Naquela situação, eu não sabia dizer se Eron tinha um timing perfeito ou se era apenas muito incoveniente. Tá, ele tinha me livrado da armadilha de Alice, mas eu não queria ter que aguentar ele outra vez.

— Eron? O que você está fazendo aqui? – perguntei.

— Eu vou te matar! – ele berrou do alto da árvore. Isso era ridículo! Tínhamos deixado Eron com comida e água e ele agradece tentando me matar outra vez?

— Eron? – Alice falou. - Você voltou pra cá, seu fracassado?

A voz dela parecia ter desconcertado Eron por completo. Embora estivesse no alto, deu pra vê-lo empalidacer.

— Alice... Acredite, não tenho o menor prazer em voltar pra cá.

— Mentira. – ela retrucou.

— E-espera... – Piper cortou. – Vocês se conhecem?

— Ah, o Eron não contou seu segredinho? – Alice perguntou, com tom sarcástico.

— C-cale-se, Alice! – gritou Eron.                                

Alice riu com desdém e estalou os dedos. Vários cipós se prenderam em Eron, trazendo-o para o chão.

— Me solte, sua maldita!

— Você nem devia voltar para cá, seu inútil.

Aquela reviravolta tinha me deixado completamente perdido. Alice tinha dito que Eron não devia ter voltado para a Casa dos Imortais? Mas só Herdeiros de Titã viviam aqui...

— O Eron... – eu começei. – Ele é...

— Era. – Alice me interrompeu. – Eron era um Herdeiro de Titã.

*****

— Era? Como assim, ele era? – perguntou Lucy.

Eu devia ter censurado Lucy por estar conversando tão casualmente com Alice daquele jeito, mas a verdade é que eu também queria saber o que estava acontecendo.

— Esse inútil já foi um de nós. – Alice disse com desprezo, olhando para Eron. – Ele era o Herdeiro de Jápeto, o Empalador. Mas há alguns anos, o titã perdeu sua memória e, com isso Eron tinha perdido boa parte da proteção de Jápeto.

Então era isso que Eron havia tentado dizer, da outra vez. Ele era o ex-herdeiro de Bob.

— E, mais recentemente, o titã Jápeto foi morto traindo seus irmãos. – Alice continuou. – Um herdeiro sem um patrono não tem utilidade para nós. Ainda mais um cujo patrono era um traidor que se aliou aos semideuses.

— Cale a boca! Alice! – Eron exclamou. Alice estalou os dedos e as plantas o prenderam com mais força.

— Vermes como você é que deviam ficar calados.

Aquilo era absurdo! Eron era um deles, um dos Herdeiros de Titã, e agora estava sendo tratado como lixo? Eu já tinha me tocado que esses caras eram loucos e tal, mas agora estavam descartando um companheiro como se fosse algo sem a menor utilidade. Mesmo pra “vilões”, isso era muito, muito baixo.

Diante de uma situação absurda como aquela, tomei uma decisão igualmente absurda. Foi tão rápido que, quando fiz, nem mesmo percebi que havia feito.

— David?! – exclamou Piper. – O que está fazendo?

— Corram! – exclamei.

Eu tinha pego minha foice e derrubado Alice no chão. Cortei as plantas que prendiam Eron e tentei carregá-lo.

— Vamos rápido! – eu exclamei. Piper e Lucy já estavam indo na frente.

— A minha lança... – Eron disse. Tranformei a foice em relógio e peguei a lança dourada dele. Eu já tinha feito muita bobagem até chegar aqui, então fazer uma loucura a mais não seria nada.

Corri o mais rápido que consegui carregando Eron e a lança, e alcançei as garotas em um espaço aberto, mais à frente. Elas não me olhavam com as melhores caras.

— Por que trouxe ele? – perguntou Lucy, apontando para Eron.

— Ele não está com os herdeiros. – respondi. – Não mais, pelo menos. E não seria certo deixá-lo à merce de Alice.

— De qualquer forma, temos que dar o fora daqui o quanto antes. – disse Piper. – O problema é achar a passagem para o próximo quarto no meio dessa floresta.

— É... pra lá... – Eron apontou para um lado, com dificuldade. – É... era... o meu quarto...

Nos entreolhamos. Não era certo deixar Eron ali pra morrer, mas a questão era se podíamos confiar nele.

— Eu seguro ela. – Piper falou por fim. – Vocês seguem em frente. Não podemos mais perder tempo aqui e, ainda que ele esteja mentindo, pelo menos poderão procurar a saída enquanto eu ganho tempo.

Eu e Lucy assentimos com a cabeça. Piper se levantou e correu para um lado, enquanto nós carregávamos Eron na direção que ele apontara. E, realmente, lá estava a passagem para o quarto seguinte. Passamos sem perder mais tempo e fechamos a porta.

*****

Depois de seguir pelo corredor, entramos no que um dia fora o quarto de Eron, como herdeiro de Jápeto. Antes devia ser um lugar de muito orgulho e até grandiosidade. Eu podia ver o que uma  vez foi uma lareira quente, com tapetes e poltronas ao redor, e agora era um buraco velho, empoeirado e muito menos do que a sombra do que foi no passado.

Apesar disso, Eron parecia muito confortável naquele lugar. Eu e Lucy o carregamos até uma das poltronas empoeiradas e o sentamos ali.

— E o que faremos agora? – perguntou Lucy.

— Não podemos seguir em frente com ele. – respondi, apontando para Eron. Não poderíamos carregá-lo conosco até o fim.

— Eu ficarei aqui... – Eron disse. – Era para cá que eu queria vir, há tanto tempo...

Encaramos Eron.

— Eu era o herdeiro do titã Jápeto. – ele disse, com o olhar distante. – Meu patrono era o senhor da mortalidade, e governava ao lado de Cronos. Foi o pai de Atlas, Prometeu e Epimeteu. Isso me tornava o guerreiro mais letal da Casa dos Imortais e muito respeitado. Mas quando ele caiu nas águas do Lete, por causa de Percy Jackson, perdi parte de minha proteção e minhas habilidades foram questionadas. E quando ele morreu, fui banido da Casa dos Imortais.

Então essa era a história de Eron. Ainda não concordava com as ações dos herdeiros de titã, mas ele só estava tentando manter sua vida como sempre fora. Era um sentimento contraditório, uma vez que ele queria matar a mim e a Percy.

— E por que matar o David? – Lucy perguntou.

Eron olhou para ela, cansado.

— Vingança. Todas as esperanças dos herdeiros estavam em David. Sem ele, tudo o que eles pretendem vai ao chão. Eles tiraram tudo de mim, e eu quis dar o troco.

— Então foi você que mandou aquele domador de cães, Hedi, atrás de nós. – conclui.

Eron respirou fundo.

— Uma das últimas coisas que ainda conseguia fazer era comandar espíritos baixos, como o dele.

Suspirei e andei um pouco pelo quarto, tentando colocar meus pensamentos em ordem.

— Estamos aqui pra impedir seja lá o que for que os herdeiros estão tramando. – eu falei, por fim. – Então, talvez possamos nos ajudar.

— Do que está falando? – Eron me perguntou.

— Você deve saber do plano dos herdeiros. Me diga o que tem no últmo salão, e eu garanto que vou por um fim na festa deles.

Ele me encarou por um tempo, antes de responder.

— O núcleo da foice de Cronos. – ele disse.

— Como? – perguntou Lucy.

— É uma peça que conecta a foice ao Cronos. – Eron explicou. – Digamos que é uma parte dele que faz com que possa usar a foice.

— E por que eles teriam isso aqui? – perguntou Lucy.

— Cronos ficou gravemente ferido depois da Batalha de Manhattan. Para reaver seu poder, ele precisa que seu herdeiro empunhe o núcleo contra semideuses, e absorva suas vidas. – ele continuou.

— Está dizendo que o núcleo alimenta Cronos, sugando a vida de semideuses? – perguntei.

— Algo assim. – Eron respondeu. – Depois de algumas vítimas, Cronos estaria forte o bastante para se recuperar sozinho, e em um ou dois anos os titãs se reergueriam, com a ajuda de seus herdeiros.

— Então se destruírmos o núcleo... – eu falei.

— Cronos não conseguiria se reerguer. – disse Eron. – Não seria o bastante para destruí-lo, como aconteceu com Jápeto. Mas definitivamente iria detê-lo por centenas de anos.

— E como destruímos o núcleo? – perguntou Lucy.

— A princípio, é impossível. O núcleo em si é um cristal indestrutível, mas quando se liga a algo orgânico, como o corpo de um semideus, passa a se tornar igualmente frágil. Nesse estado ele pode ser destruído, mas precisam ser rápidos antes que o corpo se consuma por completo.

— Isso leva quanto tempo? – perguntei.

 - Não mais do que um minuto, eu acho. – Eron respondeu.

O núcleo de Cronos e um minuto pra destruí-lo. E pra isso um de nós teria que segurá-lo.

— Você é filha de Apolo, não? – Eron disse para Lucy.

Lucy se virou para Eron, desconfiada, e assentiu com a cabeça.

— Então... melhor te entregar isso. Vão precisar para destruir o núcleo de Cronos.

Lentamente Eron se levantou, apanhou sua lança dourada e a colocou nas mãos de Lucy. Imediatamente, a lança começou a brilhar, a diminuir de tamanho e em poucos segundos, ela segurava uma flecha dourada.

— Isto é... – Lucy perguntou.

— Vocês devem conhecer como a “flecha de Apolo”. – Eron explicou.

— A flecha de Apolo?! – Lucy exclamou. – Mas ela foi roubada...

— Por Jápeto. – disse Eron. – E ele a deu para mim para mim, para que eu a usasse como uma lança. Mas eu já não tenho mais capacidade de usá-la, então é melhor que vocês a levem. Mesmo com o núcleo de Cronos ligado a alguém, ainda seria necessário algo poderoso para destruí-lo. E essa flecha deve dar conta do recado.

Agora tínhamos a última peça do jogo com a gente.

— O próximo quarto é o de Emily, a herdeira de Hélios. – Eron disse, se sentando outra vez. – Tenham cuidado... ela é bem durona.

— Então temos que ir logo. – falei. – Eron, vai ficar bem?

— Vou. Depois de tanto tempo, é bom poder voltar pra cá.

Assenti com a cabeça, e eu e Lucy seguimos para a porta seguinte.