A Cada Despedida escrita por Mayor Hundred


Capítulo 3
Pôr do Sol




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Eu te amo.

Ela achava aquela frase a mais clichê do mundo. As pessoas usavam o tempo inteiro, para as coisas triviais e que geralmente não despertavam aquele sentimento de verdade. Passou a vida toda esquivando de dizer aquilo. Teve vários namorados antes de seu marido, e com todos eles se limitava a dizer “eu também”, o que ela sabia que não significava nada, mas que parecia ser o bastante para todos eles. Disse o seu primeiro “eu te amo” talvez tarde demais, mas não se arrependia. Se arrependia de não ter dito, sequer uma vez, antes de ir embora, de mudar de casa, mudar o seu número e fazer questão de esquecer o dele. Só uma vez seria o bastante, mesmo que fosse baixinho, no ouvido dele, sem que ninguém ouvisse se não eles dois. Seria o suficiente porque era verdade. Doeu como poucas coisas haviam doído, mas tudo parecia fazer perfeito sentido quando tinha aquela criaturinha tão perfeita em seus braços.

Sentiu-se profundamente magoada por ele não a ter visitado no hospital, ou ter ido até a sua casa, que ela nunca o levou ou disse onde era. Mas tinha que aceitar que parte da culpa era sua. Foi escolha dela continuar com o seu casamento e afastá-lo de sua vida. Sabia que não existia mais a possibilidade de “só amigos”, e, mesmo que ele tivesse praticamente implorado por aquilo, a presença dele em sua história queria dizer complicações. E ela queria uma vida simples. Com um casamento, uma filha, e sua casa.

Ele voltou a ter treze anos, ao achar que o seu coração partido faria com que o mundo deixasse de girar. Mas girou. Assistiu furtivamente o parto da garota no hospital, e aquela foi a primeira vez que chorou na frente de outra pessoa. Mandou presentes, ligou, enviou cartas. No fundo, tinha a esperança de que ela largaria o marido para ficarem juntos. Que caminhariam de mãos dadas em direção do Sol. Era tudo romântico e teatral demais, mas ele achava que poderia ser verdadeiro. Mas não foi. Depois de algum tempo, ela mudou de telefone e ele simplesmente desistiu. Passou algumas semanas chorando sozinho pela solidão e demorou meses, talvez anos, para se recompor.

Era um daqueles machucados que nunca realmente se curava por completo, mas se aprende a viver com aquilo. Ele encontrou uma religião, voltou a ter contato com a família, viajou para continentes diferentes, encontrou e se desencontrou com várias outras. Às vezes sentia o perfume dela onde não havia nada além da valsa sem odor do vento. No começo, até mesmo contava de sua paixão avassaladora e a história que tiveram juntos para todo mundo, inclusive as garotas com quem saiu, mas logo viu o quão estúpido era aquilo.

Se passaram anos e tudo se transformou. Ainda lembravam um do outro, mas tinha se reduzido à sua uma memória como aquelas que se conta de uma paixão de verão na época do colegial.

Depois de tanto tempo, resolveu voltar para aquele lugar. Sentava-se na mesma cadeira, no mesmo restaurante e no mesmo horário, em quase todas as suas folgas, procurando recriar o momento em que se conheceram. Em que a viu triste, sozinha e com o seu cigarro. Não era uma esperança verdadeira, sabia, mas acabou se tornando um hábito. No final das contas, nunca soube o que falaria. Em sua fantasia, se encontrariam, se beijariam e tudo ficaria bem. Mas sabia que aquele tipo de coisa não acontecia na vida real. Conheceu alguém bastante interessante numa das vezes em que resolveu variar de restaurante, e se deu por satisfeito. Nunca mais voltou àquela mesa em que se encontraram.

Sua filha crescia tanto que já quase não conseguia carregá-la nos braços. Estava cada dia mais pesada de se levar no colo, mas ainda gostava de o fazer. De sentir o cheiro de vida em seus cabelos, e quando ela sentia sono podia descansar em seu ombro. Naqueles momentos, eram mais do que duas mulheres enfrentando o mundo, eram uma só. Quem poderia dizer que mais era menos? A garota herdou a sua cor de cabelo, e a sua delicadeza. Mas tinha um gosto estranhamente familiar para a ironia. Naquela idade, sequer deveria saber do que se tratava o sarcasmo, mas era impossível não detectá-lo em seu tom de voz. Andava de mãos dadas com a primeira pessoa que era inteiramente e eternamente sua pelas ruas movimentadas. Havia passado por tantas pessoas que quase tinha a impressão que conhecia um ou outro, mas nunca podia dizer quem. Aquele sentimento se tornou impossível de se ignorar quando ouviu o seu nome. Aquela voz que fez o seu coração parar.

– É a sua garotinha? – Ele se abaixou na frente da garota, que se encolheu, tímida com a aproximação do estranho. Sorriu para ela, e quis beija-la mas se impediu de fazê-lo. Era bonita, como a mãe, e sempre gostou de crianças. Olhou para cima, para aquele rosto que não via a tanto tempo mas que nunca se apagaria de sua memória.

– Sim. Tive de trazê-la para conhecer a avó antes que fique totalmente gaga. – Teve de ficar em silêncio, concentrando-se em sua respiração, para ter fôlego pra uma resposta. Mostrou um sorriso quando ele mexeu nos cabelos de sua filha e então se levantou, ficando na altura de seus olhos. O tempo congelou.

– Ela é linda. – Assim como você, quis completar, mas achou que seria inapropriado. Quis tocá-la, quis dizer tantas coisas, que no final não disse nada. Permaneceu encarando-a e se imaginando ao seu lado, e não frente a frente.

– Diga “oi”, querida. – Pediu, balançando o braço da filha que murmurou “oi, querida” para o homem e fez com que os dois adultos rissem. – Ela tem essa atitude. – Sorriu, acariciando o rosto da filha.

– É linda. – Repetiu, mas desta vez ela percebeu o que ele queria dizer e suas bochechas esquentaram. Ele sorriu de soslaio, sem jeito – Você também é. O que anda fazendo? – Sentiu ser o maior estúpido que já andou na Terra ao fazer aquela pergunta. Tinha tanto pra falar, e aquela era a forma que usaria o seu tempo naquele encontro?

– Você sabe. Isso e aquilo. – Aquela era a pior resposta que podia dar, mas foi também a única. A garota que segurava a sua mão bailava devagarinho pelas suas pernas, indo de um lado para o outro numa energia e inocência infantil que ela adoraria observar, mas seus olhos eram preenchidos com a imagem do outro. – Sendo mãe. E você?

– Muita coisa. – E todas elas seriam melhores com você. Vocês. A última parte ficou em sua mente, mas era tão forte, tão alta e tão verdadeira que parecia ter dito em voz alta. Só parecia. Tocou-a no rosto, e ela retribuiu com uma carícia em sua mão usando a bochecha.

– Escuta, eu... – Quero o seu telefone. Preciso saber onde você mora. Quero sair com você de novo, desta vez do jeito certo. Todas essas eram coisas que gostaria de dizer, mas não disse nenhuma. Não só por falta de coragem, o seu estômago estava tendo a festa mais agitada do século, mas simplesmente por ter sido interrompida pela filha entediada daquele papo adulto. Ela puxou o seu braço e perguntou sobre o sorvete que a mãe tinha prometido. – Eu tenho que ir. – Era a última coisa que queria dizer.

– Eu entendo. – E entendia. Entendia, finalmente, o que ela queria antes. Queria ele tivesse parado de pensar e agisse, queria que tivesse ido à sua porta, mesmo que recebesse um soco do seu marido e tomasse ela como sua. Queria ser dele. E ele queria ser dela. Mas como poderia? Por que se encontraram daquela forma? Sorriu, com um gosto amargo da despedida na boca e quase se aproximou para um beijo, mas fez o inverso ao se afastar.

Ficou parado vendo-a partir, assim como tinha feito tantas outras vezes antes. Desta vez, entretanto, podia ver lentamente a imagem dela diminuindo no campo de sua visão. Entrava no meio de tantas outras pessoas que caminhavam naquele local tão movimentado, mas nunca a perdia de vista. Nem mesmo por um segundo. Não havia nada de especialmente diferente nela para o resto da multidão, exceto de que ela levava o coração dele para mais longe a cada passo.

Não é necessário que dure muito ou que muitas pessoas assistam para que a perfeição exista.

E por um momento, no meio de uma multidão, ela se destacou como se fosse feita inteiramente de raios solares. E, por um segundo perfeito, parou para virar pra trás. Contemplou-o, e ele a contemplava, estáticos como duas estrelas.

Por um segundo perfeito, eram o centro do universo um do outro.


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Notas finais do capítulo

O fim.