Magnet escrita por Rize


Capítulo 1
Tainted Sky




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Sentiu a barriga roncar ao olhar para o relógio. Os números digitais marcavam quatro e quinze, e uma depressão passageira tomou conta de seu corpo por alguns instantes.

Sabia que estava na recuperação do semestre. Pretendia ser um engenheiro por levar jeito na área, mas ultimamente não conseguia achar tempo algum para se focar nos estudos.

Kaito levantou-se e estirou a coluna para frente. O sol entrava com fragilidade entre o vidro da porta de correr que dava para o quintal, e o dia não estava feio. Olhou para o gato vira-lata que aconchegava-se sobre uma almofada, que retribuiu a encarada.

O animal bocejou e fechou os olhos. Estava tão entediado quanto ele.

Não demorou muito até que começasse a pensar no que faria a seguir. Poderia visitar sua irmã de cama, Kaiko. A moça havia adoecido há poucos dias, e estava em um estado deplorável.

A lista de opções era curta.

Subiu para pegar um casaco e calçar sapatos. Sentiu que o gato preto o seguiu rente as pernas enquanto subia as escadas, o que o fez sorrir. Trocou a blusa e quando terminou e ajustar o casaco sobre o corpo, um barulho amargo o fez estremecer e o gato saltar.

Reconhecia o som dos filmes que via. Rodas de borracha derrapando sobre o asfalto reto, e então o barulho de ferro amassando ferro. Um estrondo de algo caindo seguiu rente, e ele imediatamente entendeu do que se tratava.

Pegou o celular nas pressas e desceu as escadas de três em três degraus. Abriu a porta e logo a fechou, para que o gato não saísse.

Um Chevrolet preto estava com a frente enterrada em um poste que sustentava uma vivera. Este estava caído para frente, recostando-se sobre o teto do carro. A porta arrebentada estava do outro lado, solta. Percebeu que uma mulher saiu do carro na hora, zonza e desorientada.

Correu para atendê-la, percebendo que não havia mais ninguém na rua. A moça tremia e estava branca como giz. Sua perna direita segurava um corte largo mas não fundo, e sua testa sangrava com um arranhão.

- Senhorita! – ele colocou a mão sobre suas costas e a ajudou a sentar na calçada. Foi então que ele começou a tremer. Apenas não sabia o porque. Sua mente adequou que a adrenalina seria a resposta mais óbvia, mas no fundo ele sabia que se tratava de outra coisa.

A moça não respondeu. Piscava com lentidão, quase como se tentasse ficar acordada. Olhou para ele com tardança, respirando fundo. Não parecia sentir dor, mas estava agonizada.

- Continue calma. Vou chamar uma ambulância. – ele anunciou, começando a discar os números no celular.

- Não! – foi a primeira vez que falou, colocando sua mão pálida sobre a tela do aparelho. Sua expressão manteve-se cansada, mas agora ela parecia mais esperta. – Não ligue. Não vão me liberar. Preciso chegar à Hiroshima até a manhã...

- Está machucada, e seu carro foi praticamente destruído. – era como falar com uma parede. Sabia que ela provavelmente estava viajando há muito tempo, e por isso estava sonambulando, avulsa do que realmente acontecia.

- Chame um mecânico. Isso sim seria uma grande ajuda. Estou bem, olhe – ela tentou se levantar para provar seu ponto, mas sua coxa machucada a contrariou, a forçando a se sentar novamente. – é só um contratempo.

- Preciso ligar para o hospital. Você está sangrando!

- Água e açúcar! Tudo que preciso é água e açúcar! – era incrível os esforços que ela fazia para não ir ao hospital. Kaito não poderia obrigá-la. Ela poderia ficar agressiva se paramédicos chegassem.

Suspirou.

- Venha. Vou tentar dar um jeito nisso. – ele a ajudou a colocar os braços sobre seu ombro e a carregou para dentro. Sentou-a no sofá com cuidado, sentido o medo de machucá-la ainda mais.

Ela não protestou hora nenhuma. Deitou-se obediente, parecendo a cada instante mais cansada.

Kaito buscou um kit de primeiros-socorros no banheiro, tentando se situar do que fazer. E para sua surpresa, quando voltou, ela já estava dormindo no sofá, como uma pedra.

Não pôde segurar o riso. O gato subiu no recosto do sofá, sentando-se para encará-la.

Kaito ajoelhou-se na frente do sofá, abrindo a caixa branca. Tirou algodão, iodo e bandagens. Banhou o algodão no iodo e começou a limpar a ferida na perna. O primeiro contato do álcool com a pele fez que ela estremecesse e que sua face adormecida adotasse uma carranquinha. Continuou o procedimento, tendo certeza de limpar todos os pontos sem pressionar muito a ferida.

Quando não parecia tão feia, ele conseguiu notar que não era funda. Era um arranhão largo, mas não precisaria de pontos. Colocou um apoio para que separasse a pele da bandagem, e enfaixou a perna. Sem protestos.

E então seguiu para a testa. Fez o mesmo procedimento, ficando ainda mais surpreso ao ver o minúsculo tamanho do arranhão.

A imagem do carro destroçado voltou a sua mente e ele não pode segurar o pensamento. Ela era sortuda. E como.

Quando viu que suas feridas estavam limpas e seu sono seria longo, decidiu voltar ao carro e buscar qualquer coisa que lhe desse uma referência. Tudo o que achou foi uma bolsa de viagem com algumas mudas de roupas, identidade e um celular descarregado.

Hatsune S. Miku.

15 de Junho de 1990.

Nagata, Japão.

Era toda a informação que tinha sobre ela. Os espaços de pai e mãe registrados estava vazio, e parecia ter sido arrancado da carteirinha por ela, na base de unhas.

Não tinha nenhum contato para aquela tal de Hatsune.

Sentou-se na poltrona, virando-se para ela. Colocou a bolsa nos pés do sofá. Só então havia reparado em sua aparência. Suas sobrancelhas arquearam-se quando sua mente chegou a conclusão de tamanha a beleza que ela tinha. Não apenas de corpo, mas a moça adotava uma aparência angelical, ou talvez apenas pensasse isso porque ela estava adormecida.

Um tremor se instalou entre suas vísceras, e Kaito engoliu em seco. Não sabia o que era, mas olhá-la o dava uma sensação de conforto sem precedentes.

Antes que mais algum sentimento estranho pudesse se instalar nele, resolveu ligar para um guincho, para que rebocassem o Chevrolet do passeio.

Esperou até o anoitecer para que ela acordasse e nada. Hatsune parecia ter engatado no mundo dos sonhos, e provavelmente só se desgarraria muito tempo depois.

Kaito deixou a seu alcance tudo que ela pudesse precisar caso acordasse. Subiu, aprontou-se para dormir e deitou-se, mas sentia que naquela noite, não deveria dormir em sua cama.

Desceu os degraus para a sala novamente, recostando a poltrona e fazendo de lá sua estadia. Agora sim, tendo ela dentro de sua – provável – proteção, poderia ter uma noite de sono sem mais problemas.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!



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