CAPÍTULO XIII

Abro os olhos devagar quando o despertador toca, mas antes que eu o desligue ele para de tocar. Alguém o fez por mim. Quando abro os olhos por completo, espero minha visão ganhar foco até perceber que Haymitch ainda está aqui. Por um momento fico feliz em saber que ele não saiu, mas, por outro lado, ainda me sinto intrigada pelo que ouvi durante a noite.

Maysilee.

Haymitch leva uma mão até os meus cabelos e fica brincando com uma madeixa que insiste em cair na frente dos meus olhos. Mordo o lábio, intrigada.

– Haymitch - digo. Ouço-o murmurar um "hm" para que eu prossiga. - Se importa se eu pedir para sair? Preciso ficar sozinha - minha voz sai fraca e desanimada. Haymitch me fita um pouco desentendido.

– O que aconteceu? - ele pergunta, confuso. Para de mexer nos meus cabelos e se apoia num cotovelo.

– Só... só quero ficar sozinha - respondo apenas. Não ouso levantar o olhar para ele, pois sei que até então ele está me fitando. Depois de alguns instantes em silêncio, Haymitch suspira e se levanta. Não diz mais palavra alguma e simplesmente sai, deixando-me sozinha, assim como eu dissera, mas, bem, não era exatamente o que eu queria.

Sento-me na cama e abraço as minhas pernas, encolhendo-me. Ele nunca vai esquecê-la, diz uma voz dentro da minha cabeça, o que me faz começar a derramar algumas lágrimas. Enterro meu rosto entre meus joelhos e espero a dor no pé da barriga passar. Assim permaneço por alguns longos minutos até ouvir batidas na porta.

– Cinna? - arrisco, esperando que seja realmente ele.

– Quem mais seria? - ele retruca e o mando entrar. Continuo abraçada às minhas pernas enquanto ele se aproxima, parecendo preocupado. Não consigo disfarçar meu presente estado, na verdade não consigo esconder absolutamente nada de Cinna. Ele se senta ao meu lado, agora com a aparência cansada, põe uma mão sobre a minha me fita por alguns segundos antes de falar. - O que foi agora? - indaga, com os olhos presos em mim.

– Deve ser cólica - digo, olhando para frente.

– Percebi que está com cólica, mas não é só isso. Esqueceu que não sabe mentir para mim?

– Ah, Cinna - digo, deixando meu corpo pender para o lado e me apoio nele. Em resposta, Cinna passa uma mão pelos meus cabelos. - É o Haymitch.

– E o que ele fez dessa vez?

Suspiro e fecho os olhos. Seus sussurros continuam na minha cabeça.

– Ele passou a noite sussurrando... não sei se estava tendo um pesadelo ou apenas um sonho, mas era o nome dela... - meu olhar continua preso num ponto distante enquanto falo. - Maysilee.

Cinna passa um tempo calado, absorvendo cada palavra que saía da minha boca. Percebo-o respirar fundo e depois voltar a mexer nos meus cabelos.

– E isso incomodou você.

– É lógico, Cinna!

– Tudo bem, tudo bem, calma - ele diz com sua voz suave. Não entendo como ele sempre consegue ser calmo. - O que ele disse sobre isso pra deixar você tão...? - ele não chega a completar, mas compreendo o que quis dizer.

– Nós não falamos sobre isso - respondo e neste momento ele para de mexer nos meus cabelos. Me segura pelos ombros e me põe de frente para ele.

– E você acha que vai resolver isso falando comigo? - ele me olha no fundo dos olhos, insistente. - Effie, você tem que entender que problemas de casal são resolvidos entre o casal. Você tem que falar com ele.

– Mas nós não somos um...

– Tem certeza? - ele indaga, me interrompendo. Suas sobrancelhas estão arqueadas, induzindo-me a dar-lhe uma resposta coerente.

Suspiro e mantenho o olhar baixo.

– Eu não sei... - digo, sinceramente. Até então não havia parado para pensar no que era isso que eu tenho com Haymitch. Até um tempo atrás éramos apenas colegas de trabalho e nada mais. - Mas... não acho que ele queira falar sobre isso.

– Você tentou?

Aquela era uma pergunta que não necessitava de uma resposta, pois Cinna já sabia bem. Levanto o olhar novamente e dessa vez Cinna sorri de leve. Ele passa uma madeixa para trás da minha orelha e deposita um beijo na minha testa.

– Tem remédio para cólica aí?

Assinto com a cabeça e então ele se levanta.

– Ótimo - ele diz enquanto segue de volta para a porta. - Já estamos chegando na Capital. Tome seu remédio e se troque. Os garotos ainda estão dormindo.

Após dizer-lhe que sairei em breve, resolvo adiantar as coisas para não aparentar abatimento quando fosse ver os garotos. Trato de me arrumar rapidamente e, para a minha felicidade, consigo chegar para o café da manhã antes deles.

~*~

Após a calorosa recepção quando o trem chegou a Capital, fomos todos direcionados ao centro de treinamento, assim como no ano anterior. Sinto calafrios à medida que vamos nos aproximando e não ouso dizer uma palavra sequer. Katniss e Peeta conversam entre si e Haymitch, assim como eu, também está calado. Nossos olhares se cruzam uma ou duas vezes, mas desviam rapidamente.

Assim que chegamos ao décimo segundo andar, me tranco no quarto e lá permaneço, agradecendo por ninguém ter vindo me incomodar nesse meio tempo. Passo a maior parte do tempo pensando em Haymitch e em como os seus sussurros incomodaram minha noite de sono.

Após a hora do jantar, nos juntamos em frente a TV e assistimos a algumas apresentações dos tributos que participarão desta edição dos jogos. Após os garotos se dirigirem aos seus respectivos quartos, me adianto até a sala de jantar e peço para um avox me trazer uma taça de vinho. O garoto o faz rapidamente uma taça cheia, deixando a garrafa em cima da mesa. Aceno para que se retire e me deixe sozinha. Começo a saborear lentamente o vinho, esperando que Haymitch não sinta o cheiro e se aproxime, mas acho que isso seria pedir demais.

Em pouco tempo ele passa rapidamente por mim e se serve também. Lanço rapidamente a ele um olhar de reprovação e volto minha atenção ao vinho.

– Está melhor? - ele pergunta, ainda no mesmo lugar.

– Só um pouco indisposta - tento não mentir, mas também evito olhá-los nos olhos. Termino de tomar o vinho e deposito minha taça na mesa.

– Aconteceu alguma coisa? - ele pergunta e dessa vez percebo seu tom de voz aumentar um pouco.

– Nada - respondo rispidamente. - É coisa minha.

Viro-me para sair, mas ele insiste.

– Não vai me contar?

– Não.

Posso ouvi-lo bufar bem atrás de mim. Sua mão me segura e então ele me vira para fitá-lo. Me surpreendo pelo seu toque não ter sido rude. Apesar da firmeza para me manter de frente para ele, Haymitch parece evitar colocar alguma força.

– Foi alguma coisa que eu fiz? - indaga. - Effie, você tem que dizer! Está agindo dessa forma por quê?

– Haymitch - digo, livrando-me dos seus braços. - Depois nós conversamos sobre isso. Eu preciso ficar sozinha.

– Assim, de repente? Quando eu mais preciso do seu apoio você simplesmente diz que quer ficar só?

Franzo o cenho, desentendida.

– Precisa do meu apoio para que? Você só precisou apresentar os outros tributos aos garotos, só isso! E você conhece praticamente todos! Não, Haymitch - acrescento - você não precisa de mim agora, então, por favor, me deixe ficar sozinha. Depois nós conversamos, tudo bem?

– Não! - seu tom de voz aumenta mais uma vez e isso me causa calafrios. Volto a andar em direção, agora, para a sala de estar e ele me segue. - Effie, por favor, me diz o que aconteceu.

Respiro fundo e me viro novamente para vê-lo. Haymitch está numa boa distância.

– Larga a garrafa - acho que minha voz sai bastante autoritária, pois ele me obedece sem relutar e levanta os dois braços em rendição. Baixo o olhar para os meus pés, pensando seriamente se seria um momento propício para isso, então ouço a voz de Cinna dizendo "problemas de casal são resolvidos entre o casal". Olho mais uma vez para ele e percebo que está esperando que eu fale alguma coisa.

Umedeço os lábios antes de perguntar.

– Quem era Maysilee? - indago. - Eu sei que era a garota do Doze que foi com você para a arena. Mas... o que ela era para você?

– Minha aliada na arena - ele responde friamente. - Só isso.

– Então por que sussurra o nome dela enquanto dorme?

– Talvez porque eu ainda tenho pesadelos. Você sabe disso mais do que ninguém! Ela morreu nos meus braços, Effie! - sua voz começa a se descontrolar um pouco e isso me assusta. - Isso não é algo que eu esqueceria da noite para o dia!

– Não acho que ela tenha sido só sua aliada...

– Eu tinha uma namorada - ele retruca. Por essa eu realmente não esperava. - E eu nunca a trairia. Nunca - repete.

Um silêncio toma conta do ambiente enquanto apenas nos olhamos. Começo a me sentir culpada por toda essa confusão.

– Você nunca me disse isso - minha voz sai fraca. Começo a sentir meus olhos umedecerem.

– Você nunca me perguntou.

– Achei que não gostasse de tocar nesse assunto.

– Mas eu contaria se você pedisse - ele diz, dando dois passos para frente. Automaticamente recuo e ele para. - Porque eu confio em você - dessa vez ele me desarma. Percebo o cansaço que seus olhos carregam e uma ponta de arrependimento começa a surgir em mim. - Eu vou dormir.

Haymitch passa por mim e não diz mais nada. Apenas fico sozinha na sala de estar, sentindo minhas lágrimas começarem a cair sobre minha face.