Retrato das coisas que se acham na minha cabeça escrita por Ped5ro


Capítulo 3
Garoa




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— Você não é feliz?

— Não!

— E o que falta?

Ele tinha os olhos de fogo e ela um de montanha, planícies e o outro dos cumes mais altos cobertos de gelo. Os dele eram sempre assim, escaldantes, castanhos, sempre um beijo, uma fixação e num segundo de eternidade que estremece e recompõe no seu piscar. E os dela eram como o azul do Universo, sábios e cadentes, que te fazem embarcar na sua fantasia e na sua realidade, fazem viajar a mente nas suas razões e faces de loucuras que o mundo ignora. Ele fala sobre as guerras e música clássica; ela sobre artes plásticas e tiro ao alvo. Ele é infeliz; ela não sabe. Ele é caótico, ela é inconstante; ele não sabe. Ela sabe; ele ignora.

— Não sei!

— Como pode você não saber? Todos sabem!

— Todos sabem?

— Claro! Por isso são infelizes, porque o sabem e o perseguem.

— Mas então?

— Nunca chegam ué! Eles nunca conseguem.

— Como posso eu conseguir então, sou tão cego.

— Cego todos somos, mas deve se escolher para o que.

— Então escolho ser cego para o mundo... Menos pra ti.

— Se estou rindo é só porque o que dizes é engraçado.

— Não ria do que eu digo agora, é verdade.

— Verdade? Não me fale de verdades.

— Pois falo, e falo já, depois já será tarde.

— Tarde!? Não precisamos de tempo, o Universo não marca hora, ele só vai, só existe.

— Mas e se um dia deixar de existir?

— Então não teremos o que lamentar!

Aí então ela segurou a mão dele, afastou a blusa fina de seda floral, coloco-a sobre o seu peito; ele sentia a pele branca e morna dela, macia, o coração pequeno pulsando entre os seus dedos.

— Queria só que você entendesse isso.

— Isso o que?

— Que não somos todos felizes, procuramos isso a vida toda. E não adianta, tem gente que não acha, que só atina em saudar a vida. E a gente faz isso sem querer, eu faço isso sem querer.

— É, por isso acho que nunca vou te descobrir. Sei coisas sobre você, mas sinto que nunca vou conseguir definir quem você foi, é... Prefiro assim. Prefiro o beijo de um desconhecido, sinto que nunca mais vou vê-lo.

— E como pode ter tanta certeza? Esse mundo é menos do que parece e gira mais rápido do que dizem, pois veja que já é dia.

— Não percebi tal tempo.

— Nem eu! Achei que existisse só nós. Queria que fosse assim pra sempre.

— Não diga “pra sempre”, não diga isso. Nada é pra sempre. Mas não fique assim, podemos recordar!

— Sim.

— Temos que saudar a vida, como jovens e velhos. Deixar as coisas por fazer e esvaziar e tornar a mudar tudo de lugar. Somos todos felizes e infelizes, mas nunca pra sempre.

A mão dele se afastou e o peito dela desapareceu. E tudo pareceu por instantes o fim, até ele piscar os olhos, até ela lhe dizer que até o mundo suspira, como sentir-se saudar.


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