Os Filhos de Umbra escrita por Rarity


Capítulo 3
Capítulo Três: 1986 – 3182 dias antes


Notas iniciais do capítulo

E aí? Explicações naturais da tia Rarity:
a) Lógico que eles não falam tudo certinho e bonitinho como eu escrevo, mas é regra do Nyah: NÃO PODE TER ERRO DE ORTOGRAFIA. Eu deixo um ou outro para vocês perceberem. Outra: o narrador é o Porta-Voz contando o que ele se lembra (sabe o lance dele ter lembranças de quando eles tinham 3 anos? Lance da Bailarina dançando na memória dele, talvez eu escreva sobre isso, mas já saibam que a Bailarina já tinha dançado na memória dele para lembrá-lo de que eles eram mais que Os Filhos de Umbra, isso meio que reativou uma memória muito antiga), portanto ele vai narrar do jeito que ele fala, não como um bebê.
b) Crianças funcionam tipo um videogame. Se consegue dar à elas um objetivo, tá de boa. O que você quer dizer com isso? No capítulo passado, o Pedro só queria uma sapatilha nova pra Belle, até pra não se encrencar, aí ele procurou a Berê e pediu. Ele narra como se fosse um puta plano, mas não é. Igual à Belle, eu falei que foi um "pensamento alto" da Maria, só que ela deixou mais dramático.
c) Meu Pedro é muito ciumento, já vou avisando agora. Mas ele é bem leal, inteligente e tem jeito de líder.
d) Terminei a 76, e com o lance família, vamos abrir umas questões:
—Ninguém reparou que a mãe da Belle é índia, mas ela é branquinha dos olhos azuis?
—Tudo bem que eu não narrei a mãe da Dete, mas vocês perceberam que ela e o Pablo não se parecem... Pensem nisso ;)
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Sim, nome escroto é FODA.
Enjoy :3



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Capítulo Três – 1986 – 3182 dias antes

Saudades de minha mãe.
Sua morte faz um ano e um fato
Essa coisa fez
eu brigar pela primeira vez
com a natureza das coisas:
que desperdício, que descuido
que burrice de Deus!
Não de ela perder a vida
mas a vida de perdê-la.
Olho pra ela e seu retrato.
Nesse dia, Deus deu uma saidinha
e o vice era fraco.

Elisa Lucinda

9 de Março de 1896

Mamãe e papai trabalhavam a semana inteira, mas ninguém tiraria meus pais de mim no domingo. Nesse dia, nossa condição financeira, ou a falta dela, não importava. Mamãe arrumava Leo, enquanto eu insistia em tentar colocar a roupa sozinho e só conseguia fazer bagunça.

“Sabe, se eu tivesse uma filha mulher, ela aprenderia a se vestir antes de aprender a andar, tomar banho, escovar os dentes...”, mamãe costumava brincar. Eu tinha a pequena deficiência de não saber diferenciar roupa normal do avesso, trás e frente, os buracos... Acabava fazendo a maior bagunça, então mamãe ria, Leo também, e ela me ajudava, por mais que eu insistisse em tentar fazer sozinho.

Geralmente, para dar um descanso aos pais de Pablo, e como eles sempre nos ajudavam, mamãe e papai pegavam Dete e Pablo e íamos todos pro rio. Sentávamos no pequeno píer, e enquanto mamãe fazia um piquenique e brincava com Dete e Leo, papai tentava ensinar a mim e à Pablo como nadar.

Eram dias incríveis. Não era rotina, e já fazia um bom tempo desde a última vez que fizemos isso... Foi antes de Belle se mudar para cá. Me perguntei porque não fizemos mais isso.

Por isso, decidimos chamar Isabelle, ela iria gostar e seria algo bom pro aniversário dela. Sim, eu não esqueci.

Papai colocava suas blusas e calças velhas e folgadas, suas botas de pescar (algo que ele fazia no final da tarde, quando todos estávamos brincando com mamãe), mamãe ia com algum vestido leve, nós íamos com bermudas e blusas, além de pequenas botas. Papai levava sua vara e uma caixinha com o resto das coisas de pescar, uma toalha e outra caixa com um pouco de comida, mamãe levava Leo no colo, e eu ia andando. Eu gostava de andar, era uma atividade que eu realmente aprendi muito rápido.

Passamos no chalé de Pablo, onde Dete saiu no colo de mamãe, num vestido vermelho rodado e em botinas. Leo estava agarrado na mão dela agora, com uma bola de estrelas, provavelmente a mãe de Pablo havia emprestado. E meu melhor amigo saiu com uma blusa branca leve, bermudas e botinas. Nos cumprimentamos, e continuamos. Pelo número de pessoas, o jogo agora ia para todo mundo, plantas aleatórias que todos nós tínhamos que saber o nome.

E acredite, mesmo ouvindo o nome delas muitas vezes durante as idas com mamãe até a cidade, eu ainda consegui errar mais que a metade.

Na casa vermelha de Belle, Maria selava Rubi. Eu ainda tinha minhas dúvidas em relação à Maria, mas nunca abri assunto sobre isso com Belle. Era algo estranho, mas ela sempre foi muito legal. E tratava Belle como uma verdadeira filha, só que Belle a retesava. Era esforçada, e o fato mais estranho de tudo em Maria:

Os olhos dela eram iguais aos de Belle.

E eu não tinha percebido até ir abraça-la, alguns dias depois do incidente das sapatilhas. O pior é que eu não tinha ligado na época.

Isabelle estava no balanço de pneu, se balançando bem devagar, quase que sem vontade. Parecia triste, e eu estranhei. Belle era animada até demais. E hoje era aniversário dela, não havia razão para tristeza. Belle devia estar pulando de alegria. Sem falar que era estranho vê-la desanimada.

—Belle! –gritei para ela, eu e Pablo corremos para abraça-la, que desceu do pneu e aceitou nosso abraço, mas não retribuiu. –Parabéns!

—Parabéns, Belle! –falou Pablo, ao meu lado.

—É, obrigada. –ela agradeceu, mas ainda não me parecia feliz. Essa Belle estava estranha.

—Parabéns, Belle! Estávamos indo passar o dia no rio, não quer vir conosco? –mamãe apareceu, e Leo deu um desajeitado abraço na minha amiga. Dete acenou, sorridente. Ela estava sempre sorridente.

Belle fez um meio sorriso, mas Maria apareceu ao nosso lado.

—Ela adoraria, não é Belle? –Maria meio que avisou, como se quisesse que Belle fosse, embora minha amiga não parecesse muito disposta.

—Mas Maria... –Belle tentou retrucar, mas Maria deu um sorriso do tipo “Não me contrarie”.

—Não vai ser um incômodo? –Maria perguntou à mamãe, que negou sorrindo. Mamãe gostava de crianças, e Belle era nossa amiga.

—Nenhum, Maria. Vamos, Belle? –mamãe ofereceu uma mão à Belle, que aceitou.

—Vou só pegar uma blusa folgada pra você e uma toalha, Belle. –Maria avisou, e Belle esperou, eu sem conseguir olhá-la por conta dos fios negros em seu rosto.

Não entendia suas ações. Quando era meu aniversário, eu era a pessoa mais animada do mundo, pelo simples fato de ser meu aniversário, o meu dia!

(***)

Mamãe estendeu uma toalha, onde se deitou com Dete, Leo e Belle, e trocou a roupinha de Belle enquanto papai nos trocava, quase que no píer. Eu e Pablo ficamos só de bermuda, e mamãe trouxe Belle, Leo e Dete até nós. Belle estava numa blusa xadrez meio que gigante nela, parecendo envergonhada e meio assustada.

—Vem Belle! Eu vou te segurar... Você já nadou alguma vez antes? –papai convidou. Não é como se eu e Pablo ao menos soubéssemos boiar, caso esteja se perguntando, por isso era um de cada vez.

—Não... Eu... Eu... Não sei se quero... Entrar aí –ela medrosa, aponta o rio –É perigoso.

Papai deu uma risada curta, como se achasse o medo dela algo fofo.

—É legal! –tentei animá-la, o que não deu certo.

—Vem cá, Belle, você já tentou? –ele pergunta, no que Belle maneia a cabeça. –E não acha que precisa tentar uma coisa pelo menos uma vez? Vem, é divertido, e eu vou segurar você.

Belle, bem devagar, se aproxima do meu pai. Ele a segurou, bem forte, e caiu na água, em pé. Belle teve um pequeno susto, e agarrou o pescoço do meu pai, meio assustada. Papai então, segurou Belle com as mãos, enquanto ia a colocando na água do rio.

O rio de Sococó da Ema não era sujo na época, e quando eu cresci, fui lá muitas vezes com meus amigos simplesmente para nadar. Era perigoso, sim. Mas e daí? Era divertido, e pelo menos até crescermos, papai e mamãe sempre estiveram conosco. Se fosse para as partes mais calmas do rio, onde os peixes ficavam, dava até para pescar!

Belle fazia uma cara mais assustada agora, de olhos fechados e com a boca tremendo. Lentamente, papai a colocou na água, que graças à Deus estava calma hoje, ainda a segurando e sem nenhum movimento.

—Belle? Melhorou? –ele questionou, ao que ela maneou a cabeça novamente, num sinal claro de “NÃO!”. –Quer sair?

Mesmo que Belle não tenha respondido isso, papai a coloca no píer. Ela abraça as próprias pernas, envergonhada. Me aproximo e coloco minha mão em seu ombro, me lembrando do dia em que ela havia feito isso comigo, uma semana atrás. Ela olhava a água do lago.

—Desculpa. –pediu ao meu pai, e ainda dentro da água, foi até ela e levantou seu rosto.

—Tudo bem, pequena. Você tem medo do rio? –Belle negou com a cabeça.

—Papai pesca. Papai e mamãe me levavam pra pescar. Mamãe nadava no rio. –ela começa a contar, sem parar, como se precisasse disso – E quando mamãe adoeceu, o “dotor” disse que podia ser alguma coisa do rio.

Papai fez um carinho nos cabelos negros de Belle, que só estavam molhados nas pontas, e saiu da água.

Eu e Pablo esperamos ele voltar, enquanto ele deixava Belle com mamãe, que começava a enxuga-la. Papai voltou, e brincou comigo e com Pablo.

Belle não manteria aquele “medo” para sempre, no próximo ano, ela não se lembrava mais desse fato, que foi quando as lembranças da mãe dela começaram a sumir e minha amiga foi ficando meio... Desesperada, aterrorizada. Até que outra coisa aconteceu, que fez Belle temer aquele rio mais que tudo na vida, e mesmo assim, concordar em usá-lo como atalho para a festa do Dia das Bruxas, em 1994.

(***)

A boa notícia é que Leo e Belle ficaram amigos.

A má é que Belle ainda parecia meio tristonha, sem querer brincar.

E no final da tarde, nós recolhemos as coisas e voltamos. Belle foi com a camiseta velha e xadrez mesmo, meio avoada. Eu já estava começando a ficar curioso e irritado com a tristeza misteriosa e de causa desconhecida dela. Eu tentava brincar com ela, que brincava muito sem vontade.

Dete geralmente dormia na volta, e hoje não foi diferente. Mamãe fazia carinho nos cabelos castanhos claro da pequena, e não tinha como não dormir recebendo um carinho desses. Leo andava meio desengonçado, perto de papai, enquanto eu, Pablo e Belle íamos mais à frente.

—Vai ter bolo? É seu aniversário? –Pablo perguntou à Belle, e vi ela voltar à olhar pro chão.

—Não sei. Ano passado não teve bolo. –ela contou, mas sua voz se pareceu com a de um bebê nessa frase, por alguma razão. Seria alguma coisa em sua garganta?

—E o Chocolate? –questionei.

Belle deu um sorrisinho.

—Ele é legal. É legal ter um bichinho...

—Ele é um doce. Por isso o nome dele é Chocolate! –falei, animado. Eu realmente amava aquele cavalo, por mais que Pablo implicasse com ele.

—É... Ele é um doce. –Belle comentou, antes de se abraçar novamente e ficar olhando pro nada. O que deu nela? Mesmo assim, o pôr do sol estava lindo, com suas várias cores entrando em contraste com a paisagem meio rural. Se fosse pintor, pintaria a cena.

Comecei a imaginar uma tela, os pincéis e a tinta. Imaginei o mundo inteiro branco, e eu devia colocar a cor. Eu deveria pintar o chão de marrom, fazendo as curvas e os barrancos da estrada. Os troncos das árvores seriam marrom escuro, as copas seriam de um verde frondoso e eu me certificaria de fazê-las ficarem com o mesmo movimento que tinham agora. O mato seria de um verde mais claro, simples, todo inclinado pro sol como vários girassóis. O céu teria amarelo, vermelho e laranja, um azul nas partes mais longes do horizonte e as nuvens seriam brancas, bem dispersadas. O sol brilharia, não completamente escondido pelas árvores da floresta, cuja luz me alcançava daqui. Havia poucos pássaros voando, mas eu me lembraria de colocar cada um deles voando nesse final de tarde.

Era uma imagem muito bonita, e por um tempo foi tão real que me esqueci de Pablo e Belle, cada qual em seu mundinho também. Porém... Eu comecei a ouvir uma coisa. Um murmúrio em uma língua estranha.

Tangara Mirin, Tangara Mirin

Nhamandu ouare tamae taetcha

Nhanderu Nhanderu Nhanderu

Tangara Mirin, Tangara Mirin

Nhamandu ouare tamae taetcha

Yvy djú Yvy djú Yvy djú

(Pequeno Tangará

Pequeno Tangará

Olharei o sol nascente e verei o nosso Criador...Nosso Criador

Pequeno Tangará

Pequeno Tangará

Olharei o sol nascente e verei a Terra Sagrada...Terra Sagrada)

Quando vi, Belle estava murmurando aquela música. O que era aquilo?

—O que está falando?

Ela olhou para longe, como se quisesse chegar logo em casa.

—É uma canção que minha mãe cantava. –diz, e por algum motivo, sinto que tem algo errado e que está bem na minha frente.

—Está tudo bem? –Pablo questionou, ao que Belle apenas acena, confirmando, e volta a cantar a musiquinha. Decidimos pelo olhar deixar Belle com suas manias e o que seja isso.

E assim continuamos, até avistarmos a casinha vermelhas de Belle. Seu pai estava fora de casa, perto do balanço de pneu, conversando com duas mulheres. Uma, claramente, era velhinha, enquanto a outra tinha cabelos vermelhos presos num coque. Um carro preto parado na porta.

A velhinha tinha cabelos grisalhos presos num coque, um vestido preto longo que cobria o corpo todo e que nem ao menos marcava sua cintura, com um manto verde escuro e um colar com uma pedra vermelha. Rubi, provavelmente. Levei apenas alguns minutos para saber quem era.

E a outra usava saltos, uma calça de malha com uma blusa preta justa, além do casaquinho de lã preto que só cobria os ombros. Cabelos vermelhos presos num coque perfeito. Maquiagem. Expressão séria. Sem joias. Mais um tempo para saber quem era.

Ah sim. Tia Gina e a Cristina.

—Ei! –apontei as duas para Belle –São de uma família boa. A velhinha é a tia Gina e a mulher é a Cristina. Tia Gina é a diretora da escola de artes e danças da cidade, e Cristina é a professora de balé.

—Papai trabalha para Tia Gina. Ela é bem legal! –Pablo também comentou ao meu lado.

—O que elas estão fazendo na minha casa? –ela indaga para si mesmo, antes de ir correndo até sua casa. Vamos atrás dela, enquanto ouvia mamãe pedir para que parássemos de correr.

O pai de Belle estava parado na varanda, ouvindo alguma coisa que Regina dizia. Ela era bem séria e exigente, mas muito legal. Com seus cabelos pretos lisos, chapéu de palha, calças folgadas e camisetas xadrez, ele abriu um sorriso ao ver a Belle, e ela agarrou as pernas dele, que a puxou num abraço. Belle era parecida com ele, tenho que admitir. Mas ela não tinha cara de índia.

—Tia Gina! –eu fui primeiramente na velhinha muito legal, que era quase que a vó de todo mundo.

—Olá, meninos. Tudo bem? –ela pergunta.

—Sim... Oi Cris! –cumprimentei a ruiva, que só revirou os olhos.

—Oi, Pedro. E é Cristina.

Pablo, que chegou agora, deu um abraço nas pernas de Tia Gina, e deu um “oi” à Cristina, que foi respondido com mais carinho. Humpf, só porque meu pai não trabalha na escola de artes e dança delas.

Se bem que é escola de artes, dança e música. Eu não entendo porque ela não colocaram “E Música” no nome, mas tudo bem. Será que quando a escola foi fundada não tinha música?

—Então podemos te esperar na terça-feira, Otávio? Para reformar o piso da escola? –Cristina pergunta olhando Otávio, que mexia nos cabelos de Belle.

—Sim, sim. Estarei lá.

—E não se atrase. Seu serviço foi recomendado, mas nós não costumamos perdoar atrasos. –a ruiva continua ameaçando.

Me lembra sua filha, Emily, por um momento. E com esse pensamento um frio passa pela minha espinha, e reprimo com força o pensamento.

—É sua filha, Otávio? –tia Gina se aproxima de Belle.

—É sim, Regina, a Belle. Sabia que ela quer ser bailarina quando crescer? –vi os olhinhos verde de Otávio brilharem enquanto ele falava da filha.

—Sabe, Belle, você tem cara de bailarina. Vai ser uma ótima bailarina. –tia Gina falou, olhando para Belle.

—Vai? –Cristina retrucou, meio seca.

—Ia, sim. Eu nunca estou errada, Cristina. –tia Gina deu um sorriso, um sorriso meio que dela, ao falar sua “frase de efeito”. Iríamos ouvir muito conforme o tempo.

Logo, as duas “madames” entraram no carro preto, e voltaram por onde vieram, de volta à cidade. Enquanto eu olhava o carro sair, papai e mamãe chegaram do meu lado, e ficamos muito tempo olhando o carro levantar a poeira da terra da ruazinha.

—Belle? – Otávio a chamou – Você tem visitas, pequena.

Belle fez uma carinha confusa, e então, nós entramos na casa. Eu nunca havia entrado na casa de Belle, e me surpreendi. As paredes da sala mantinham o tom de vermelho da casa, era uma sala até que ampla, tinha uma TV muito antiga, estilo dinossauro, um sofá vermelho para três pessoas, onde estavam os pais do Pablo, o seu Vinicius e a dona Creuza. Duas poltronas, cada uma em um estilo diferente mas mantendo a cor meio dourada, várias janelas, duas lâmpadas que produziam uma luz um tanto forte demais e amarelada demais, uma mesa de madeira até que grande, que estava.... Cheia de doces? E com várias jarras de sucos? E o quê Berenice estava fazendo atrás da mesa, do lado de Analícia –que quase não aparecia por estar atrás da mesa?

Maria, que pelo visto estava perto da porta, foi até Belle muito feliz, com um sorriso de orelha à orelha, com uma velinha rosa. Belle olhava aquilo meio surpresa e ... meio triste. Ela estava mesmo triste?

Maria, quase que chorando, pegou Belle no colo. Foi até Berenice e Analícia.

—Essa aqui, Belle, é a Berê. Ela fez esse bolo maravilhoso para você, para comemorar seu aniversário. Ela não é um amor? E essa é a Analícia, a filha dela. Vocês podem se tornar melhores amigas! –ela apresentou, e Berenice sorriu para Belle. Analícia a olhava enciumada.

Que garota possessiva.

Berenice passou as mãos no avental, que mal percebi que ela usava, junto com um vestido rosa claro e um sapato fechado preto nos pés. Berenice era simples. Analícia usava um vestido rosa escuro, sapatilhas vermelhas e estava com a varinha e com os cabelos loiros soltos. Poucas vezes a vi soltar aquela cabeleira.

Me lembrando agora, a fala de Maria é ridícula. Belle e Analícia viriam a se odiar mesmo antes do que aconteceu em 1994. Belle iria sofrer tentando achar alguém que pudesse chamar de amiga só até elas e Melissa se encontraram.

—Brigada. –Belle agradeceu, e Maria a colocou no chão. Por que raios Maria me parecia tão nervosa e animada? Ela colocou a velinha no bolo redondo e até que pequeno e simples, mas que com certeza estaria delicioso, e acendeu.

Começamos a cantar parabéns. Por um minuto, durante o começo da canção, Belle sorriu. Olhou para todos nós, e deu um sorriso encantado e emocionado. Quando acabamos, Maria levantou Belle e ela, com muito esforço, conseguiu apagar a velinha ao som dos “Faz um pedido!” naturais de um aniversário.

Algumas cenas, não importa como você guarda na cabeça. Mesmo que seja quando criança. Aquele rosto da tia que você só viu quando pequeno, uma brincadeira, um lugar. Por exemplo, eu nunca viria a esquecer os domingos com minha família, talvez alguma noite com meus pais, e, por mais que essa cena estava toda embaçada e quebrada na minha cabeça, eu me lembro como que se fosse um daqueles filmes antigos, eu tinha uma boa noção do que havia acontecido naquela noite.

Belle fechou os olhos com força e ficou alguns segundos assim, de olhos fechados depois de fazer o pedido. Parecia mais esperançosa que tudo. Aí ela abriu os olhos, olhou em toda a sala por um tempo.

Aí ela começou a chorar.

—Belle?! Belle, o que aconteceu? –Maria perguntou, meio assustada, e Belle saiu correndo.

—Belle! –Otávio gritou, mas a pequena conseguiu sair pela varanda. Eu e Pablo fomos atrás dela, e sem percebermos, Analícia estava conosco.

Nós e Otávio fomos atrás dela, que ia em direção ao “estábulo”, meio que correndo, com as madeixas negras voando atrás dela. Ela entrou pela portinha pequena de madeira e ficou lá, enquanto nós a seguíamos.

Otávio entrou no pequeno estábulo e percebi a diferença com o meu. Não tinha divisórias, o chão era todo de feno, com algumas pilhas de feno nos cantos. Tinha uma janelinha no alto também, da onde eu podia ver a Lua sorrindo. Chocolate e Rubi estavam mais pra perto da porta, e eu me sentei perto deles para acariciar eles.

Belle estava num canto, sentada num feno. Estava chorando.

—Belle. –Otávio puxou Belle num abraço, e ela chorou mais ainda. – Meu amor, já passou. É seu aniversário, apesar de tudo.

Belle saiu do abraço, parecendo mais brava.

—Você esqueceu a mamãe! Me deixa sozinha! –ela gritou, e quando Otávio tentou abraça-la ela fez pirraça.

—Belle, para! – eu pedi, e ela parou, mas não me olhou. Otávio, depois de muitas tentativas, disse que a deixaria sozinha, e que estava esperando do lado de fora.

Vi que ele fez isso na esperança de que ela corresse atrás dele. Mas Belle queria chorar em paz, isso era bastante perceptível. Ela abaixou a cabeça, como que ignorando nossa presença.

—Eu disse que ela tinha morrido ano passado.... Morreu exatamente no ano passado. –ela falou, enquanto eu, Pablo e Analícia íamos até ela.

A loirinha provavelmente estava aqui para não ficar com o filme queimado perante os adultos. Afinal, ela é a “loirinha bonitinha”.

—Sua mãe morreu no seu aniversário? –Pablo perguntou. Na minha opinião, aquilo era meio óbvio.

Belle assentiu.

—Você é a órfã? –Analícia perguntou, meio que com desprezo. Belle olhou para ela, meio brava.

—De mãe, sim. Por quê?

—Nossa, deve ser horrível. Eu não sei o que eu faria sem a minha mãe, nem imagino uma vida sem a minha mãe. Seria tudo tão triste, ainda mais se ela tivesse morrido no meu aniversário... –a loirinha começa, e vejo Belle ficar ainda mais triste.

—Cala, Analícia! –exclamei.

—É a verdade. –e ela saí.

—Ela está com ciúmes de Berenice com você. É o jeitinho incrível da Analícia. –Pablo fala, e nós sentamos no feno com Belle. Ela, pelo contrário, parecia bem disposta a ficar quieta.

—Maria quer que eu me divirta, mas eu sinto falta da minha mãe. Não quero que Maria tome o lugar dela. E nem quero esquecê-la, por isso não posso esquecer o que meu aniversário significa.

—Não pode viver com isso pra sempre. –disse. –Uma hora, terá de encarar, não é sua culpa. Vale a pena passar o resto da sua vida triste no seu aniversário?

Belle não deu uma resposta, mas pareceu pensar no que eu disse. Olhou para mim, para Pablo, para Chocolate e para Rubi, para a portinha do “estábulo”. Eu poderia jurar que ela pensou:

“Ainda é o meu aniversário e não é assim que quero passa-lo”

Ela limpou as lágrimas das bochechas e ajeitou os cabelos. Era muito cabelo, e eles pareciam crescer numa facilidade muito grande.

Belle se levantou e ficou na pontinha dos pés para alcançar a tranca, e abriu a portinha do mesmo jeito que entrou. Viu? Nós não somos burros, se nos der a oportunidade, podemos mostrar que sabemos fazer. Criança gosta de aprender, do mesmo jeito que gosta de desafios e de imitar os adultos até nas coisas ruins, e principalmente, quando alguma dessas coisas ruins acontecem com crianças.

O pai de Belle estava um pouco mais para lá, e Belle deu um abraço nele. Ele pegou ela no colo, e o ouvi dizer:

—Maria e o seu Vinicius estão quase que vindo pra cá... Tudo bem?

—Vamos comer alguns doces. –Belle fala, e todos nós voltamos para a casa, para os doces deliciosos de Berenice e para nossos pais.

Belle parecia feliz.

E era bom ver todos nós felizes, até mesmo Analícia, comendo os doces. Era aquela felicidade gostosa de quem não tem muito, ao mesmo tempo em que tem tudo para dar.


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Notas finais do capítulo

E aí? Gostaram? Devo parar e me mudar de país de vergonha? People, sério, escrever dá muito trabalho por si só. Escrever sobre CRIANÇAS, 20 anos atrás, dá mais trabalho ainda. E são capítulos feitos com muito amor, vocês podem ver. Me baseio muito nas artes que minha irmã fazia quando tinha essa idade, já que eu praticamente a criei. Então comentem! Me deixará feliz! E comigo feliz, terão mais capítulos.
É, eu também achei a Analícia muito boazinha nesse capítulo, mas ela é mais fake que nota de três mesmo.
AH, vamos à uma explicação-suposição-crença da tia:
Pra mim, a morte é uma continuação da vida. Você leva suas qualidades, defeitos, medos e etc contigo pra sempre. Então... A Sangria domina o sangue? Então ela teve experiências com isso durante a vida. A Viúva vai experimentar MUITO da morte para poder controlá-la, Porta-Voz é bem comunicativo e ele vai pegar um tranco entregando recados paras as pessoas em datas especiais, enfim... E a Bailarina? O que tia Rarity planejou para ela? Alguém que cria ilusões... Ilusões são mentiras... Alguém que teve a vida cheia de mentiras...Think :v
É uma canção Guarani, okay gente? Não inventei, achei no Youtube ;v Não sou índia, não manjo das traduções, mas Tangará é um passarinho muito fofo sagrado aos Guarani. Lembrem-se dessas influências, quando a Belle ganhar a Amazonita eu vou trazer mais delas.
Eu sei que tenho mil e uma coisas para explicar, mas me perguntem em chat... Aqui eu sempre esqueço -_-



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