempo. Ele imaginava a loira encarando o aparelho, e talvez se recordando daquelas duas horas, há dois anos atrás.

Não importava mais. Porque além de lembranças, aquilo finalmente lhe serviu de aprendizado também. Ele agora sabia melhor lidar com as pessoas, e administrar bem o seu tempo. Além de que, Ade comeu bastante chocolate, e finalmente se acostumou com o gosto. Porque não importava se era bom ou ruim, tinha gosto dos beijos de Emma Cook.