Filhos da Guerra escrita por Anna_Rosa


Capítulo 6
Liberdade


Notas iniciais do capítulo

Depois de muito, muito tempo, eis que paro para ler minhas antigas histórias, e encontro esse pequeno desfecho esperando para ser postado.



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“...Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda - Cecília Meireles”

 

Os brados da batalha ainda ecoavam pelos corredores, fogo ardia nas torres mais altas, paredes sucumbiam sob o peso daquele confronto, a resistência dera o golpe final, Hogwarts fora sitiada, uma pequena fagulha, pequenos rumores e o exército de Voldemort fora disperso, pouco a pouco destruído, restando apenas seus generais. A batalha que ainda ardia nos terrenos de Hogwarts custara caro, metade da resistência tombara contra Voldemort, o golpe final enfureceu seus seguidores, mas eles não precisavam mais dele para manter seu reinado, tão cruéis quanto seu mestre, já não diferenciavam amigo de inimigo, adultos de crianças, se cruzassem seus caminhos, deveriam ser mortos.  

O homem alto que corria pelo campo de batalha não teve tempo de admirar quão lindo era o castelo ao anoitecer, diferente do que tanto sonhara, perdeu a maioria dos amigos no local onde sonhou encontra-los. Um amontoado no chão o fez parar, a criança caída a sua frente não poderia ter mais de 13 anos, usava vestes negras e respirava com dificuldade, ajoelhando-se, conjurou um escudo singelo, haviam curandeiros a caminho, tudo o que ele podia fazer era sinalizar os que haviam caído e torcer para que sobrevivessem até a ajuda chegar. O menino voltou os olhos escuros para ele, acusação e medo gravados em seu semblante, aquilo não deveria terminar assim, eles haviam lutado, tomado cada torre, libertado cada criança, não fora diferente em Hogwarts, mas, de alguma forma, dezenas de crianças voltaram, dezenas de crianças tombaram frente a batalha. Voldemort estava morto, seus poucos seguidores restantes teriam o mesmo destino, mas o preço fora alto. 

Passos apressados em meio a mata chamaram a atenção do homem, uma menina correu em sua direção, a bochecha cortada, varinha em mãos, ela deveria ter a idade do menino que ele encontrara a pouco, mas a ferocidade em seus olhos era a de uma general de Voldemort. Ele suspirou, mas antes que pudesse falar, raios vermelhos vieram em sua direção, seguidos de uma rajada verde, ele esquivou, derrubando a menina com um feitiço mais forte do que o pretendido, ela pareceu tonta, mas não se deu por vencida, em pé, já começava a murmurar outra maldição, quando uma mão em seu ombro a fez parar. O homem recuou no momento em que um dos professores, responsável por treinar o futuro exército de Hogwarts, ajoelhou-se frente a garota, eles eram parecidos, os mesmos cabelos castanhos e pele morena. A menina balançou a cabeça, mas ele sorriu indicando a destruição a volta, havia orgulho em seu olhar e tristeza em suas feições, o homem ouviu o professor proferir a palavra ‘irmão’ com um aceno negativo, ela levou a mão ao peito e correu rumo aos brados finais da batalha. Os dois homens se encararam, não havia razão para outro confronto, com um aceno de cabeça, partiram atrás da menina.

O professor encontrou sua filha segura nos braços da professora que ele tanto repudiara, a menina gritava e a acusava, mas ela permanecia calma, quase serena. O pai tomou a filha em seus braços, sussurrando algo reconfortante, ela segurava um medalhão nas mãos, ele lançou um feitiço de busca, não era o fim, eles encontrariam a metade que faltava naquela família. A professora sorriu, indicando um lugar mais frente, cerca de vinte crianças se aglomeravam atrás dela, perdidos, feridos, assustados, porem vivos, o homem reconheceu o escudo de proteção ao redor deles, ela instruiu um grupo de alunos mais velhos, que correram para floresta, enquanto ela se embrenhava novamente entre os duelistas restantes. Diferente de tantos outros, aquela mulher não fugira, ela estava ferida, quase esgotada, mas suas crianças ainda estavam entre os duelistas, ela não se contentaria com escudos sinalizadores, ela os traria de volta, vivos ou mortos, ela os reuniria, porque, se nada mais fazia sentido, eles ainda eram a coisa mais importante em sua vida. Em meio as batalhas, o homem a viu interceptar com maestria um feitiço mortal, tirando dois alunos pequenos do caminho, enquanto embrenhava-se em outro confronto de vida ou morte com um dos últimos generais, da floresta, um menino mais velho atraiu a atenção das crianças, os retirando do campo de batalha.

O homem pensou em ajuda-la, mas os gritos a frente foram dolorosamente familiares, ele correu, raiva cegando seus sentidos, seu feitiço interceptando por pouco a maldição final destinada a matar sua última e melhor amiga, a jovem caiu com um baque surdo no chão, a respiração acelerada, os olhos desfocados pela maldição da tortura, mas viva, diferente dos outros dois amigos a seu lado, ele lançou pequenas fagulhas prateadas da varinha, antes de assumir o  lugar dela na batalha, com o canto dos olhos viu, com alivio, a figura não muito mais velha, que os treinara, correndo para ajudar a jovem. Ele avaliou o Comensal a sua frente, os cachos bagunçados lhe davam um ar de menino, as vestes da elite de Voldemort mostravam sua letalidade. O comensal estava cansado, a batalha havia sido dura para ele, o homem o vira derrubar aliado após aliado, nunca fugindo de um confronto, o homem sorriu com sarcasmo ao vê-lo tomar a posição de batalha, sua postura determinada, mas seus olhos levemente desfocados para algo além do duelo.

A jovem arquejou atrás dele, como se quisesse dizer algo, sua melhor amiga, aquela que sempre lhe deu forças, quase morta por um garoto, um maldito general fanático da Elite de Voldemort, ele sentiu as mãos tremerem, poderia lançar a maldição final, o comensal riu em deboche, momentaneamente indicando os homens caídos ao lado da jovem, se era batalha que o garoto queria, era isso que ele teria. Duelistas se afastaram, plantas foram pulverizadas, a floresta caiu em silencio, como se para observar a ferocidade daquele duelo, mentes e corações forjados pelo mesmo clamor, dispostos a matar e morrer em lados opostos de uma guerra. Eventualmente, os poucos anos que os separavam, ou a exaustão do comensal, deram a brecha que o homem precisava, em um gesto amplo e fluido ele bateu a mão no chão, uma onda maciça de energia dourada rachou o chão, atingindo o comensal no peito, jogando-o contra uma árvore. Não houve aplausos, gritos ou comemorações, o jovem apoiou uma mão no chão, quase sem forças para levantar, o homem caminhou em sua direção, a maldição projetando-se automaticamente de sua boca, o comensal não desviou os olhos quando o raio verde voou em sua direção, foi aquele pequeno borrão vermelho correndo para ele que o fez cortar a noite com um grito de desespero.

O homem levou a mão ao rosto, tentando desviar a maldição no último instante, os poucos combatentes em pé baixaram as varinhas, a exemplo do solo que rompia, voltaram a atenção ao homem, ao comensal e pequena garotinha entre eles, as árvores balançaram no mesmo ritmo, embaladas na canção tocada por uma suave lufada de vento, o tempo parou por um momento, então a maldição da morte explodiu aos pés daquela criança de cabelos vermelhos. Fagulhas verdes tornaram-se azuis, ricocheteando para todos os lados, dançando um balé sem fim ao redor da criança, até que, pouco a pouco desaparecessem. O homem baixou a mão que protegia o rosto, encontrando os olhos determinados de uma menininha o encarando, ela abriu os bracinhos os pés firmes contra o chão, seu peito subia e descia rapidamente, atordoado, ele demorou para notar que aquela garotinha estava protegendo o comensal. Ele sentiu vontade de socar o destino.

—Saia da frente criança, não sei o que te ensinaram, mas a criatura atrás de você não merece proteção!

Ela negou com a cabeça, impassível frente a varinha que ele ainda apontava para o Comensal atrás dela, ela não recuou mesmo quando outros dois membros da resistência se juntaram a ele.

—Esse homem matou dezenas de bruxos, de crianças, como você – a menina virou o rosto para o Comensal, e, naquele momento, o homem jurou que tudo o que o rapaz queria era que a menina saísse dali, mas tudo que ela fez foi esticar ainda mais os bracinhos e negar novamente – Tudo bem, eu tiro você daí então.

Um murmurinho se ergueu quando ele, flanqueado por outros dois homens, deu alguns passos em direção à criança. Bruxos se aglomeravam ao redor deles, homens de Voldemort, alunos, professores, membros da resistência, lado a lado, esperando o final daquele pequeno confronto. O professor, arrastado pela filha para o aglomerado, reconheceu a menina, chegara a Hogwarts poucos meses atrás, assustada, carregando um urso de pelúcia desbotado, ele quase riu ao vê-la levantar a cabeça e enfrentar o líder da resistência.

O homem parou a poucos metros dela, a varinha apontada para seu peito. Para seu credito, a menina continuou irritantemente impassível, ela era pequena e pálida, ele notou que sua mão tremia, não por medo, mas pelos inúmeros roxos em seu braço, um corte profundo começava em sua testa, desaparecendo entre os cabelos ruivos, ele desviou o olhar dela para encontrar o Comensal paralisado no chão, não pelo feitiço que o derrubara, não, ele estava com medo, medo pela garotinha, medo que um movimento errado tirasse a vida dela.

—Eu não vou te machucar ok, mas ele realmente precisa pagar pelo que fez – os bracinhos dela cederam, mas ela continuou imóvel, um menino caminhou em sua direção, fazendo o professor arquejar aliviado, ele mancava, e tinha cortes pelos braços e rosto, parando ao lado da garotinha, que mal alcançava seu ombro, segurou sua mão – por favor, você não gostaria de ir para casa?

Ela olhou pra o homem com confusão, mas ainda determinada, como se toda liberdade do mundo estivesse contida naquele olhar, então respirou fundo, o fazendo bufar.

—Eu não vou sair – sua voz era doce, infantil – eu nunca vou sair – ela olhou para o Comensal, depois para o homem – eu esperei por vocês por tanto tempo... – o homem balançou a cabeça incrédulo – o senhor fala de casa, mas não entende – ela olhou pro Comensal que mesmo orgulhoso, começava a beirar o pânico – não importa onde eu esteja, desde que ele esteja comigo, eu estarei em casa – ela ergueu o rosto novamente – pelo tanto que ele lutou por mim, eu vou lutar por ele. Não vou deixar o senhor machucar meu irmão!

O homem a encarou, podia quase tocar a tenção entre os bruxos e bruxas que os observavam, ele notou o professor com os olhos fixos no menino que segurava a mão da garotinha, a menina a seu lado segurava, orgulhosa, o pingente de sua outra metade, a professora sorria com ternura, seus olhos entre as crianças e o Comensal, o Sol começava a nascer, tornando a liberdade nos olhos daquela criança ainda mais notáveis, ele balançou a cabeça baixando a varinha, aplausos irromperam pelo campo de batalha, a guerra chegava ao fim pelas mãos de uma menininha que fora corajosa o suficiente não para vencer uma batalha, mas por evita-la, uma garotinha cujos olhos traziam os sonhos e a força da liberdade.  


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