Avalanche escrita por Aarvyk


Capítulo 23
Segredos


Notas iniciais do capítulo

Amigos, preparem-se. Temos algumas informações sobre Igor nesse capítulo.



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— Um drinque, senhorita? – o mordomo perguntou, estendendo sua bandeja de prata com várias taças de champagne.

Eu o encarei temerosa por alguns segundos, mas acabei levando o espumante aos lábios. Fazia um bom tempo que o álcool não descia pela minha garganta, as memórias de meu pai bêbado eram sempre uma barreira para que eu caísse na bebida. No entanto, aguentar a festa em homenagem a união da Rússia e de Illéa era um dever que tinha que cumprir, sabia que as Selecionadas haviam preparado tudo, que Alexander estava contando com minha presença e que era meu dever como uma maldita princesa.

O príncipe tinha garantido que ninguém criticaria minhas ações na reunião, porém, isso não impedia os olhares estranhos de Mason sobre mim. O garoto conseguia ser incrivelmente chato quando assim desejava ser. Notei Marian e outra Selecionada tentarem chamar a atenção do príncipe-herdeiro, que por fim parou de prestar tanta atenção em minha presença.

Bebi o resto do champagne, partindo para o próximo copo de algo que eu mal sabia se tratar. Quando minha língua amargou, soube que era um bom scotch whisky, o que me fez agradecer a coincidência do destino. Minha mente começava a dar pequenos giros, tão leves que não me importei de continuar com aquilo.

Illéa estava a salvo. Meu irmão seria rei. O que mais eu poderia perder?

Printsessa— A voz de Igor foi como um tiro em minha consciência, alterando as percepções do mundo ao meu redor.

Virei-me para encará-lo, com uma coragem que só o álcool poderia me fazer ter. O semblante do russo era uma expressão diferente, um misto de receio e dúvida. Igor não vestia nem sequer um resquício de sua máscara de sarcasmo, mal se atrevia a rir diante de mim após o que havia acontecido.

— Parabéns pelo filho. Não tive a oportunidade de dizer antes... – sorri com a mesma ironia que ele costumava usar com todos, talvez Igor sempre estivesse bêbado para agir daquela forma.

Dei alguns passos firmes, porém desengonçados.

 — É uma menina. Arvyn Kublai-Pyetov. – disse, aproximando-se um pouco mais de mim ao dar ênfase no nome tão parecido ao meu. Não expressei reação, não sabia se me sentia feliz de verdade, mas admitia a honra que existia naquele ato. – Será que podemos conversar?

Bebi mais. Já estava certa de que aquele momento chegaria, foi um dos motivos que me levaram a festa também. Depois da minha ameaça na reunião, eu sabia que meu ‘caro amigo’ não voltaria para casa sem me dar o prazer de uma conversa cara a cara.

— Se prometer não omitir os fatos dessa vez... – bufei.

Estávamos em um canto do salão que não haviam muitos fotógrafos. Como Yekaterina estava ao lado da rainha e das Selecionadas, ela era a maior celebridade para os fotógrafos, que queriam captar todos os ângulos da futura rainha russa.

Igor suspirou, dessa vez realmente com pesar.

— Seu temperamento é muito previsível, Avery. – Seus olhos negros nunca estiveram tão chateados antes, talvez fosse uma decepção consigo mesmo. – Tem coisas que você não notou e não me era permitido contar... Tentei te dar algumas dicas, te influenciar, até elogiei seu colar na última vez que nos vimos. Mas mesmo sendo previsível, você não é nem um pouco influenciável.

Tentei assimilar as palavras com meu cérebro lento à medida que o álcool me tomava. Pelo menos ele não me via como uma tola, os motivos de suas omissões deviam ser bem mais sérios que isso.

— Por que Thomas não queria que eu e Cameron soubéssemos disso tudo? – tentei falar baixo, mesmo a voz saindo como uma navalha afiada de minha garganta.

Igor estremeceu, olhando de um lado para o outro como se garantisse que ninguém em específico nos escutava. A música era alta demais para nos abafar, e as risadas das Selecionadas conversando com Mason ecoavam por todo o salão. Alexander garantiu que estaria comigo naquela noite, mas eu sabia que ele estava ocupado demais conversando com o rei sobre alguma coisa relacionada ao meu comportamento, ou tentando evitar os fotógrafos de irem em minha direção.

— Thomas lutou bravamente na Ucrânia. – Igor engoliu em seco, parecia atormentado por memórias de guerra. Outro ponto em que éramos parecidos. – Talvez você não se lembre direito de quando ganhava de mim no xadrez... Éramos crianças, só que eu sou uns dois anos mais velho, caso não saiba...

Respirei fundo, enquanto as memórias de uma década atrás retornavam. Era verão quando recebemos rei Sergey em Buckingham, minha mãe ainda estava viva e radiante, Thomas me ensinava xadrez nas horas vagas e lia histórias para Cam, Edwin rabiscava as paredes com sua pouca idade e Desmond não era tão horrível, apenas ausente. Parecia ser outra vida, longínqua e consumada.

— Lembro um pouco. – comentei, focando minha visão em um ponto na parede atrás de Igor. – Você conheceu minha mãe, inclusive. E eu nunca vi a rainha da Rússia.

— É porque ela morreu cedo. – Igor engoliu o líquido de seu copo de uma só vez, buscando ar fresco na porta ao nosso lado que dava para uma sacada. Eu o acompanhei, sedenta por respostas. – Meu pai casou-se com minha mãe quando ela era bem jovem. Foi a mulher mais bonita que já existiu na Rússia...

— Foi? – questionei, sentindo o vento fustigar meus cabelos.

— Sim. – Suspirou. – Ela morreu no meu parto. E depois disso os meus irmãos foram frutos de casos que meu pai teve por aí... Alguns bastardos, outros filhos de casamentos que duraram por alguns anos... Nenhuma outra mulher foi coroada rainha depois da minha mãe. Meu pai a amava muito, não tinha como não amar.

Senti mais peças se encaixarem dentro de meu cérebro lento, e acabei por beber todo o resto do whisky em meu copo de uma vez só. A coragem da embriaguez me abraçava como se fôssemos amigas.

— Por isso você o adoeceu? – Igor não esboçou surpresa com minha pergunta, apenas assentiu com a cabeça devagar.

— Não tive escolha. – Ele virou-se de costas para não me encarar, observando o céu estrelado de Illéa. – Meu pai começou a levar o seu mal humor para os meus irmãos mais novos. Inclusive... Quando perdi no xadrez para você, eu sabia que iria levar uma surra só pelo olhar que ele me lançou. Fiquei aterrorizado... – em um leve relance, nossos olhares se encontraram, e eu entendi exatamente o que Igor sentia.

Meu coração acelerou não somente pelos efeitos do álcool, parte de mim sabia bem o que era estar aterrorizada.  

— Thomas e sua mãe me salvaram naquele dia. – Continuou, pude ver gotículas formando-se em sua testa pelo nervosismo. – Thomas disse ao meu pai que eu estava te deixando ganhar, como uma cortesia. E a rainha Miranda apenas confirmou, mentindo sobre suas habilidades no jogo... Bom, aquilo me livrou de um destino horrível, Avery... Eu podia ter sido espancado até a morte, não duvidava do meu pai em nada.

O russo ficou cabisbaixo. Havia revelado um segredo que talvez nem Cam sonhasse. Ninguém pensaria que alguém tão forte quanto Igor fosse sofrer com algo do tipo. A dívida entre mim e o russo baseava-se puramente nas atitudes de minha mãe e de Thomas. Pensar nela me doía, eu sabia que se estivesse viva, teria me salvado como fez a Igor.

Coloquei a mão ao peito. Tudo em mim parecia doloroso em alguns momentos.

— Por que Thomas não queria que eu soubesse? – repeti a mesma pergunta com ainda mais força no timbre, perdida nos desvios de Igor sobre seu pai. Reis frívolos era a última coisa que eu estava disposta a falar sobre.

—  Ele tem os motivos dele, não o questione... Um dia você irá entender...

Grunhi de raiva, indo rapidamente para dentro do salão apenas para pegar mais dois copos e voltar a encarar o príncipe russo, que estava quase imóvel em sua postura melancólica.

— Pelo menos... – traguei o whisky em uma golada. – Pelo menos você poderia ter me contado que conhecia o Thomas... No fim, ele te salvou do seu pai, mas me deixou às custas do meu.

Minha respiração arfava. Nunca havia deixado a verdade tão à mostra sobre Desmond, talvez o ímpeto da bebida aliada ao meu temperamento fosse de fato uma maldição de família. Eu me sentia insana.

— Acha que só você levou algumas surras? – encarei Igor de forma colérica, enquanto bebia o resto do outro copo ao notar o olhar apavorado do russo.

— Por Deus, Avery... – rebateu, caminhando em minha direção furioso.

Ele agarrou meu braço, o que fez um dos copos cair no chão e se estilhaçar. Os dedos de Igor eram fortes o suficiente para deixar marcas na minha pele branca, mas eu nem sequer pensei naquilo, afundada em um transe mefistofélico dentro de mim mesma, esbravejando ao mundo tudo o que eu continha a anos.

— O que ele fez com você? – perguntou, o tom de voz autoritário e os olhos misturando-se entre preocupação e dor. – Me diga!

Demorei vários segundos para notar a ferocidade de Igor. Minha mente apenas me dizia que talvez tivesse feito algo completamente errado.

— Não é da sua conta. – Lágrimas vieram conforme gritei as palavras, chamando mais atenção do que deveria. – Não ouse contar isso a ninguém!

Vi vultos lançando olhares para a nossa cena, o que fez com que Igor largasse meu braço com o máximo de sua delicadeza no meio daquele pandemônio. Cambaleei um pouco para trás, vendo tudo girar como se as luzes do salão fossem Londres no Natal. Escutei o outro copo cair de minha mão.

Em um dado momento, meus pés tropeçaram-se um no outro, o que me fez cair para trás como se estivesse me jogando em um abismo. No exato momento em que meu corpo ia de encontro ao chão, senti braços firmes enlaçando minha cintura como uma armadura, sem me deixar cair no azulejo gelado.

Ergui minha cabeça sentindo o mundo rodar novamente, deparando-me com o olhar enraivecido de Alexander na direção de Igor, que estava parado e transtornado pelas palavras que sem querer falei. Merda.

— O que está acontecendo aqui? – O príncipe foi firme em cada vogal, tão intimidador que talvez nem o mais frívolo russo ousasse deixá-lo sem resposta.

— Você precisa protegê-la. – Escutei a voz de Igor batendo como um tambor ao longe, fazendo minha cabeça doer. – Ainda vão ter mais coisas pela frente. Você precisa ficar ao lado dela, entendeu?

Suspirei, sentindo meu corpo cada vez mais leve e Alexander cada vez mais perto. As palavras ao meu redor entravam pelos ouvidos, mas eu não conseguia sequer distinguir os significados. Nada no mundo importava além da sensação de segurança que eu sentia após ter me exposto tanto.

As cores vermelhas e áureas da festa brilhavam com gosto ao meu redor, tentei erguer minha mão para tocar algo cintilante em um determinado momento, e meus dedos foram de encontro ao rosto do príncipe que me carregava. A pele dele brilhava como se estrelas tivessem deixado um rastro ali, dourado e bronze em uma cor só.

— Você... está lindo. – Balbuciei sem nem escutar minha voz.

Um riso nervoso soou distante, e quase enxerguei sua expressão tímida tomar conta. Como resposta, eu soltei alguns risinhos bobos enquanto fechava os olhos. Estava incapaz de tomar atitudes racionais. Tudo era impulso e sentimentalismo.

— Estou te levando para seu quarto, princesa. – disse em meu ouvido.

Ao meu redor não haviam mais luzes de festa ou nada do tipo, apenas os corredores escuros do castelo à medida que seguíamos para os meus aposentos. Sem saber exatamente o que fazer, aconcheguei-me em Alexander sem hesitar. Aquela sensação era ótima. Lembrava-me os tempos com Jasper, mas era diferente de todas as formas. Sentia, pela primeira vez, que estava longe da família real inglesa, leve e solta, sem problemas com meu pai ou a família Schmidt. E, por algum motivo, aquela sensação de liberdade era melhor do que ser rainha.

Tive um leve vislumbre de quando as portas se abriram, e do meu corpo sendo colocado na cama macia com excesso de cuidado e delicadeza. No entanto, quando os braços de Alexander se tornarem minimamente distantes de mim, eu o agarrei com o máximo de meu reflexo embriagado. Sua pele pareceu estremecer em meio as sombras do quarto.

— Não me deixe... – cada som saía com um peso diferente dos meus lábios, minha cabeça ainda girava em demasia e não queria enfrentar aquela sensação sozinha.

O peso do meu corpo parecia me puxar para baixo, como se duas gravidades atuassem sobre mim. No meio daquela loucura, puxei Alexander em minha direção, fazendo o príncipe se desestabilizar e cair ao meu lado na cama, um pouco ofegante com o movimento brusco.

— Avery, você está bem? – disse, tocando meu rosto com uma de suas mãos.

Estávamos um diante do outro, e eu podia enxergar apenas algumas feições de seu semblante preocupado dada a falta de luz.

Soltei um risinho esquisito, mordendo os lábios logo em seguida e falando a primeira frase que veio em minha cabeça:

— Pior, impossível.

— O que Igor estava falando com você? Ele parecia furioso. – Seus dedos em meu rosto faziam carinho em meu queixo, e por um longo momento me dediquei apenas àquela sensação.

Tentei recordar o que havia acontecido entre mim e o russo, não demorei muito para constatar que aquilo não era um assunto que deveria ser falado. Minha inconsciência tomava rumo pelos cantos de minha mente, o que só dificultava minha análise dos fatos; No entanto, a parte sóbria trancava meus assuntos paternais às sete chaves.

—  Não ligue para isso... – Aproximei nossos rostos, as testas se tocando como um encontro do meu gelo com o calor dele. Meus sentimentos pareciam entrar em emoção. – Vamos aproveitar enquanto eu não volto praquele inferno...

Mesmo com a pouca iluminação, enxerguei seus olhos surpresos a poucos centímetros de mim. Tão rápido quanto um estalar de dedos, inclinei-me para beijá-lo no mais puro dos instintos. Meus lábios se moviam com uma lentidão alcoólica e intensa, ansiando pelo mesmo desejo que eu havia negado naquele dia nos estábulos. Por mais que Alexander tivesse levado alguns segundos para retribuir o beijo, ele logo moveu sua língua junto a minha, o que me fez derreter por inteiro.

— Tem certeza? Você não está bem... – sussurrou em algum momento, sua respiração entrecortada apenas revelava o desejo recíproco.

Eu o calei com mais um beijo, dessa vez mais intenso do que todas as vezes anteriores, agarrando seus fios loiros com uma delicadeza selvagem. Por mais que eu quisesse, nem mesmo bêbada tinha coragem o suficiente para mostrar minhas cicatrizes ao príncipe, mas eu sabia que depois do que havia acontecido ente nós, ele não iria ousar tocar nos botões de meu vestido.

— Foi um erro te negar, Alexander... – falei baixinho, sentindo suas mãos segurarem meu rosto pesado quando pronunciei seu nome. Eu quase nunca o chamava daquela forma.

A insanidade me percorria junto com as sensações de cada beijo, tudo parecia mágico com nossos lábios entrelaçados. O toque dele em minha cintura oscilava entre ser respeitoso ou se entregar de vez ao instinto maior que nos unia. Por mais bêbada que eu estivesse, conseguia distinguir muito bem o bom do ruim, e tudo aquilo era extremamente prazeroso.

Minha cabeça latejava conforme nos movíamos na cama, tentando ficar cada vez mais unidos apesar das roupas que não poderiam ser tiradas. Em outro impulso selvagem, puxei Alexander pelo tecido de sua camisa, colocando-o por cima de mim entre os lençóis, com uma mão apoiada em cada lado de minha cabeça.

Foi então que ele parou de se mover, senti seus olhos fitando meu corpo e o vestido justo de cetim azul marinho que eu usava. Meus fios de cabelo estavam grudados nas têmporas pelo suor, e minha respiração era bufante. Um milhão de coisas implodiam dentro de mim, nunca havia me sentido daquela forma. Era adrenalina e êxtase, junto a lascívia que subia pela minha espinha.

Fechei os olhos por alguns curtos instantes, sentido os dedos de Alexander acariciarem levemente minha bochecha. À medida que seu toque se esparramava pela minha pele, eu me envolvia em um cansaço mental e físico aliado a segurança de sua presença. Ele era tão protetor que poderia travar uma guerra secreta por alguém.

— Até bêbada você fica uma gracinha. – disse, antes de dar um beijo cálido em minha testa. Aquilo era como o paraíso depois de ter vivido no inferno, e não me importei em soltar um sorriso desajeitado. – Tente descansar agora, por favor...

Meu corpo parecia pesado de repente, assim como minhas pálpebras. Logo senti Alexander me ajeitar com cuidado na cama, colocando minha cabeça em seu colo como se eu fosse uma criança. Meu braço instintivamente foi para o seu peito, meus dedos tocavam seus músculos como se acariciasse uma joia preciosa.

A sensação de calor e entorpecimento tomou meu corpo por completo depois de alguns segundos. Ao longe, a voz do príncipe pareceu me perguntar algo, no entanto, só pude me render ao sono que me rondava.

Pela primeira vez na vida, eu não sentia nenhum problema me corroendo.


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Notas finais do capítulo

Compatriotas, o que acharam de Igor? Estava aguardando ansiosa por vocês saberem desse capítulo!
Além do mais, Barcelona ganhou. Parabéns ao Laurent por isso. Como sempre posto nas notas os resultados do Real Madrid, acho justo que Barcelona seja mencionada também.