José Esquizofrênico, e Agora? escrita por naninhachan
Notas iniciais do capítulo
Mais estranho do que parece.
José esquizofrênico, e agora?
Por naninhachan
Ainda no mesmo quarto branco. Essa cor colada às paredes da uma maior dimensão do que a existente. Eu não sei qual é o tamanho exato do quarto. Só sei o que ele significa, quer dizer, não é só um quarto branco. É o meu quarto branco, sem mobília, sem utilidades, como eu.
Tereza me olha com carinho e num cumprimento ela se permite entrar
- Oi. – ela diz singela.
- Oi. – respondi sem ânimo
- O que foi dessa vez? – o rosto estranho dela se curva numa careta de preocupação.
- Não sei... acho que é o de sempre.
- Depressão? – ela senta à lateral da cama.
- Não, o mundo.
- O mundo? – ela me interroga incrédula. Estampado em seu rosto a indignação de eu me arvorar o direito de me preocupar com o mundo. - O mundo, José, é grande demais. E não depende de você. – ela diz entre suspiros.
- O mundo a que me refiro são os homens. – retruco sem piedade.
- Então deveria ser a “humanidade”
- Não, o mundo.
- Eu insisto.
- E eu também.
- O mundo existiria sem o homem.
- Mas não seria mundo, seria planeta. Para ser mundo deve ser habitado por humanos, por isso, eu digo “mundo” em lugar de “humanidade”.
- Tudo bem, você tem seu ponto. O que fazemos agora, José?
- Eu só quero falar, mas não consigo.
- Por que não consegue, José?
- Porque me faltam palavras.
- As palavras faltam a nós todos, querido.
- Menos a você.
- Menos a mim. – ela concordou sincera. – Por que é a sua pergunta? Porque eu sou diferente e você sabe disso.
- Você é alguma entidade, Tereza? – eu me movi pra frente, lento demais em todos os movimentos.
- Você pode me chamar assim se preferir.
- Eu não prefiro nada. Só não gosto desse quarto branco.
- Podemos pintar de outra cor.
- Não podemos! Esse quarto não é sempre meu.
- Mas enquanto eu estou aqui, posso te ajudar a ver outra cor de quarto.
- Como?
- Feche os olhos, criança.
Prontamente a atendi. Sempre era assim a qualquer pedido de Tereza.
- Fechei.
- Eu sei querido, estou vendo. Agora pense numa cor com bastante afinco.
Minutos se passaram. Minha mente era povoada por um mundo de cores nascidas do preto e terminadas no branco pastoso que tingia as paredes, quando acordei foi isso que vi.
- Você não se permite ver outra cor.
- É
- Assim, eu não posso ajudá-lo.
- Eu sei, ninguém pode. Já me conformei com isso.
- Estou aqui para amenizar esse vazio.
- Mas eu estou sozinho. Ninguém me entende. As pessoas me acham louco, estranho ou que finjo qualquer coisa para não encarar a realidade, mas a verdade...
- A verdade é que você está doente e só me vê porque sabe disso. Eu sou parte do seu estado enfermo. Eu sou parte do que você sente, parte de você.
- Por isso você...
- Entendo tudo o que você sente.
- Sabe que eu vejo “coisas”.
- Sei das suas alucinações e sou uma delas. A mais consciente e presente de todas, a que te ajuda a administrar os seus momentos fora da crise. Eu me identifiquei, cuido de você porque, em parte, esse é o desejo que você tem. Não se entregar a doença, se recuperar e viver longe dos remédios.
- Tereza, eu....
- Sabia o tempo todo que eu não sou de verdade e quando você conversa comigo em voz alta as pessoas acham que é com elas que você fala. Foi por isso, e pela última crise da qual você não lembra que viemos para aqui... estamos internados, José.
- Eu...
- Já esrava sabendo...
- ME DEIXA CONCLUIR AO MENOS UMA FRASE!
- VOCÊ ESTÁ SE RECUSANDO A OUVIR A VERDADE! – ela gritou comigo tentando me trazer a sensatez. Não conseguiu.
- Eu não quero saber a verdade. Guarde-a para si. A verdade não me cura, não me salva, não me liberta desse inferno mental que eu vivo silenciosamente dia após dia. Você não sabe como é acordar confuso, sem saber o que você está sentindo. Entrar no metrô e sentir tanto medo que as suas pernas fraquejam. Se alguém me cumprimenta eu vejo deformações em seus rostos! Eu não agüento mais Tereza! Não quero ouvir a verdade a menos que ela contribua, de alguma forma, para meu bem-estar.
- Isso, José... ponha pra fora todos esses sentimentos represados. Eu não me magôo com o que você diz. Grite na minha cara suas frustrações.
- Eu... Tereza... – ela me abraçou e amparou minhas lágrimas. No seu corpo invisível e ao palpável, eu encontrei mais carinho do que em todos os dias desta minha nova e miserável vida.
- Se acalme, criança. Tudo ficará bem. Nós ficaremos bem.
Eu me agarrava a ela, agarrando a mim mesmo. Chorava nela, chorando no meu próprio colo. Eu queria consolo e ela conseguia me dar.
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.
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O dia raiou com ímpeto na sexta feira última daquele mês.
- Bom dia, Sr José. Hoje o senhor será liberado.
- Obrigado, enfermeira.
- Quem o virá buscar?
- Irei de táxi para casa.
- Entendo. Pedirei que ligue para nossa clínica avisando que chegou bem em sua residência, sim?
- Sim.
- Pode arrumar suas coisas e daqui a pouco, eu o acompanho.
Passaram-se minutos e eu juntei as três mudas de roupa que levara para lá e meus pertences de higiene. Marlene, a enfermeira, tocou a campainha do meu quarto, pegou minha pequena mala e me encaminhou até a porta.
Tereza apareceu.
- E agora, José? Nós vamos pra casa. Mas não tem ninguém lá.
- Podemos ir para um hotel.
- Onde as pessoas nos destratarão.
- Podemos ir para casa de amigos.
- José, seus amigos te abandonaram.
- E agora, Tereza?
- Caminhe em direção ao outro lado da rua, não olhe para os lados. Tudo terminará, José.
Com um som de freada de carro e me corpo rompendo sangue no chão. Tereza chegou bem perto de mim.
- E agora, José... sua vida acabou. Sorriu e evanesceu para sempre.
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Escrito em 09 de janeiro de 2010.
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