Seguramente, foi o eco das palavras de Dimitri que distorceu o cenário à sua volta, a consequência de sua própria hesitação.

A rua dissolveu-se nas trevas daquele não-instante, em que apenas a figura de Dimitri era nítida. E dolorosa: ele só não era um espectro de si mesmo porque a palidez de seus músculos chegava aos olhos de Rose num brilho desesperador. Será que assim era? Ou será que não eram seus olhos que brilhavam em cima dele, numa tentativa insana de reanimá-lo, ressuscitá-lo da morte em vida, antes de ter que cumprir-lhe a promessa feita?

Os movimentos de Dimitri eram surdos e pesados, mas isso não o impediu de agarrar-lhe o punho e torcê-lo nas costas. Escutou o estalo dos ossos se partindo, mas não gemeu. Sequer sentiu dor. Talvez o choque da sua presença tivesse-lhe anulado os sentidos todos. Seria justo, era apenas metade de si mesma ali, colada ao abismo... Quis gritar e não pôde, quis soltar-se dele — a estaca de prata estava no bolso da jaqueta — mas não pôde. E pôde menos ainda quando as batidas do coração de Dimitri se fizeram tão altas que entoou as próprias dúvidas dela, insuportáveis quanto o nunca...

Tentou outra vez desvencilhar-se dele, mas Dimitri estava mais forte que antes, bem mais... Rose sentiu-se impotente, e furiosa em sentir alívio pelo que não sabia. Sua respiração, entrecortada pela raiva, cessou por um momento quando as presas de Dimitri deslizaram em seu rosto, cortando-o:

— Você pode sentir, minha Roza. — Aquilo não era uma pergunta, era o fato mais lancinante de que podia se dar conta. — Você pode sentir e por isso hesitou.

Ela mais uma vez abriu a boca para dizer algo, e de novo não escutou nenhum som. Tampouco seria capaz de escutar qualquer outra coisa senão aquele ruído ritmado que lhe contava de uma vez tudo o que ela queria esconder. E tampouco seria capaz de articular qualquer ideia, sentindo a língua de Dimitri roçar-lhe o rosto e limpar o sangue causado por suas próprias feridas.

Viu seu outro braço mexer-se, a mão caminhar lentamente para o bolso da jaqueta em direção à estaca. Era um lampejo de razão em meio à cena absurda.

As presas de Dimitri furaram-lhe os lábios e sugaram-nos em seguida. Ela respondeu ao beijo que coroava o monstro emergido daquela situação, desde o momento em que decidira partir para matá-lo. E só havia um meio de acabar com isso:

Virou a estaca contra o próprio peito e enfiou-a de uma vez. Enquanto seu corpo ia pesando nos braços de Dimitri, a figura pálida e mórbida em que ele tinha se transformado revertia-se no seu antigo amor, para depois desvanecer-se e sobrar a escuridão, pela primeira vez, desoladora.

Então ela entendeu o que não queria entender e nem podia admitir para si mesma.

E o som que escutou proferir, finalmente, era de pura agonia.

Sem surpresa nenhuma, acordou com dor de cabeça...