Se o Amor é uma Ilusão, Deixe-me Ser Iludida escrita por snow Steps


Capítulo 11
Capítulo 10 - parte 2


Notas iniciais do capítulo

Não tenho palavras para vocês, caros leitores. Se mil perdões forem suficientes, eu peço os mil perdões. Me afastei por tanto tempo e tenho receio de que vocês não me perdoem mais, no entanto, aqui está mais um capítulo... infelizmente levo uma vida corrida demais, estudo e trabalho com algo que não gosto de fazer. Se eu pudesse escrever todas as horas do meu dia, certamente eu o faria, e ainda mais alegre se for para vocês, que tanto me incentivaram e acompanharam a construção dessa história.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/575472/chapter/11

Para o meu alívio a casa de Bernardo não é suspensa sobre uma balsa, mas sim uma mansão como tantas outras no condomínio Parnamirim, no Leblon. Entro acompanhada de Tomas pelo grande portão de alumínio, me sentindo como se estivesse atravessando os portões dourados do Palácio de Buckingham, mais conhecido como a humilde residência da rainha da Inglaterra. Como eu havia previsto, é o típico churrasco dos almofadinhas: um Beats Pill soa alto a música dos últimos lançamentos de eletrônica, as garotas Barbie Girl com seus biquínis fio-dental onde é preciso afastar a bunda para ver suas estampas, tomam banho de sol à beira do deck de madeira em frente a piscina, cuja água reflete os raios de sol que a penetram e alcançam o bar construído dentro dela, com seus banquinhos submergidos e distorcidos pelas ondulações geradas pelas longas pernas de Isabella que debatem a água graciosamente. Uma grande churrasqueira de ferro está montada no centro do gramado impecavelmente cortado, e o churrasqueiro está vestindo um avental preto e uma touca, fazendo eu presumir que ele foi contratado para tal função. Bernardo está logo atrás dele, concentrado demais no seu Iphone para nos receber como faria um anfitrião com um mínimo de bom senso. Um leve temor me invade ao perceber que nenhuma pessoa conhecida – ou melhor, amiga – está presente ali. É quando sinto a mão de Tomas sobre meu ombro, viro-me para ele e ele me contempla, risonho. Não, eu não estou sozinha nessa furada.

_ Vamos sentar? – Ele oferece, e eu afirmo com a cabeça.

Nos acomodamos em uma mesa de plástico coberta por um guardanapo colorido de festa, e nos sentamos um de frente ao outro. Instantes se passam e nós esquadrinhamos o grande quintal da casa: os grandes olhos azuis acostumados, quanto aos meus, maravilhados. Às vezes tenho uma ponta de esperança de que eu não sou tão lascada assim, mas são nestas ocasiões que eu testemunho como sou absurdamente pobre. O cara tem um elevador dentro de casa. Eu não tenho um elevador nem no próprio prédio onde moro.

_ O dia está agradável, yeah? – Tomas comenta, ajeitando a ponta do guardanapo que esvoaça com a brisa fresca.

_ Está mesmo – Concordo, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.

De repente, escuto berros que estão mais parecidos com urros, e viro o rosto assustada em direção às vozes que saem de dentro da casa. Deparo com a seguinte cena: Matheus, Leonardo e mais alguns caras que não conheço estão carregando Marco nos ombros, este com um sorriso de orelha a orelha e com os braços erguidos para o alto. Eles berram em uníssono feito índios até alcançarem o gramado ensolarado, estacionando o italiano que escorrega de seus ombros até o chão.

_ Que merda é essa? – Resmunga Bernardo, que inacreditavelmente bloqueia seu celular e o guarda no bolso das bermudas.

_ Estamos saudando o grande rei! – Exclama Leonardo, soltando mais um “urra!” junto aos companheiros.

_ Obrigado, obrigado – Agradece Marco, fazendo uma mesura.

Os ponteiros do relógio desaceleram até que o mundo a minha volta para por completo. Lá está Marco Lorenzo Vittorelli, com sua blusa polo da Abercrombie&Fitch acentuando o contorno de seu peitoral definido e dos bíceps que saltam sobre a manga. Percebo um traço preto desenhado no seu antebraço, e descubro que ele tem uma tatuagem escondida por baixo do tecido. Ele passa a mão pelos cabelos irresistivelmente desgrenhados, e em seguida seus dedos acariciam a barba que ainda toma forma. Seus olhos verde-oliva estudam os convidados, e por um momento eles se cruzam com os meus, atordoados. Mas este é um breve momento, tão curto que nem sei se pode ser considerado “breve”. Um terço de breve, pode ser?

_ Este safado trouxe nada mais e nada menos que quinze caixas da minha musa deliciosa, a digníssima senhora Stella Artois. – Continua Leonardo, fazendo uma expressão de prazer extremo.

_ Já disse que não foi nada demais, meu tio tem uns contatos que dão cerveja por 0800 – Explica Marco, enchendo o peito de orgulho. – Agora nós vamos fazer o favor de mamar todas essas gostosas – Neste segundo as piranhas que nadam no aquário o olham de relance – cervejas – Ele complementa, antes que elas o abocanhem em milhares de pedaços.

Marco caminha em direção à piscina dançando ritmicamente conforme à música, e logo deita de bruços ao lado de Gabriela, a ruiva falsificada que supostamente pagou boquete para ele em plena Linha Amarela. Não consigo desviar o olhar, mesmo sabendo que observar uma cena daquelas é como passar um trator por cima de mim. Eles trocam olhares maliciosos, sorrisos de canto e conversam agradavelmente. Vejo a mão de Marco pousar sobre o joelho bronzeado dela, e seu polegar acaricia discretamente a curva que este forma sobre o ângulo do deck. Gabriela está respirando mais fundo que o normal, e logo concluo que não passa de uma estratégia chula para aumentar os seios que já estão pulando sobre o decote do pedaço de lenço bordado que ela chama de biquíni. Minhas orelhas esquentam e comprimo os lábios. Não suporto ver a verdade com meus próprios olhos. De alguma maneira, eu ainda acreditava lá no fundo que Marco era diferente do Marco descrito pelos boatos. Mas lá está a prova, colocando a sua isca no aquário das piranhas, certo de que ganhará um peixe. Ou talvez mais de um.

_ Você está bem? – Indaga Tomas, e eu rapidamente volto meu olhar para ele. Vejo seu semblante preocupado, não um tipo de preocupação pretensiosa, mas uma real.

_ Um pouco... desconfortável. Talvez seja a música. A gente pode... andar por ali? – Indico com o queixo para um jardim de inverno atrás da varanda da sala de estar.

_ Acho que o Bernardo está ocupado demais com o seu Iphone para nos impedir – Alega Tomas, olhando para onde apontei.

Nos levantamos e andamos em silêncio com os braços cruzados, até chegar ao jardim de inverno. É um jardim minúsculo para uma mansão do condomínio Parnamirim (não querendo ser crítica, até porque acho que nunca terei condições para ter um metro quadrado de um jardim daquele). Nos encostamos sobre as vigas que sustentam uma planta trepadeira, e a quietude entre nós começa a me constranger. Preciso falar algo urgentemente, no entanto a imagem de Marco com Gabriela ainda me perturba.

_ Você não está gostando daqui. – Afirma Tomas, com a cautela de alguém que anda sobre areia movediça.

_ Só tou um pouco deslocada. Eu não tenho intimidade com ninguém daqui, sabe? Exceto você, claro – Eu digo, dando de ombros.

_ Ah, agora fui promovido a amigo íntimo, good – Brinca Tomas, que despedaça uma folha seca.

_ Você já é há algum tempo, bobo. – Devolvo, dando um leve empurrão de mentira em seu ombro. – Você não se sente igual a eles, né? Quer dizer, você é diferente deles.

_ Como eu já havia dito, Noura, me sinto diferente de qualquer um daqui. Menos com você, my dear amiga íntima. – Nós caímos na gargalhada, que se dissipa saborosamente.

_ Eu também, Tom. Não me encaixo aqui. Não sei dizer se sou eu a peça que está errada neste quebra-cabeça, ou se são eles.

_ Não existe uma peça errada, Noura. Actually, são dois quebra-cabeças diferentes. Nós somos duas peças que foram guardadas na caixa errada. – Ele diz, condolente.

_ Nossa, que papo filosófico – Descontraio, fitando o azul do céu entrecortado pelas raízes da trepadeira que se estende acima de nós. – Mas você falou a verdade estilosamente.

_ Estilo...? – Ele tenta repetir, franzindo o cenho.

_ Estilosamente – Falo pausadamente, contudo Tomas não consegue pronunciar. – Esquece, é um advérbio inventado mesmo. Falou bonito, pronto – Simplifico.

_ Falei bonito – Ele afirma em tom confiante, e deixo um riso escapulir. – Se você quiser ir embora agora mesmo, eu te levo para casa.

_ Não, não, imagina. Está agradável aqui. – Eu contraponho, fazendo um gesto com a mão de “deixa pra lá”.

_ Você quer dizer “agradável aqui na festa”, ou “agradável aqui comigo no jardim de inverno”? – Ele questiona, levantando o olhar reservadamente para mim.

Arqueio as sobrancelhas e solto o ar pelas narinas, pegando-me desprevenida. Está rolando algo no ar. O.k., pode ser o cheiro das linguiças assadas mas tem um clima se formando aqui.

_ Acho que... os dois – Respondo devagar, com o coração palpitando forte. Ai meu Deus, cheguei a um impasse. A operação Dionísio está se desmoronando como um castelo de areia que cede às ondas do mar bem logo atrás de mim, quanto que Tomas está investindo nas suas primeiras cantadas. Não, Tomas não é do tipo que fala cantadas. É do tipo que investe em flertes.

_ So, a gente pode ficar aqui a tarde inteira. Tenho minhas dúvidas se alguém sentirá a nossa falta. – Tom continua, e dá dois passos a mais em minha direção.

Agora sinto o clima pegar fogo, ou talvez sejam só minhas bochechas. De fato, é um ambiente propício para um momento romântico. Os botões de orquídeas estão começando a desabrochar, e o sol atravessa os galhos das plantas e alcança a íris profundamente azul do inglês que me intercepta fixamente. Posso ouvir o farfalhar das folhas por cima da música distante, assim como também posso sentir os passos sorrateiros de Tomas que avança de centímetro a centímetro, encurtando a distância entre nós.

Caralho. Fudeu.

Faço uma ligeira análise dos meus pensamentos: Tom é lindo. Marco é mais. Tom me quer. Marco quer qualquer uma. Tom é príncipe. Marco é cafajeste. Tom está prestes a me beijar. Marco está prestes a comer Gabriela. Quem eu quero?

Puta merda. Eu quero Marco.

_ Tomas, nós podemos estar na caixa errada mas ao menos vamos ser sociáveis! Quem sabe a gente acaba se encaixando “meio torto”? – Desconverso, e rapidamente caminho para fora do jardim de inverno.

_ Tudo... bem – Ele responde, confuso.

Saio em disparada para o ambiente aglomerado de pessoas, com Tomas me seguindo atrás. Assim que chego à mesa onde estávamos, vejo todos – absolutamente todos, sem mais nem menos – nos encarando com expressão capciosa.

_ Uuuuuh! – Os convidados debocham em uníssono, e após vários comentários supersticiosos se sobressaem na barulheira dos burburinhos que se procedem.

“Vai que é tua, Júlio César!”

“Vocês formam um casal tããão boniiitinho!”

“Eu já sabia!”

“E aí, comeu?!”

Me encontro encurralada perante as risadas e os dedos que apontam para mim e para Tomas, que também sem mantém paralisado ao meu lado. No meio dos rostos que se misturam como uma grande massa deturpada, vejo Marco em meio a eles, batendo palmas com sorriso zombeteiro. Eu quero cavar um buraco. Eu quero cavar até o magma da Terra, e dissolver até a última célula existente no meu corpo. Você já esteve numa situação que simplesmente não há defesa? Caso ainda não, saiba que é igual aqueles pesadelos em que a gente vai para o shopping só de calcinha.

Corro sem rumo, e nem sei exatamente porque estou correndo. Eles não são leões, embora aparentem ser. Eu poderia muito bem ter entrado na brincadeira, e dizer que sim, peguei o Tomas mesmo. Todos ririam, diriam mais algumas graças, e eu me safaria. Porém sou uma peça que não me encaixo. E peças que não se encaixam nunca se safam do covil dos leões. Avisto o banheiro social mais a frente, entro nele num salto e tranco a porta. Uma súbita sensação de alívio me invade, e ao mesmo tempo, de vergonha. Foi isso mesmo que acabou de acontecer? Todos me viram fugindo para dentro do banheiro? Como eu poderia me sentir segura com a festa inteira esperando eu sair de lá?

Idiota, burra, trouxa. Me xinguei com todos os adjetivos possíveis. Porém nem me rebaixando para a pior ser humana do planeta amenizou meu constrangimento. Deslizo meu tronco pela porta de compensado e sento no chão de linóleo frio, com as pernas abertas. Coloco a cabeça entre os cotovelos, e sinto meu cabelo escorrer sobre meus olhos, que umedecem os fios com as lágrimas que escorrem tão quente quanto o bule de chá que a mamãe põe para ferver todas as manhãs. Começo a chorar e eu choro, choro, choro. Às vezes eu choro e nem sei exatamente o porquê, só buscando um motivo depois que meu rosto está ensopado e meu nariz entupido. Arranco um pedaço de papel higiênico e limpo a face, mas de nada adianta pois novas lágrimas escorrem rapidamente. Então concluo que há apenas uma alternativa: deixar que todo aquele oceano dentro de mim pingasse gota por gota pelas minhas pupilas.

***

Minutos, horas ou dias após sinto que chorei tudo o que havia para ser choramingado. Então aqui inicia a parte onde eu busco uma razão para a minha tristeza, e este é o problema: existem muitas. A principal delas incrivelmente não tem a ver com Marco, e sim com Tomas. Nós dois fomos humilhados, e sinto que a culpa é quase totalmente minha. Se eu tivesse ficado naquele maldito jardim de inverno, se eu tivesse preferido Tomas, aquela situação não teria acontecido. E caso houvesse, não geraria tantos problemas. Por que o que realmente me induziu a correr para aquele banheiro não foi a vergonha de todo mundo, mas de uma pessoa só.

Enquanto repenso cá com meus botões, a maçaneta acima da minha cabeça chacoalha, e eu levo um susto. Me levanto num impulso e encaro a porta que treme, como se um bicho-papão fosse sair dali. Seco meu rosto no tecido da blusa e dou uma última fungada, como se esta fizesse toda a diferença do mundo. Arrumo meu cabelo para trás e destranco a fechadura vagarosamente, com as mãos trêmulas. O vão da porta se abre num rangido, e não ouso erguer o rosto. A claridade do sol da tarde dói os meus olhos já sensíveis, e meus ouvidos são agredidos ao som do funk que toca a duzentos mil decibéis.

_ Pensei que não fosse sair – Diz uma voz familiar, e repentinamente minha respiração é cortada.

Levanto o olhar e o vejo, imponente, encostado na parede ao lado da porta do banheiro. Sim, Marco Lorenzo Vittorelli.

_ Eu... hã... já vou indo – Digo com voz falhada e rouca.

_ Você está chorando? – Ele deduz, franzindo o cenho.

_ Alergia – Essa desculpa sempre me salva.

_ Alergia a quê? Ao mundo? Seus olhos parecem duas nozes de tão inchados.

Sem dúvidas ele está me caçoando. Mas não aparenta ser do tipo bullying, está mais para o tipo de brincadeira que dois velhos amigos fazem.

_ Talvez seja. – Eu cedo, massageando meus olhos com a ponta dos dedos.

_ Não acredito que aquela palhaçada te deixou mal. Entra de volta – Marco decide, colocando sua mão firme nas minhas costas e me colocando para dentro do banheiro novamente, em seguida trancando a porta.

_ O que você tá fazendo? – Retruco, receosa.

_ Oras, eu quero mijar e você não quer que ninguém te veja chorando, pelo menos eu acho que não. – Ele explica e, sem cerimônia, abre a braguilha e vira de costas para mim. Não demora muito e ouço o som da urina batendo na cerâmica do vaso sanitário, e um arrepio me percorre desde a nuca até o cóccix.

_ Escuta, Nora, você precisa ser mais relaxada com esse tipo de coisa. – Ele ainda lembra meu nome, pelo menos uma notícia boa para aquele dia horroroso. – A gente zoa, mas ninguém leva a mal. Assim, mais tarde, a gente é zoado de volta. E desse jeito a vida segue – Explica Marco, que dá dois pulinhos para tirar o excesso e ajeita a roupa de baixo novamente.

_ Eu sei. Estou agindo como uma criança. – Eu admito, em tom de derrota.

_ Sabe do que você precisa? – Ele pergunta, virando-se de volta para mim e fechado o zíper.

_ Do quê? – Devolvo, um pouco temerosa quanto a resposta que ele pudesse dar.

_ De uma boa dose de álcool.

_ Não sei se...

_ Tsi. Vem comigo. – Ele põe sua mão nas minhas costas de novo, e me conduz de volta para o gramado do quintal.

A fumaça da churrasqueira está tomando conta do ar, e o cheiro de carne assada faz minha boca encher d’água. O bar da piscina está lotado de gente, e os guinchos e gargalhadas descontroladas das pessoas mostram o quão bêbadas estão, a ponto de nem perceberem a minha chegada. Marco tira a camisa num único puxão, e meus pelos dos braços eriçam no mesmo instante. Seus músculos proeminentes me hipnotizam como as serpentes da Medusa, e assisto Marco tirar a bermuda. Ele fica apenas com uma sunga preta, e desce os primeiros degraus da piscina.

_ Se você quiser chegar ao pote de ouro, vai ter que entrar – Ele impõe, e estica a mão para que eu a segure.

E eu a seguro.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Se o Amor é uma Ilusão, Deixe-me Ser Iludida" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.