Silver Snow ESPECIAL DE NATAL DO TAP vol.2 escrita por Matheus Henrique Martins


Capítulo 14
Não Tão Na Sua




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Só quando estaciono o jipe na rua familiar é que me toco e percebo porque Felipe deu um sorriso irônico enquanto nos dizia aonde iriamos. Nos encontramos de frente para a pousada – a mesma pousada de antes.

Ambos eu e Andressa nos viramos para encara-lo, mas Felipe finge procurar algo de interessante na janela.

– Vocês disseram que precisavam de um lugar para repousar – ele nos lembra entredentes. – Que lugar mais perfeito que uma pousada?

– Qualquer um – Andressa sibila. – Esse lugar não é só uma perda de tempo como também é perigoso. Denise já nos viu aqui antes, esqueceu?

Felipe pondera um pouco e lança um olhar pela janela.

– Lembro sim, mas não acredito que ela faça ideia de que estamos aqui. Eu acho que ela sabe o quanto somos espertos.

– Ah, você acha? – questiono. – E se por acaso ela aparecer aqui queimando todos os quartos e demolindo o lugar em cima das nossas cabeças, quem é que eu devo culpar?

Felipe dá de ombros e sorri para mim como uma criança; é a primeira vez que sorri assim para mim desde a nossa discussão depois de entrar.

– A estrutura fraca do lugar? – ele brinca.

Eu suspiro e bato a cabeça no volante duas vezes. Andressa afaga meu ombro em um gesto carinhoso.

– Tem certeza que quer fazer isso? – ela me questiona. – Olha, não precisamos ficar por aqui, tem muitos outros lugares em que podemos deitar e planejar algo.

Vejo a expressão de pena de Andressa e a principio não a entendo. Mas então olho fora da janela e olho o céu. Ainda esta sol e ele derrama sua luz em volta do lugar de um jeito bem significativo.

Sei aonde Andressa quer chegar. Ela ainda acha que tenho medo de me transformar. Mas eu estou mais do que acostumado. Deve achar também que Felipe não sabe de nada. Porém Felipe esta tão ciente do assunto que acabamos dormindo juntos.

Olho pelo retrovisor e encontro os olhos dele.

– Não quero ser rude – ele limpa a garganta. – Mas se vamos entrar, seria mais sensato entrarmos antes que aquela Vadia apareça.

Respiro fundo e Andressa continua esperando por minha resposta fielmente. Fico feliz que ainda sejamos leais um ao outro.

– Tudo bem – olho a entrada da pousada. – Vamos entrar.

* * *

Ao entrarmos no saguão, Beatrice nos recebe com um sorriso enorme.

– Vocês de novo! – ela acena com a cabeça. – Estou muito feliz que tenham voltado.

Eu e Felipe agradecemos e pegamos as chaves, mas Andressa apenas funga e olha para frente. Pergunto-me quando é que ela vai querer mudar sua aversão por loiras nessa vida.

Na privacidade do elevador, nos reunimos para escolher os quartos. Andressa pega a chave em minha mão sem pestanejar.

– Fernando, com certeza – ela sacode a chave na frente do meu rosto.

Felipe franze a testa.

– Por que tem que ser vocês dois? – ele franze o cenho.

Andressa bufa.

– Escuta, gato, nesse bonde que você acabou de pegar, eu já estou dando meio volta pra pegar outro, você me entendeu?

Ele pisca os olhos para ela e não desfaz a careta.

– Pra ser sincero, não entendi não.

– Então me deixe simplificar – ela sibila. – Fernando esta comigo há mais de dez anos... Você esta há apenas dez dias.

– O que isso quer dizer? – Felipe cruza os braços. – Não confia em mim, é isso?

– Eu gostaria de poder dizer o oposto – ela murmura friamente.

Olho para Felipe e seus olhos brilham um pouco. Posso ver dentro deles todas às vezes em que ele me salvou; nos salvou; e todas as vezes em que teve algum plano inteligente que serviu para um bom uso. Recordo-me dele atravessando a barreira a todo custo e minha garganta se enche de culpa.

– Dessa – eu começo a falar, sentindo uma inspiração. – Não pode mais dizer que não confiamos no Lipe. Ele só provou ser um cara bom até agora. Quando brigamos com a Bruxa, quem foi que a espantou? Quem foi que roubou uma das ervas da Anna e limpou minha ferida? A quem foi que Anna confiou a sua reserva na pousada? Dê uma chance a ele!

Os olhos dela escurecem um pouco e ela vira o rosto para analisar Felipe com cuidado.

– Sinto muito – ela suspira. – Não é da minha natureza dar a chance a alguém novo... Estou trabalhando nessa coisa toda de confiar.

– Ah, eu sei que deve estar – Lipe ri. – Mas eu entendo. Ou pelo menos acho que sim.

– Como assim?

Ele muda o peso do pé e me dá uma encarada. Fico nervoso imediatamente. O que ele vai dizer?

– Tem uma coisa que eu não achei que fosse preciso contar, mas – ele faz uma pausa dramática e ainda me encara. – Nem eu mesmo confiei em vocês no começo.

Não sei por que, mas sinto essa noticia cravar no fundo do meu peito. Como ele pode dizer isso? Como, quando eu fui a primeira pessoa que deu chances pra ele? Tudo bem que meus sentimentos estão confusos a seu respeito, mas ele não podia ver o quanto tentei ser apreensivo e deixa-lo entrar.

– Como assim, não confiou? – questiono um pouco alto demais.

Ele dá de ombros e me olha de volta intensamente.

– Dois de vocês estavam agindo como policial mau e policial pior ainda, então fiquei meio chocado que você fosse o único a me receber de braços abertos – ele faz uma pausa e aperta os olhos. – Essa última frase não saiu muito bem no contexto, saiu?

– O que achou que eu estava fazendo? – murmuro, a voz seca e fraca.

– Achei que você estava me analisando – ele confessa. – Então deixei você se aproximar e te analisei de volta. Fiquei observando suas atitudes até ter certeza que você não estava só me sacaneando.

Engulo em seco.

– E quando foi que teve certeza?

Ele dá de ombros.

– Essa é fácil – sua voz é rouca. – Quando ficamos presos do lado de fora da cidade, sozinhos.

Sinto minha respiração se acelerar com suas palavras. Quando ficamos presos do lado de fora de Vallywood, foi quando eu permiti a mim mesmo confessar o que eu acho que sinto por ele.

Sorrio fracamente quando noto que o silêncio tomou conta do elevador.

– Bom, você não precisava ficar desconfiado, bobo. Eu confiei em você o tempo todo.

Felipe sorri de volta e Andressa toca o rosto de modo emocionado enquanto olha de um para o outro.

– Vocês são tão fofos – ela aperta minha bochecha e belisca o braço de Lipe.

O elevador se abre no corredor de nossos quartos.

– Mas acho melhor decidirem agora – o tom dela é falsamente tenso. – Quem é que vai ficar comigo?

* * *

Passou-se mais ou menos meia hora desde que já nos acomodamos na pousada. Estou em meu quarto, trocando de roupa depois de um banho e dou uma olhada ao meu redor. É bom ficar sozinho, para variar.

Deixei Felipe ir com Andressa porque realmente não estava a fim de exclui-lo novamente depois daquele discurso todo. Mas a quem eu quero enganar? Deixei-o ir com ela também porque ficaria muito desconfortável se nós dois dividíssemos um quarto novamente. Eu não sei se ia ser capaz de controlar meus sentimentos.

Enquanto penso se seria uma ideia tão ruim deixar meus sentimentos descontrolados, paro no meio do corredor enquanto espero que o elevador venha. Tem um silencio nesse corredor e me pergunto o que as pessoas vêm exatamente fazer nessa pousada.

De repente escuto um guincho.

– PARA, CASS! – uma voz de garota grita de dentro de um dos quartos. – PARA CASS, TÁ ME MACHUCANDO!

Fico em alerta e me espremo entre as paredes enquanto continuo escutando.

– POR QUE ESTA FAZENDO ISSO, CASS? POR...

– Cala essa boca! – uma voz de homem grita e escuto um baque logo depois desse. – Cala essa boca vadia!

Fico em alarme e corro até a porta do quarto em que escutei o barulho. A garota grita ainda mais alto quando estou abrindo a porta.

De repente, os dois param e me encaram. Fico rubro enquanto dou uma analisada nos dois. Ambos estão debaixo dos lençóis, nus; e dou graças a Deus por só conseguir ver o dorso do garoto e a clavícula da garota. Eles me encaram e sinto meu estomago se remexer por dentro.

– Er... foi mal – pisco e me viro para sair do quarto.

– Não, espera! – o garoto grita e minha mão para na maçaneta. – Pode ficar – ele sorri de orelha a orelha para mim. – Não nos incomodamos se quiser assistir.

Franzo a testa para ele, esperando que ele pare de sorrir e diga que é uma piada. Mas ele não para de sorrir e acho que piscou para mim.

– Eu não quero assistir nada – endureço a mão na maçaneta.

– Ah, não seja assim – o garoto para e olha para sua namorada. Ela tem um cabelo castanho arruivado e olhos da cor de cobre. – Ele é perfeito, não é Débora?

A garota assenti para mim e dá um sorriso lascivo.

– Mais do que perfeito – ela começa a se remexer debaixo dos lençóis. – Eu o quero.

– Perfeito para o que? – guincho. – E que papo é esse de que me quer?

– Escuta cara – o garoto se levanta e cobre a parte da frente com um travesseiro apenas. – Minha namorada aqui meio que tem umas preferencias, entende?

Olho de um para o outro sem entender nada cem por cento.

– Tipo o que?

Débora ri e me dá uma olhada intensa.

– Não precisa se fingir de bobo – ela morde o lábio inferior e me chama com o dedo indicador. – Eu compreendo as suas intenções.

Parece que ela esta tentando me manipular... Eu acho. Mas simplesmente ainda não entendi nada.

– Eu não estou fingindo nada – falo em um tom ainda mais alto. – Vocês são loucos, é?

Saio do quarto e fecho a porta atrás de mim. O elevador esta quase se preparando para descer e eu me jogo contra ele. A garotinha com um tablet ali perto grita de susto. Apenas ergo uma sobrancelha irônica em sua direção.

– Foi mal.

* * *

Desço no saguão e viro para olhar o bar. Não vejo nenhum sinal de um cabelo escuro ou um cabelo loiro, então desisto e me dirijo até o balcão da recepção. Beatrice aumenta ainda mais o sorriso inacreditável.

– No que posso ajudar? – seus olhos focam os meus com gentileza.

– Eu gostaria de saber se você viu meus dois amigos por aí. Uma garota alta de cabelo castanho bem escuro e um rapaz loiro, um pouco parecido comigo.

– Ah, - a expressão dela é compreensiva. – Sei de quem se tratam. É o casal que passou aqui com roupas intimas, não é? Acho que os vi na piscina, você é irmão do loirão, certo?

Franzo a testa e meu maxilar se move para frente e para trás.

– Casal? – repito. – Como assim um casal?

O sorriso dela desaparece subitamente e acho que esta mais pálida. Beatrice toca uma mecha de seu cabelo loiro enquanto me olha.

– Eles estavam bastante próximos ao passarem – ela explica. – Riam, conversavam... Parecia um casal para mim.

Aceno com a cabeça e lanço um olhar para a enorme piscina do lado de fora. Não seria muita ousadia interromper o casal, seria?

– Tudo bem, obrigado, Beatrice.

– De nada – ela murmura.

Ando com passos muito calmos até a entrada da piscina e sei bem por que. Estou bravo. Meus tendões estão quase explodindo e sinto meus músculos do braço se contraindo. Por que estou tão bravo, mesmo? Não sei responder a pergunta, apenas sinto a raiva embaçando minha visão e controlando meus pensamentos.

Avisto Dessa e Felipe entre alguns hóspedes. Estão sentados na beira da piscina, conversando lado a lado. Minha visão embaça de raiva de novo. Parecem mesmo conversar intensamente. Dessa veste um maio que nunca vi usa-la na minha vida e Felipe uma bermuda laranja, o peito nu amostra.

Sinto um misto de prazer e ódio quando vejo isso.

Decido não perder as estribeiras e encaro meu próprio reflexo na porta. Eu não preciso perder o controle, quem sabe eles estejam apenas conversando.

Escuto um guincho e Andressa ri alto e segura o braço de Felipe de repente. Minha respiração para e encaro os dois de um jeito mórbido. Olho de novo meu reflexo e meus olhos estão dourados.

Sei o que isso significa. Estou usando minhas capacidades felinas que estão armazenadas dentro de mim. Toda vez que me transformo em algum animal suas habilidades ficam armazenadas em mim.

Apuro minha audição felina, esperando ser capaz de escutar o que eles estão falando. No começo escuto um ruído e sei que meus ouvidos estão tentando desfocar do barulho da água e das vozes irritantes e altas das outras pessoas.

Capto uma voz rouca e uma aguda e aprofundo minha audição.

Será que eu posso botar dessa vez?

– Não.

– Mas por...

– Porque você já botou em mim sete vezes essa semana, Tyler!

– Mas Andrew...

– Andrew, nada! Tô cansado de ser o brinquedinho todos os dias!

Franzo o cenho e ergo o olhar para ver um casal gay se espreguiçando em duas cadeiras de praia. O maior esta com um rosto chateado e o magricela do casal tem um olhar teimoso no rosto. Dou de ombros e foco minha audição de novo.

Dessa vez, capto não só as vozes corretas, como o meu nome também.

– O Fernando sempre foi de lá, como eu – escuto Andressa dizer de um jeito doce. – Mas não se lembra de seus pais.

– Ele é adota, você quis dizer.

Ergo os olhos bem a tempo de ver Andressa dirigir a ele um olhar incomodado.

– Foi o que ele me disse – Felipe se defende.

– Tudo bem, vai – Dessa dá de ombros. – Acho que estou acostumada com toda essa sua honestidade.

Ele ri e ela o acompanha. Fico tentado a chegar mais perto, mas se eu tenho esperanças que eles falem mais de mim.

– É uma qualidade que eu gosto que é minha – ele dá de ombros. – É só dizer a verdade e pronto, e ninguém precisa se machucar.

Andressa balança a cabeça.

– Não é bem assim, às vezes a verdade pode nos machucar.

Felipe acena com a cabeça, concordando.

– Mas ainda é melhor do que a mentira, não?

– Não sei ao certo se é bem assim – ela começa a brincar com os pés na agua. – Você, por exemplo, como se sentiria se guardasse seus sentimentos por alguém? Mas não porque não quer a pessoa, mas por medo que a pessoa te queira?

Felipe olha pensativo para a piscina e sinto um formigamento em minha espinha. Não sei bem por que senti isso, mas ao ouvir suas palavras seguintes, entendo que foi um presságio:

– Não, eu não esconderia. Dificilmente eu controlo meus atos, Dessa e, acredite, se eu quisesse alguém, eu não hesitaria na primeira chance que tivesse.

Penso no dia anterior e me recordo de sua forma acima da minha. Seus olhos castanhos mirando os meus de cima, enquanto nossas respirações se desaceleram.

Será que...?

Pela forma como você diz – Andressa começa a dizer. – Você tentou esconder esses sentimentos.

Ele sorri de lado para ela, meio culpado.

– Eu admito que o normal seria eu não hesitar – e então olha intensamente para Andressa de novo. – Mas dessa vez é diferente. Eu não consigo mais me entender. Não só estou hesitando muitas vezes, como também não estou fazendo nada a respeito. E sem falar que estou tentando negar o que eu sinto.

Dessa vez me lembro de sua expressão fria e distante enquanto entravamos na cidade. Seus olhos arregalados para mim. Você não se atreveria... Do que ele estava falando?

– E por quê? – Andressa questiona. – Por que esta tentando negar o que sente?

Ele abre a boca uma vez, sem saber como responder. Balança a cabeça, parecendo confuso.

Porque não é correto.

Meu peito arde de dor com essa. Olho para Felipe e seus olhos estão brilhando de emoção. Andressa apenas balança a cabeça.

– Escuta – ela pega a mão dele e une a dela. – Você só vai saber se é correto se tentar.

Minha respiração fica entrecortada enquanto Felipe acena um sim com a cabeça. Seus olhos ardem, mas ele se força para continuar olhando a frente.

– Acredite em mim – ele ri sem humor. – Eu não tenho nenhuma chance dessa vez.

– Felipe, estamos falando de alguém em particular aqui?

O rosto dele fica pálido e seus lábios balbuciam. Ele vai dizer o nome? Ele vai dizer o meu nome?

E então, tudo acontece muito rápido e fico embasbacado no final. Repito a cena mentalmente enquanto absorvo a cena.

Felipe tentou ir mais para frente e avançar nos lábios de Andressa. Ela respondeu com um tapa em sua cara. Felipe leva a mão ao rosto e Dessa o encara embasbacada.

A conversa dos dois assume outra forma na minha cabeça enquanto as pessoas na piscina se viram para olhar para os dois.

Felipe não estava contando a ela que gosta de mim. Não, de jeito nenhum. Ele estava dizendo que gosta dela e não de mim.

Andressa.


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