Posso te contar um segredo? escrita por LittleDreamer


Capítulo 2
Capítulo 2- Não confie em ninguém


Notas iniciais do capítulo

Ame a todos, confie em poucos.

—William Shakespeare



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Eu me arrumei do jeito mais simples possível e desci as escadas para esperar Clarisse e minha mãe. Enquanto elas se arrumavam, eu não conseguia parar de pensar em como
seria o encontro com o garoto que eu observava pela janela do meu quarto. É meio psicótico dizer isso, não?
Clarisse desceu as escadas correndo, ela não mudou de roupa, mas estava com os cabelos molhados, o que me fazia pensar que ela havia tomado banho, mas não teve a paciência
de escolher alguma outra roupa.
"—Nossa Clarisse, você está maravilhosa!" Eu ironizei e ela fingiu uma risada.
Nossa mãe desceu as escadas logo em seguida, ela vestia um vestido florido e um pouco de maquiagem nos olhos. Ela sim estava realmente linda.
"—Vamos meninas?" Ela disse com um enorme sorriso no seu rosto indo em direção a porta, comigo e minha irmã bem atrás dela.
Para ir até a casa da madrinha não precisávamos atravessar a rua ou coisa do tipo, era só ir até a casa ao lado.
Paramos em frente à casa dela e minha mãe apertou a campainha, logo em seguida um rosto sorridente apareceu na janela da sala e uns segundos depois a porta se abria.
Uma senhora pequena com os cabelos grisalhos, grandes olhos azuis e um sorriso no rosto apareceu na porta. Essa era a Madrinha Cláudia.
"—Olá Marisa, como está você? E vocês meninas, estão bem?" Cláudia nos abraçou e nos chamou para entrar, seu sorriso não saia do rosto.
Eu me sentei no sofá com Clarisse enquanto minha mãe e a madrinha dela iam para a cozinha conversar.
A televisão da sala estava ligada e no jornal estava passando um acontecimento sobre duas jovens desaparecidas.
"As duas jovens de dezessete anos, desapareceram nessa sexta feira aproximadamente às 23h no Bairro Jardim Glória. Elas foram vistas pela última vez em uma festa.
Testemunhas dizem ter visto as garotas saindo do local sozinha."
"—Credo, podem mudar de canal meninas. Ninguém é obrigado a ver tragédias logo em um início de tarde." Eu estava prestando tanta atenção na reportagem
que nem vi Cláudia chegar à sala.
"—Tia Claúdia, eu só não mudei por causa da Ana. Ela parecia hipnotizada pela reportagem." Clarisse me acusou e pegou o controle para mudar de canal.
O caso das meninas desaparecidas não saía da minha cabeça. O que teria acontecido com elas? Será que só fugiram como adolescentes rebeldes ou foram sequestradas?
Meu pensamento foi interrompido quando ouvi a porta da sala se abrir e o garoto que eu vi na janela pela manhã entrar.
"—Vinicius, que ótimo que você chegou cedo!Quero que você conheça minha afilhada e as filhas dela."
Vinícius. Esse era o nome dele. Ele disse um "oi" quase sussurrando e sorriu. Ele parecia aflito com alguma coisa pela sua expressão.
"—Oi Vinícius, tudo bem?Sou a Clarisse. Filha mais nova da Marisa." Clarisse abriu um sorriso enorme no rosto ao falar com Vinícius.
Ele se sentou no outro sofá e conversou com minha irmã, e eu não conseguia tirar meus olhos dele. Ele tinha um corte em seu pescoço, e ele parecia tentar esconder com
uma camisa de gola alta.
"—Marisa, esse é meu neto.Eu falei bastante dele para você, se lembra? Ele é um amor de pessoa!"
Claúdia e minha mãe se sentaram na sala e Claúdia começou a contar a história de Vinícius.
Ele tinha dezoito anos (dois anos mais velho que eu) e havia nascido em Juiz De Fora. Estava no último ano do ensino médio e morava com os avós, Claúdia e seu marido,
Heitor. Sua mãe teve complicações em seu nascimento e acabou morrendo no parto, seu pai acabou entrando em uma depressão profunda que o levou à morte.
Ela contou todas as partes da história, e Vinícius não parecia nem um pouco incomodado com aquela situação. Eu o entendia de certa forma, eu também tinha perdido meu
pai bem cedo, só que foram outras pessoas que tiraram sua vida.
"—Ana, sua mãe me contou que você e o Vínicius vão estudar no mesmo colégio. Isso não é ótimo?Já conhece alguém por lá." Eu sentia que Claúdia queria me aproximar dele
mas eu não conseguia me imaginar sendo próxima dele.
Claúdia colocou o almoço na mesa assim que seu marido chegou, e a conversa continuou até depois do almoço.Eu decidi sair e ficar na varanda ouvindo música já que o
assunto não era nada do meu interesse. Me sentei em uma cadeira de balanço, coloquei meus fones de ouvidos e fechei os olhos. A música me fazia pensar em como tudo
seria diferente daqui pra frente e de como seria difícil recomeçar. Enquanto eu pensava, senti alguém se aproximando e abri meus olhos.
"—Desculpe, não queria atrapalhar seu momento de reflexão, mas eu precisava muito fumar." Eu reparei o cigarro entre seus dedos e apenas dei um sorriso sem graça
para ele. "Então...Ana...É só Ana ou tem mais alguma coisa?" "—Ana Carolina, mas eu gosto quando me chamam só de Ana." "—Entendi...Então, Ana Carolina, quer um cigarro?
Ele deu um sorriso e apontou o maço para mim "—Eu não fumo, obrigada" "—Imaginei. Você parece ser bem certinha, sabia?"
Nossa conversa terminou ali, ele fumava o seu cigarro e eu ouvia minha música tentando não olhar para ele. Claúdia apareceu na varanda acompanhada por minha mãe e Clari
Claúdia parecia incomodada com Vinícius fumando em sua varanda mas não mencionou nada, apenas evitou o olhar. Estava na hora de irmos para casa. Eu me despedi dando um
abraço apertado em Claúdia e prometi que voltaria, Vinícius se levantou e parou na minha frente. "—Ei, Ana. Que tal irmos juntos pro colégio amanhã?Algo me diz que você
ainda não sabe onde fica." Eu fiz que sim com a cabeça e então marcamos que ele me encontraria na minha casa de manhã. Eu realmente não me sentia bem com essa aproximação
contínua.

Ao chegar em casa, lembrei da reportagem sobre as meninas desaparecidas na outra noite e pensei em perguntar para Vinícius se ele as conhecia já que tinham quase a mesma
idade. Tomei um banho e fui me deitar em minha cama, olhei para a janela e por impulso resolvi levantar para observar. Vi uma luz acendendo no quarto de Vinícius e pensei
no que ele poderia estar fazendo. Ele estava sem camisa e eu acabei reparando outro corte grande em sua costela. Isso estava ali quando o vi mais cedo? Enquanto eu pensava
sobre isso, ele se virou rapidamente e encarou a janela. Meu quarto estava escuro, ele não conseguiria me ver por mais que tentasse. Eu decidi ir me deitar mais uma vez,
e enquanto me revirava na cama, só conseguia pensar naqueles cortes em seu corpo. Talvez não significassem nada demais mas mesmo assim me deixavam com uma sensação
estranha.

Consegui cair no sono depois de muito tempo, mas tive um pesadelo com meu pai.
Meu pai morreu quando eu tinha cinco anos e minha mãe estava grávida de Clarisse. Meu pai estava sozinho comigo em nossa casa, mamãe tinha descoberto que estava grávida e naquele
horário estava em sua consulta com o médico. Meu pai achou melhor cuidar de mim em casa do que ir para o hospital. Ele odiava hospitais. Tudo estava correndo bem, meu pai
estava comigo na sala assistindo televisão quando ouvimos um barulho vindo dos fundos da casa. Ele decidiu ir ver e depois voltou correndo mandando eu me esconder e só
sair quando ele mandasse. Eu corri para meu quarto e fiquei observando com a porta entre-aberta. Dois homens armados estavam na sala da minha casa ameaçando meu pai de
mata-lo se ele não entregasse tudo de valor da casa. Meu pai não hesitou, deixou que levassem televisão, dinheiro e etc. Eu chorei e fechei a porta do quarto com medo, foi ai
que eu ouvi o barulho do primeiro tiro. E depois o segundo. Me segurei para não gritar, eu não sabia porque aquilo estava acontecendo. Eles disseram que não o matariam
se ele entregasse o que tínhamos. Eles mentiram, óbvio. Me encostei na porta, sentada no chão sem saber o que fazer. Eu tinha que pedir ajuda.
Assim que ouvi os dois homens saindo e batendo a porta, eu sai do quarto. Era uma cena muito forte para uma criança ver e eu não podia ficar sozinha ali com meu pai
naquele estado. Eu saí correndo pela porta da frente e fui até a casa da vizinha pedir ajuda, ela me acolheu e ligou para a emergência e logo depois ligou para minha
mãe. Eu não estava preocupada comigo, mas estava preocupada com minha mãe. Vi a emergência chegar e parar em frente a minha casa, minha mãe chegou logo em seguida e
me abraçou com força assim que me viu. E dali em diante, éramos só eu, Clarisse e minha mãe.

Acordei asusstada e chorando, tentei não pensar naquilo e me levantei para me arrumar. Tomei um banho, vesti o uniforme e desci as escadas. Coloquei meus fones de ouvidos
e me sentei na mesa da cozinha. Minha mãe estava ouvindo as notícias do rádio na cozinha enquanto dava broncas na minha irmã dizendo que ela acabaria se atrasando para
a aula. A campainha estava tocando e Clarisse se ofereceu para atender. Ela sabia muito bem quem estava na nossa porta.
"—Oi Vinícius!!Tudo bem?Dormiu bem?Quer entrar?" Eu conseguia ouvir o quanto ela se alegrava ao falar com ele, mas ela era apenas uma criança. Quando me dei conta
ele já estava na nossa cozinha acompanhado por ela nos desejando bom dia. Eu tomei meu café e terminei de me arrumar normalmente enquanto Vinícius conversava com minha mãe
e Clarisse na cozinha.
"—Vamos então?" Ele não parecia nem um pouco apressado para a aula, mas era meu primeiro dia e eu não queria faltar. Ele se levantou e eu fui até a porta enquanto ele
se despedia da mamãe e de Clari.
A escola não ficava tão longe dali, mas parecia uma eternidade com aquele silêncio entre nós. Até que eu decidi perguntar sobre as meninas desaparecidas.
"—Você conhecia as meninas que desapareceram?"
"—Conhecia. Elas não eram gente boa." Ele foi frio e curto em sua resposta, ele nem sequer levantou a cabeça para me responder. Apenas continuou andando olhando para o chão
"—O que você acha que aconteceu com elas?" Eu decidi continuar perguntando, as respostas curtas dele eram melhores do que o silêncio. Ele parou de andar e levantou o rosto,
sua expressão havia mudado.
"—Eu acho que elas tiveram o que mereciam." Eu não entendi bem o que ele quis dizer com isso e então resolvi perguntar o "porque".
"—Alguém provavelmente as levou para a floresta próxima daqui e tirou suas vidas brutalmente. Era isso o que elas mereciam."
Eu fiquei congelada enquanto ele me encarava. Eu estava assustada até que ele soltou uma gargalhada e continuou a andar.
"—Fala sério, você ficou morrendo de medo! Eu só to brincando. Não faço ideia do que pode ter acontecido com elas, mas garotas desse tipo acabam em péssimas mãos."
"—Como assim "garotas desse tipo"?" Estávamos quase chegando no colégio e eu ainda não tinha perguntado tudo o que eu queria saber.
"—Garotas fáceis que vão com qualquer um. Garotas que saem para baladinhas e usam drogas e tomam qualquer coisa que um cara desconhecido ofereça. É fácil enrolar uma
garota desse tipo." Nós entramos na escola e caminhamos pelo pátio. Eu tive a sensação de que todo mundo estava nos observando.
"—Por que todo mundo está olhando pra gente?" Ele deu uma risada
"—Porque eu sou um problema...E ninguém gosta de problemas." Seus olhos encontraram os meus e eu vi que ele tinha grandes olhos azuis como os da avó, só que os dele
eram mais tristes.
Nos despedimos e eu segui o caminh para a minha classe, nos corredores eu reparei em algumas pessoas comentando sobre as meninas desaparecidas.
Eu entrei na sala de aula e não tinha muita gente, só algumas pessoas em suas panelinhas de amigos.
O Professor entrou na sala com um ar melancólico e sussurrou um bom dia.
"—Então rapazes, acho que todos já sabem do desaparecimento de Laura e Cristiane. Alguns aqui não se davam bem com elas, mas tenho certeza que não causariam nenhum mal
à elas." O Professor olhou a sala toda e parou seus olhos em mim. "—Ah, olá. Você é a garota nova. Seja bem-vinda, meu nome é Anderson. Sou professor de história." eu dei
um sorriso e me apresentei. Sr. Anderson era bem jovem, e muito bonito também. Tinha cabelos grandes presos por um rabo de cavalo, e olhos pretos da cor do cabelo.
Minha mente não me deixava prestar atenção na aula, por mais que eu tentasse.
"—Desculpe o atraso professor, eu tive problemas em casa..." Um garoto de óculos entrou na sala ofegante e suado.
"—Tudo bem, Pedro. Acontece, sente-se" Pedro se sentou ao meu lado e quando me olhou deu um sorriso
"—Oi, você é nova, certo? Sou o Pedro, qual o seu nome?"
"—Ah, sou eu mesma. É, eu ouvi ele te chamando. Me chamo Ana Carolina, mas pode me chamar de Ana."
"—Então, já fez algum amigo por aqui?" Eu pensei no Vinícius mas não sabia se deveria chama-lo de amigo
"—Já sim. Vinícius do terceiro ano, conhece?"
A expressão de Pedro mudou de repente, ele parecia assustado.
"—E-eu conheço sim. Quase ninguém o atura, que bom que você consegue."
"—Por que isso?O que ele fez de tão errado.?"
"—Nada demais...Ele só é encrenqueiro.Mas então, você sempre morou aqui?" Ele mudou de assunto tão rápido que não tive a chance de perguntar porque o achava "encrenqueiro"
Eu contei para Pedro toda a minha história e ele me contou a sua (que por sinal não tinha nada tão emocionante).
No final da aula, nós saímos juntos da classe.
"—Sobre o acontecimento com seu pai, você pensou em terapeuta?"
"—Na verdade, minha mãe achou que seria melhor mas eu nunca fui em um." Enquanto andavamos em direção ao pátio, eu conseguia ver Vinícius entre a multidão dos jovens
do terceiro ano no pátio.
"—Você vai voltar com ele ou quer que eu te acompanhe?" Pedro parecia preocupado, mas eu não via motivos.
"—Não, esta tudo bem. Ele é meu vizinho."
"—Ah, tudo bem. Até amanhã então." Eu vi Pedro se misturar com um pessoal do outro lado do pátio e continuei indo na direção de Vinícius.
Ele estava tão distraído com sua música que nem me viu chegar.
"—Ei." eu o cutuquei. "—Podemos ir?" Ele retirou os fones
"—O que disse?Ah, claro. Vamos."
Nossa volta para casa estava ainda mais silenciosa do que a vinda.
"—Então, você fez amizade com o bichinha de óculos, não é?"
"—Pedro? Desculpa, me incomoda você chamando ele assim."
"—Não é nenhuma mentira, Ana.Logo, logo você verá como eu estou certo."
O silêncio voltou e eu decidi perguntar sobre o corte em seu pescoço.
"—Não é nada demais." ele disse passando a mão por cima do corte para escondê-lo
"—Então por que você passa a mão por cima dele toda hora tentando esconder?" Eu apontei para sua mão em seu pescoço e ele só retirou ela dali.
Sua expressão havia mudado novamente e seu tom de voz também.
"—Eu agradeço se você parar com isso."
"—O que você fez de tão perigoso pra que as pessoas tenham medo de você, hein?O que você fez pra que elas achem que você é um problema?" Eu parei na frente dele e consegui
ver suas pupilas dilatarem. Era eu quem estava com medo. Ele se aproximou de mim, estávamos a centimetros de distância.
Ele sussurrou no meu ouvido.
"—Se você está com tanto medo da resposta, por que perguntou?Eu consigo sentir seu medo." Eu fiquei imóvel e ele se afastou.
Estávamos parados na frente da minha casa.
"—Bom, até amanhã. Vai querer ir comigo novamente?" Ele deu um sorriso como se tudo estivesse bem, eu só fiz que sim com a cabeça.
"—Ótimo, te vejo amanhã." Eu estava assustada com aquilo, quando estava entrando em casa ouvi alguém me chamar. Era ele.
"—Ei Ana, só uma dica. Tome cuidado em quem você vai confiar, ok?Tem muita gente mentirosa por aqui. Você pode acabar se machucando" Eu não consegui responder, só o vi
indo para sua casa sem olhar para trás. O que ele queria dizer com aquilo?


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