Avalanche escrita por Aarvyk


Capítulo 10
Abalo


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura! Capítulo novinho saindo do forno :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/568723/chapter/10

            Eu cobria minha boca com uma das mãos, encarando o futuro monarca de Illéa com tanto orgulho que meus olhos podiam sangrar. Príncipe Mason fez questão de ditar sua estratégia militar antes de mim, criando expectativas no rei que eu sabia que não seriam atendidas. A suposta filha de August Whitaker não parecia concordar tanto com o que ele dizia, olhava para o pai como se pedisse ajuda.

            — A priori, podemos atacá-los no Sul com nossas forças aéreas afim de que parem de se esconder... – ele dizia, insistindo em algo que não podia dar certo. – Dificilmente perderemos soldados. E isso nos dá abertura para uma estratégia em campo, em que nosso exército acabe com as reminiscências dessa organização e liberte os civis daquelas áreas...

            Revirei os olhos ao escutar a última parte. Como iriam libertar a população civil depois de matar todo mundo com um ataque aéreo? Era patético demais para ser verdade, o mínimo de análise com três neurônios funcionando confirmaria isso.

Quando voltei a prestar atenção nas palavras de Mason, senti seu olhar irritado sobre mim. Eu devolvi na mesma moeda, sem me importar com as consequências. Por um leve instante, notei que Alexander se divertia olhando o rosto do irmão e o meu. Talvez fosse cômico visto de um ângulo diferente.

            — Qual o problema, princesa Avery? – o príncipe herdeiro perguntou, seu tom ríspido era bem pior que o de Alexander no mesmo estado.

            Abri meus lábios, pronta para começar a questionar as mil e uma falhas daquela estratégia imbecil. Meu cérebro se esquecia completamente de que o rei de Illéa nos encarava com um semblante pensativo demais para estar calmo.

            — Muitos. Mas isso não vem ao caso. – August me cortou, talvez para evitar piores discussões. – Agora deixemos a princesa dizer seus pensamentos.

            Todos me olhavam com grande curiosidade, eu sabia que aquele era o momento de fazer jus aos elogios de Archibald Schmidt. E também o ponto crucial para adiar meu casamento por pelo menos uns cem anos. Rei Maxon suspirou alto, encarando Alexander.

            — Qual foi a sua parte nisso? – perguntou, a voz séria e autoritária.

            O filho o olhou como se fosse uma criança pedindo desculpas, sorria ironicamente para o monarca, que apenas balançou a cabeça em forma de desaprovação e voltou a esperar por minha resposta. Mais uma vez a inveja bateu forte dentro de meu coração. Eu sabia que se agisse daquela forma com meu pai seria surrada como um animal. Por outro lado, a advertência do rei de Illéa soava mais como uma preocupação paternal.

            E pela primeira vez em muito tempo, senti um pouco de liberdade tomar o meu corpo. Uma parte de mim não queria concordar com o que Cam havia escondido, entretanto, apenas pensar que ninguém me machucaria em Illéa já deixava o ar em meus pulmões mais leve. Soltei um pequeno sorriso com aquilo.

            — A Nova Inglaterra passou por uma situação similar há alguns anos – comecei a explicação, meu timbre era firme e claro. – Confio que seja sábio espionar a Sociedade do Sul, não é bom subestimá-los. Precisamos descobrir a procedência dos mercenários que contratam, assim como dos armamentos que utilizam para barrá-los. Baseado nos resultados, é viável montar equipes táticas de poucos soldados, mas que sejam muito bem treinadas. Isso limitaria muitas perdas. – Pensei por mais alguns momentos para ter certeza de que não havia esquecido nada. – Aliás... A Seleção pode enfurecê-los mais ainda, seria inteligente reforçar as defesas aos civis do Sul e as famílias das Selecionadas, o castelo já parece ser bem fortificado.

            Quando terminei de falar, vi que o semblante do rei parecia satisfeito, o general ao seu lado havia colocado uma de suas mãos no ombro do monarca, talvez como um gesto sutil de apoio entre ambos. No entanto, o príncipe herdeiro não estava nada feliz, levantando o queixo como se tivesse algum tipo de altivez superior à minha.

            — E como você pretende suprimir uma grande organização com “equipes táticas de poucos soldados”? – Mason vociferou.

            Ao meu lado, vi que Alexander havia se inquietado na poltrona. Suas emoções contidas começavam a sair.

            — Da mesma forma que fizemos no meu país. Deu certo e nos tornamos mais fortes. – Respondi, tentando manter a calma que já nem existia.

            Mason mostrava-se uma verdadeira fera, os olhos me fitavam com rancor, e o lado adormecido de sua personalidade mesquinha parecia estar acordando. O que ele não sabia é que eu podia ser mais perigosa do que uma fera.

            — Deu certo? – o príncipe herdeiro riu com o máximo de sua arrogância. – Vocês perderam sua rainha!

            Fechei os olhos no mesmo instante.

Foi como uma faísca potente que levava a uma explosão de caos. Logo, a insanidade corria por minhas veias à medida que a fúria se instaurava em meus olhos. Meu corpo não se mexia, mas meus músculos estavam prontos para matá-lo. Ninguém falava assim da minha mãe. Ninguém mancharia sua imagem e sairia ileso.

            — Mason! – rei Maxon levantou-se de sua cadeira, gritando de um jeito que todos ficaram assustados.

            Tentei pensar em como os pais do monarca haviam falecido no meio do ataque rebelde. Nada poderia ser pior do que a morte da rainha Miranda. Os gritos e a dor estremeciam meu corpo, misturavam a fúria e o trauma em único sentimento assassino que me corroía.

            Eu ainda precisava mostrar que poderia ser útil a Illéa, mas se degolasse o filho do rei em sua frente não teria chances nenhumas disso. Respirei fundo algumas vezes, olhando fixamente para um ponto no chão. Não estava funcionando. O trauma vencia a fúria, e eu só queria me suicidar de uma vez por todas ao lembrar da dor que carregava comigo.

            No meio daquele caos interno, senti o calor de Alexander, o rosto dele se aproximava do meu com cuidado.

            — Vamos sair daqui. – Seu timbre era como uma ordem.

            Ele pegou delicadamente em uma de minhas mãos, guiando-me junto de August para uma sala de estar pequena, que ficava no mesmo corredor do escritório. Mesmo distante, eu podia escutar o monarca chamando a atenção do filho. Ele parecia partilhar dos meus sentimentos de luto.

            — Fique aqui com August. – O príncipe pediu, encarando meus olhos com uma certa melancolia. – Vou pedir um chá e alguma coisa para comermos.

            Ele sumiu pelos corredores tão rápido que mal pude notar a direção que caminhava, deixando-me sozinha com os olhos curiosos de August Whitaker. Continuei expirando o ar por vários momentos, sentindo-me mais calma e menos pensativa que antes. As lembranças de minha mãe quase sumiam por completo.

            — É um belo colar.

            Demorei alguns segundos para notar que o conselheiro falava comigo, seus olhos fitavam o leão prateado com um fascínio que ia além de sua curiosidade por mim. Ele possuía uma presença bastante agradável.

            — Foi um presente de um amigo – respondi, sorrindo um pouco ao me lembrar da família Schmidt, em especial de Jasper.

            Depois disso, não demorou muito tempo até Alexander voltar com duas criadas e opções de doces e lanchinhos para que eu comesse. Achei aquilo amável de certo ângulo, se assimilando a gentileza da rainha de tratar as pessoas. Ele parecia não deter um lado horrível de sua personalidade como Mason ou meu pai, constatar aquilo me deixava mais tranquila. Porém, quando lembrava que estávamos comprometidos, minhas emoções esfriavam em um estalo.

            Sentamos em uma pequena mesinha na sala de estar, um de frente para o outro. O chá foi servido em segundos, e com um curto gesto de mãos, as criadas foram dispensadas. Notei que August também não estava mais ali, ele fora sorrateiro em sua retirada.

            O príncipe a minha frente me olhava receoso, mas pela primeira vez eu sentia toda a sua atenção em mim, sem indiferença ou distrações. Senti a vergonha subindo por minhas bochechas e logo tratei de beber um pouco de chá para evitar olhá-lo.

            — Peço desculpas pelo meu irmão. Não vai acontecer de novo. – disse, sua voz soava verdadeira.

            Neguei com a cabeça.

            — Não se preocupe. – A raiva ainda estava presente em mim, mas já me sentia bem melhor ali. – Passei por várias situações assim antes.

            E era verdade. As pessoas se questionavam sobre a morte de sua aclamada rainha na Nova Inglaterra, a mídia sempre queria mais conteúdo e não importava quantas vezes havíamos mentido sobre um ataque cardíaco por nervosismo. Eles queriam saber tudo, desde os últimos momentos até as últimas palavras de Miranda.

            — Sinto muito por sua mãe. – Quase pude sentir algo trincar dentro de mim ao escutar aquelas palavras. Alexander parecia realmente querer dizê-las. – Acha que conseguiríamos ter uma conversa sincera nesse instante? Não quero piorar as coisas.

            Uma parte de mim queria chorar aos berros, mas a curiosidade era sempre maior em minha personalidade tão temperamental. Precisava ter certeza se ele era confiável, se não tinha mais intenções além das que eu previa. Um laço de confiança entre nós parecia quase impossível em alguns momentos. Entretanto, o príncipe assumiu uma postura diferente daquela vez, os olhos passavam uma gentileza sem igual, e eu quase pude jurar que era o mesmo olhar que Jasper sempre me direcionava.

            — Vejo que está odiando essa proposta de casamento tanto quanto eu – senti seu nervosismo misturando-se ao meu.

            Eu era tão previsível assim?

            — É... – Meu coração queria muito que meus sentimentos pudessem ser soltos, mas minha mente não conseguia confiar com tanta felicidade. – Me admira saber que você odeia algo que propôs.

            O príncipe fechou os olhos, suspirando profundamente. Ele se parecia tanto com o rei em alguns momentos que eu chegava a me espantar.

            — Não tive escolha, princesa Avery – seu rosto chegou mais perto do meu, pronunciando as palavras devagar. – Meu país está em uma situação frágil. Maxon está cada dia mais cansado. E Mason... – revirou os olhos ao falar do irmão, aquilo realmente não precisava de comentários.

            — Kaya resolveria tudo se casando com meu gêmeo. Não precisava de um segundo casamento. – Argumentei, a euforia tomando parte de meu lado racional. – Sem contar que Illéa deve ter mais aliados que poderiam ajudar.

            Alexander parecia me desarmar com sua presença, mesmo não tão perto eu podia sentir o calor de sua pele bronzeada.

            — Então por que aceitou a proposta? – semicerrou os olhos, deixando-me ainda mais pressionada.

            Abaixei o queixo, encarando o brasão inglês em meu peito. Não havia uma resposta verdadeira que eu pudesse dizer, só de pensar em meu próprio pai as palavras se embolavam dentro de mim. Quando ergui meu olhar novamente, olhei para o rosto de Alexander com toda a coragem que eu conseguia reunir. Era agora ou nunca. Precisava quebrar aquela barreira entre nós.

            — Se eu ajudar o seu pai com tudo o que estiver ao meu alcance... Se eu fizer o possível por Illéa enquanto estiver aqui... Se eu jurar lealdade a...

            — Sim! – exclamou, cortando qualquer linha de raciocínio nervosa que minha mente pudesse estabelecer. – Darei um jeito de desfazer nosso casamento.

            Meus batimentos se aceleravam, quase incontroláveis dentro do peito. Senti uma certa leveza também. Eu conseguia entender ainda mais os motivos de Cameron, por mais que negasse, eu teria a liberdade de negociar pela minha própria vida em Illéa, sem o olhar vigilante de Desmond II. Era quase uma dádiva.

            — Entretanto, preciso de uma garantia para confiar em você, princesa. – O loiro continuou, estragando um pouco a sensação que me contagiava com esperanças. – Informações importantes do meu país vão estar a sua disposição. E se no final de tudo isso você voltar para a Nova Inglaterra, talvez terá consigo um ou outro segredo que possa derrubar Illéa.

            Ele era realmente bom naquilo, mesmo que aparentasse ser preguiçoso em algumas questões. Isso me fez pensar que talvez Alexander e Kaya houvessem pensados juntos na solução ridícula, porém eficiente, dos casamentos. Mason, por outro lado, parecia ser um peixe fora d’água, mimado por uma arrogância doentia de futuro soberano. Aquilo custaria caro quando sentasse no trono. Era uma pena para um país tão jovem estar naquelas mãos nojentas.

            — Você tem minha palavra e honra, príncipe Alexander. – Minha voz ao pronunciar seu nome fez meus lábios tremerem. Mas precisava convencê-lo de alguma forma, e deveria mostrar o mínimo de respeito em nossa negociação, tratá-lo como um igual. – Vivi em um país em guerra e senti a dor que ela traz da forma mais profunda. Considerando que sua irmã, princesa Kaya, seja a futura rainha da Nova Inglaterra, acho que já temos garantias o suficiente de que seremos melhores como aliados do que rivais.

            Ao final de minha frase, notei que ele tinha um pequeno sorriso nos lábios, olhando diretamente em minhas íris esverdeadas, parecia não somente satisfeito, como também admirado. Alexander não era tão horrível quanto eu imaginava, e aos poucos a raiva pelas ações de Cam estavam passando, tornando meu lado racional ainda mais certeiro e intuitivo. O tempo resolveria tudo.

            — Parece o suficiente por enquanto. – disse, levantando-se devagar da cadeira. Seu sorriso era ainda mais descontraído. – A Seleção de Mason começará na semana que vem, até lá eu vou tentar recolher algumas das informações que você mencionou na reunião. Peço desculpas caso eu fique ausente. Depois disso, veremos o que fazer.

            Arqueei as sobrancelhas por um instante, sem entender aquela linha de raciocínio confusa.

            — A Seleção vai ser uma distração para quem?

            Alexander me encarou, seu rosto estava claro como o dia, parecia ter tido uma epifania dentro de si que iluminava o próprio cérebro.

            — Para todo mundo. – respondeu, como se fosse óbvio. – Não comente nada com meus pais. Isso ficará entre nós dois. No momento em que tivermos uma resposta, eu darei um jeito de falar com Maxon.

            Todo o alívio que eu sentia havia se dissipado. Meu coração queria desistir de mim e ter um ataque. Além de estar em um suposto reino aliado que não conhecia muito bem, eu havia firmado uma promessa com o filho do rei por trás das costas do próprio soberano.

            A coincidência em meu destino era tão irônica que eu só podia me perguntar como havia parado naquela situação, a um oceano de distância de todas as pessoas que amava e me envolvendo em uma pequena conspiração que possuía ótima intenções.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu sei, eu sei. O Mason só está piorando... Mas vai ficar bom, prometo! Ele vai ser tipo o Maven de A Rainha Vermelha só que ao contrário. Do ruim ao bom.
:3