A grande tela flutuava no ar, o sujeito desconhecido anunciava:

— Agora, vamos ao que interessa...Vocês estão todos presos aqui, não é o máximo? E a parte divertida, é que se vocês morrerem aqui, um choque será enviado ao cérebro de vocês através do NerveGear e vocês morrerão na vida real!

A princípio, a oriental Hasegawa Miyuki, imagina ser pega numa brincadeira. Contudo, ao notar os gritos encolerizados, tornou-se furiosa. Como poderiam arrancar-lhes a vida que tanto lutou para conseguir?

Miyuki sentiu ódio, mordicando o lábio inferior para deter suas lágrimas - ela detestava chorar.

Uma semana seguiu-se após a revelação do criador. E muitos jogadores, sem aguentar o fardo, lançaram-se de altas rochas.

Mas Hasegawa continuava firme. Afinal, ela pôde reencontrar Louise Thompson, sua amiga virtual. Conheceram-se num tópico de MMORPG’s, e viram-se pessoalmente uma única vez, em Quebeque, Canadá. Agora ambas poderiam conviver juntas, e isso seria o máximo para Miyuki.

— Você melhorou suas habilidades com o arco, hein? - Hasegawa cruzou os braços e sorriu enquanto franzia a testa. Um vento brando alisava suas longas madeixas platinadas.

— A-acha isso? - Louise desviou o olhar.

— Claro que sim. Lembra quando jogávamos online? Era uma noob. - colocou as mãos na cintura e sorriu cheia de si.

— Também não precisa falar assim.. - fez beicinho.

Ambas riram.

[Louise Thompson]

Algumas de minhas flechas fincadas no fundo do lago, outras boiando. Com água até os seios, eu e Miyuki tentávamos resgatar algum peixe.

— Você vai acabar assustando os peixes com essa espada - observei Miyuki, que parecia não saber onde exatamente atacava.

— Ah é? Pois eu acho que é o ronco da sua barriga que está os assustando. - ela riu.

Fazia horas que estávamos tentando pescar algo, porém, achar uma agulha no palheiro era mais simples do que pegar um peixe com as nossas skills de pesca. No final das contas, acabamos nos distraindo e começamos a brincar no lago. Não tínhamos culpa, não havia uma única nuvem no céu; aquilo nos atiçou.

— Vamos ver quem fica mais tempo na água? Vamos? Vamos? - chacoalhei o braço de Miyuki, na esperança que isso fizesse-na concordar.

— Você sabe que eu não gosto muito desse tipo de brincadeira... - disse num tom inseguro.

— Por favor. - fiz beicinho e a cara de gato pidão mais convincente que conseguia.

— Por que você tem que fazer essa cara? - ela suspirava, vendo que não ia ter jeito mesmo. - Só uma vez, tá legal?

— Eba! - ergui o punho fechado para o alto, em sinal de vitória.

Contamos até três e mergulhamos. Abri os olhos de baixo d'água, e.. Foi incrível. Havia espécies de plantas e peixes que sequer existem na vida real. Um cardume com listras cor-de-rosa passou bem na minha frente.

Senti-me maravilhada com tudo aquilo. Contudo, no outro lado do lago, vi um peixe muito brilhante e balofo se movendo. Ao contrário dos outros, ele fazia movimentos rápidos e bruscos, só não olhei por mais tempo devido a falta de ar.

Assim que subi o rosto, mirei o olhar para o mesmo ponto cujo avistei o baiacu prateado. Será que ele ainda estava lá?

— Ei, ei, ei. - Miyuki estralava os dedos na minha frente - Terra chamando Louise, você está aí?

Continuei olhando por mais um tempo antes de responder Miyuki.

— Você viu um peixe brilhante? - perguntei-lhe, ainda distraída.

— O que? Quem é que abre os olhos quando mergulha em um lago?

Cocei a cabeça e dei o maior sorriso possível:

— Eu, hehe.

Sentamos na beirada e ficamos conversando, mas, eu sempre acabava me distraindo e olhando pro lago, procurando o peixe.

— Aí então eu... - Miyuki me cutucou assim que percebeu que eu não estava prestando muita atenção - Você ainda está pensando naquele peixe?

Fiz que sim com a cabeça. Hasegawa estava entre rir e me bater por estar atenta ao bicho aquático.

— Tem outros lagos e outros peixes, nós podemos comer qualquer outro. - deu um tapinha em minhas costas, enquanto continuei olhando para o lago.

— Mas aquele é o mais bonito, eu quero ele...

Miyuki bufou. E antes que eu me desse conta, ela havia entrado no lago outra vez.

— Se é tão importante para você, então tudo bem, vamos pegar o seu peixe.

Apesar dela parecer bem impaciente, não pude deixar de ficar feliz. Miyuki sempre foi assim, por mais ridículo que algo pudesse ser, ela sempre me ajudava em tudo, absolutamente tudo que podia, mesmo que parecesse ser impossível.

Ficamos de costas uma para outra. Enquanto Miyuki olhava por cima do lago, mergulhei e tentei olhar por baixo. Era mais difícil de encontrar, já que estava escurecendo, mas tentei o meu máximo.

Senti Miyuki cutucar a minha cabeça, chamando para voltar à superfície. Assim que subi, tomei fôlego e ouvi o que ela tinha a dizer:

— Eu vi algo prateado ali na frente - apontava com a sua espada.

Andamos devagar e sem fazer movimentos bruscos para não assustar o peixe. Isso é, até eu vê-lo a cinco metros de mim.

— Peixinho bonitinho, vem cá! - gritei, antes de sair correndo e mergulhar.

Nadei como se tivesse um motor no lugar dos pés, não interessava que as plantas estivessem enroscando na minha mão ou até mesmo se eu estava engolindo terra do fundo do lago, aquele baiacu prateado era meu!

Sendo muito mais rápido que eu, me ajoelhei e concentrei toda minha pontaria nele.

— Calma... - concentrei-me para não errar, e assim que ele se distraiu, acertei a flecha bem no centro.

Levantei-me e Miyuki já estava correndo na direção do peixe. Corri logo atrás dela, feliz por finalmente ter pego o meu peixe.

— Você viu?! - comemorei. - Eu consegui, consegui!

— Você foi incrível. - Miyuki sorria enquanto passava o braço por trás de mim.

Vimos algo brilhando dentro d'água, os nossos olhos estavam pregados, nos preparando para o que ia acontecer.

— Aí vem - Miyuki arregalava os olhos.

— Meu peixinho, meu peixinho, vou comer, vou comer... - cantava euforicamente, balançando a cabeça.

A luz aproximou-se lentamente, cada vez mais perto. Porém, não era bem o que esperávamos.

— O meu peixe... - lamentei, vendo o objeto que boiava na minha frente, ao invés do meu precioso baiacu. - O meu peixe virou um arco! Por quê?!

— Poderia ser pior, imagine se fosse alguma outra arma? - comentava Miyuki.

O arco, completamente envolto por uma luz prateada, possuía alguns símbolos entalhados.

— Vejamos... - peguei o arco com uma mão e com a outra toquei nele, abrindo uma tela holográfica com suas propriedades.

Nome: Moon Bow

Informações: ????????

Nível mínimo exigido: 60

Nível de raridade: 1000/1000.

— Miyuki, olha o nível de raridade desse arco! - meus olhos brilhavam ao pensar no quanto ele valia. - Se vendermos, poderemos comparar quantos peixes a gente quiser!

— Você não acha estranho? Achar um item tão raro apenas por matar um peixe?

Miyuki estava certa. Ninguém espera encontrar tal item em um lago, fazendo algo relativamente fácil. Qualquer pessoa poderia ter ganho ele, porém, quem o conseguiu fui eu. HA!

— Quando chegarmos ao nível 60, nós decidimos o que fazer com ele. Mas por enquanto, sabe o que deveríamos fazer? - Miyuki me perguntava com um enorme sorriso no rosto.

E antes que eu pudesse responder.

— Vamos comemorar!

Fomos até a beira do lado, onde invoquei Panda e fomos por terra até a cidade mais próxima. Panda era o meu pégaso.

Depois de alguns minutos chegamos a primeira cidade. Miyuki resolveu ir à uma taverna.

O boteco tinha iluminação escura, paredes de madeira, além de uma inundação de risos exagerados e sons de canecas de vidro, que sobressaíam a instrumentação baixa dos bardos. O andar de cima era uma pousada - mas não duvidava de que era também utilizado como prostíbulo.

— M-Miyuki, você realmente quer comemorar aq...

Antes que pudesse notar, ela não estava mais do meu lado.

Fiquei na ponta dos pés e olhei por todos os cantos da taverna, e era óbvio o lugar onde Hasegawa se encontrava.

— Ei moça. Quero uma caneca daquilo que aquele homem está bebendo - sentada em frente ao balcão, apontava para um sujeito jogando truco.

Suspirei e sentei-me ao seu lado. Em poucos minutos a NPC do bar voltou com uma caneca transparente, cheia até a borda com um líquido violeta fosforescente.

— Você não vai querer um gole? - colocou a caneca na minha cara, por pouco não bateu no meu nariz

— Talvez um só.

Segurei a caneca com as duas mãos e encarei o conteúdo do copo. As pequenas bolhas que subiam eram de tom mais azulado que deixavam a bebida bem mais bonita. Considerando sua beleza, ela deveria ser muito, muito boa.

Bebi um pequeno gole. E naquele momento, me questionei o porquê das pessoas se viciarem naquilo. Assim que o líquido entrou em contato com minha língua, senti um gosto de algo parecido com bala de eucalipto, e ao engolir, minha garganta parecia em chamas.

— Credo. – soltei uma baforada na minha mão, impressionada com o quão quente estava o meu hálito. - Pareço um dragão.

Assim que olhei para o lado, Miyuki virava a bebida sem ao menos respirar. Quando terminou, não disse nada, e nem sequer fez alguma careta - apenas bateu a caneca no balcão e pediu outro líquido qualquer.

— Você não acha melhor parar? Você sabe, existe como morrer de coma alcoólico aqui.

— Mas eu estou bem! - gritava alegremente.

Talvez seja a minha falta de experiência em conversar com gente bêbada, mas eu estava com medo de falar com Miyuki. Ela poderia começar a chorar do nada ou ficar brava dependendo do que eu falasse.

Fiquei atenta à sua barra de saúde. Querendo ou não álcool é um veneno, e ainda que perca pouco HP tomando, se exagerar, você pode morrer.

— Ei, você precisa dar risada, está muito tensa. - dizia entre soluços e oscilações de tons de voz - Olha o cabelo daquela loira ali, não tem como você olhar o cabelo dela e não dar risada.

Que droga, Hasegawa. Ela falou alto demais, e não era como se a tal loura estivesse embriagada o suficiente para não ouvir.

A garota se aproximava com a pior cara possível. Sua pele pálida entrou em contraste com as olheiras que estavam quase pretas. O cabelo cacheado com os fios todinhos fora do lugar ajudava bem a manter a aparência de doente.

— Você quer morrer na frente de todo mundo ou prefere ir lá fora? – a loira perguntava, vagarosamente.

— Lucy, volte para cá, por favor - outra garota aproximou-se. Parecia tão preocupada com a garota, quanto eu com Miyuki.

Esta última se levantou do banco e ficou de frente para a loira, rindo ironicamente:

— Então você vai me matar? Como? Vai mandar esse poodle na sua cabeça me engolir?

A garota passou de pálida para vermelha em pouquíssimos segundos. Nessa altura, todos do bar estavam observando, curiosos para saber qual das duas começaria a briga.

— Vocês ouviram? – prosseguiu a loira, monotonamente. - A do cabelo de vovó disse que quer brigar! - em seguida, ela sacou duas armas e deu três tiros para cima.

Todos no bar comemoravam animados; até os bardos começaram a tocar mais rápido.

— Não pense que irei pegar leve. - Miyuki apontava sua lâmina para outra garota e cambaleava em sua direção.

— Eu não entro em brigas para perder. - ainda falava com o ar medonho de antes, mas esboçava um leve sorriso.

Em questão de minutos, todos os fregueses estavam brigando entre si. Era cadeira contra mesa, caneca contra garrafa. Todos eles achavam algo para quebrar.

Eu e a acompanhante da loira olhávamos incrédulas para a cena. Acho que ela não estava acostumada com essas coisas também.

— Ela é o que sua? - perguntei um pouco alto, devido à algazarra.

— Lucy é minha irmã - ela seguia a loira com o olhar. - E você?

— Sou melhor amiga da oponente da sua irmã.

Enquanto isso, elas chegaram ao ponto de arremessar coisas umas nas outras. Miyuki lançava garrafas vazias em direção da tal Lucy, que de pé sobre o balcão, se protegia com uma bandeja.

— Um retardado mental tem a mira melhor que a sua – Lucy provocava.

— Realmente, com esse cabelo de ovelha, eu não sei como não consigo te acertar - Miyuki não parava de rir um segundo.

Lucy se irritou de verdade, pulando para longe e sacando as duas armas novamente. Minha companheira estava pronta para atacá-la com a espada:

— Preparada, poodle? - Miyuki sorria.

— Cai dentro, coroa. – disse, pronta para puxar o gatilho.

Uma estava de cada lado da taverna, mas Miyuki rapidamente saltou sobre as mesas para chegar mais rápido até a sua oponente. Quando ela estava na ultima mesa, Lucy foi para baixo do móvel e o empurrou com toda a força que tinha, fazendo com que Miyuki caísse no chão.

— Eu te falei que eu não perco. - mirava em Hasegawa com uma das pistolas, e esta, apontava a sua espada para Lucy

— Já está bom por hoje, não está? - A irmã de Lucy, prestes a esganá-la, a agarrou “gentilmente” pelo braço, forçando um sorriso. – Você já me fez passar vergonha demais, mocinha.

— Mas estava divertido...

Ambas seguiram para um dos quartos, onde era possível ouvir uma pequena discussão. Aproveitei a deixa e aluguei um quarto para mim e minha parceira. A festa ainda continuava lá na taverna.

Passei a noite esperando que limpar o vômito da melhor amiga me desse EXP ou Cash.

***

— Eu briguei com você? - Miyuki perguntava para Lucy.

Nós quatro estávamos reunidas em uma mesa da taverna, logo de manhã. Tentávamos fazer as duas lembrarem de algo.

— Sim, vocês brigaram – respondi, um pouco sonolenta ainda

— Peço perdão pela Lucy, ela é um pouco... Impulsiva – dizia a irmã dela, desviando o olhar.

— Claro que aceito as desculpas, senhorita...?

— Emily, o meu nome é Emily Schaeffer, essa é a minha irmã Lucy - ela apontava para a loira, que agora, apesar de dormir na mesa, estava com o cabelo mais arrumado que na noite anterior.

— Eu sou Miyuki, peço perdão pelo ocorrido - sorriu - Essa aqui é a Louise - beliscava minha bochecha.

Foi quando Emily abriu um enorme e inocente sorriso:

— Poderíamos subir de nível juntas, não acham?