Nas entrelinhas escrita por Elizabeth Gray


Capítulo 8
6


Notas iniciais do capítulo

Yo, consegui escrever mais um capítulo sem demora! Bom, não tenho muito o que dizer então aqui está.

Boa leitura a todos!



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Nezumi me aconchegou em seus braços e conversamos um pouco sobre os quatro anos que passamos afastados. Contou-me sobre algumas histórias de livros que não estavam em sua biblioteca. Com certo pesar, disse que dois anos após termos nos encontrado, teve de queimar cerca de 40 obras para manter-se aquecido durante um rigoroso inverno. Eu, por minha vez, contei sobre como minha vida mudou após tê-lo conhecido. Como os dias, em si, pareciam ter mudado; como as cores tornaram-se mais vivas; os cheiros, diferentes; e os sons, mais nítidos. E toda essa clareza instaurou em meu coração uma dúvida que persistia em continuar ali. Uma dúvida sobre “tudo”. Durante os quatro anos em que nos mantivemos afastados, eu só tive certeza de uma coisa: havia algo errado com aquela cidade. No fundo de meu coração eu sempre me senti inseguro com relação a ela, mas foi após conhecer Nezumi que eu percebi que realmente havia algo estranho. Ele abriu meus olhos para o que havia de mais errado no mundo.

Conversamos por alguns minutos até que o sono decidiu me acompanhar. Naquele momento, algo me veio à mente e fez com que eu me sentisse, de certa forma, culpado. Subitamente me dei conta de que eu deveria estar tentando salvar a cidade. Como é possível eu estar tão satisfeito e relaxado quando há uma praga prestes a aniquilar No.6, lugar onde passei os dezesseis anos da minha vida? Eu deveria estar tentando preparar um soro ou antídoto ou sei lá o que, mas a única coisa que tenho feito nos últimos dias é comer, dormir e... Ahh... Bem... Err... Enfim. Eu deveria estar preparando um soro. É isso! Vou pedir ao Rikiga os materiais necessários para que eu possa coletar meu sangue e...

— Shion... Eu te amo.

Escutei sua voz terna invadindo meus ouvidos. O modo como ele sussurrava essas palavras fez meu coração bater depressa, mas ao mesmo tempo me acalmou. No que eu estava pensando mesmo? Acho que era algo sobre um soro... Que droga, Nezumi. Acho que vou conseguir pensar melhor depois de dormir um pouco.

Encostei minha cabeça em seu pescoço e suspirei. Seu cheiro, seu calor, suas mãos acarinhando meu cabelo e meu ombro; tudo ali fazia meu coração se encher de alegria. Sorri ao sentir seus lábios macios beijando minha testa. E eu estava quase me entregando ao sono quando Nezumi se enrijeceu em meus braços e começou a resmungar algo incompreensível aos meus ouvidos sonolentos.

—... Maldito pulguento... Ela me paga... Perturbar meu sono...

— Nezumi... O que houve? Com quem está falan... Mas o quê...? — Senti uma respiração acelerada em minha mão e uma coisa úmida e quente deslizando por ela, seguido por um latido rouco.

Cocei os olhos e vi um grande cão marrom sentado em minha frente. Um pedaço de papel decadente estava amarrado por um cordão no pescoço do animal, e este me olhava de forma curiosa e brincalhona.

— Ei, garoto, você deve ter andado muito até nos encontrar, certo? — Acariciei seu pescoço e orelhas. Ele inclinou a cabeça ao meu toque e fez um ruído de aprovação — O que temos aqui? ­

Soltei o bilhete de seu pescoço e desatei a corda. Ele sacudiu os pelos e soltou um latido baixo, deitou sobre suas patas e colocou a língua para fora. Estava ofegante. Ele deve ter andado tanto... E essa corda parecia estar incomodando.

— Ela me paga, aquela garota insolente. — Reclamou Nezumi — Hoje não é seu dia de trabalhar. Quem ela pensa que é pra achar que pode te pegar emprestado assim, tão de repente?

— Está tudo bem, Nezumi. Não fique irritado. Deixe-me ler esta...

— NÃO ESTOU IRRITADO! — gritou.

Olhei para ele e arqueei a sobrancelha, lançando-lhe um sorriso irônico. Ele se levantou, jogando os braços para trás enquanto me dava às costas e andava até sua mochila.

— Ah, que seja — bufou sobre o ombro. O cão latiu e correu até Nezumi, abanando a cauda e pulando de um lado para o outro ­ao seu redor — SAIA DAQUI, SEU PULGUENTO MISERÁVEL!

Ele empurrou o cachorro para o lado e começou a revirar alguma coisa dentro de sua mochila. O animal continuava a cercar Nezumi com um olhar brincalhão, impedindo que o garoto desse um passo adiante. Eu conhecia aquele cão. Lavei-o algumas vezes no hotel de Inukashi. Sua personalidade, porém, contrastava com sua aparência. O animal, que aparentava ser raivoso e desordeiro por ser grande e forte, na verdade era muito dócil e gentil. Mesmo assim, continuava sendo um imponente cão de guarda. Infelizmente, o pobre cão escolheu um dia ruim para brincar com Nezumi.

Assoviei e o animal veio trotando até mim, sentando-se ao meu lado. Nezumi ainda resmungava alguma coisa enquanto vestia suas roupas. Acariciei o tronco do cachorro e comecei a ler o bilhete.

“Ei, Shion! Como tem passado? Preciso que venha lavar os cães novamente. Aqueles imundos, digo, meus nobres clientes começaram a reclamar do mau cheiro. Venha o mais rápido possível, pois temos muitos hoje. Estou esperando.

Ps. Nezumi não precisa vir. Quanto menos o vejo, melhor eu fico. Até mais!”.

O que será que deve ter acontecido entre esses dois para tamanha rivalidade? Ela parece desprezar Nezumi quase tanto quanto ele a detesta. Sorri para o papel em minha mão. O cachorro soltou um largo bocejo e fechou os olhos lentamente enquanto eu o acariciava. Eu gostava de cães, e certamente gostava de meu trabalho com Inukashi. Gostava de vê-los alegres e felizes quando se sentiam limpos, o que também colabora para a boa saúde deles. O animal sob minha mão pousou a cabeça em meu colo e respirou pesadamente. Cães são adoráveis.

Nezumi me fitava com uma expressão indecifrável enquanto eu sorria feito bobo para o papel. Ele cerrou os olhos para mim e caminhou em minha direção, tomando o papel de minha mão. O cão se moveu surpreso; parecia um tanto inseguro com o movimento repentino de Nezumi.

— O que ela quer desta vez? — passou os olhos rapidamente pelo papel, até que estalou a língua num ruído de reprovação — Tsc, criança insolente. Afinal, você já não os havia lavado semana passada? — questionou irritado.

— Sim, mas ela havia dito que a demanda de clientes aumentou recentemente, o que significa que o aluguel de cães também deve ter aumentado.

Ele revirou os olhos e bufou:

—Certo. Vista-se logo e vá ver o que mais Inukashi quer. Eu também tenho trabalho a fazer — jogou minhas roupas em meu colo e vestiu suas usuais luvas negras. Depois dobrou rapidamente os lençóis e começou a recolher os enfeites de vidro do círculo sobre a grama.

Vesti-me rapidamente e enfiei o papel no bolso. Ajudei Nezumi com os enfeites, guardando-os na mochila. Olhei para o cão, que agora acompanhava meus movimentos e os de Nezumi com olhos curiosos. Será que ele já comeu hoje? Abri a bolsa e procurei algo lá dentro. Encontrei sobras do almoço do dia anterior em um pote bem lacrado: um pouco de carne cozida com arroz e alguns legumes. Coloquei a comida próxima ao tronco da árvore e assoviei.

— Shion, o que está fazendo? — perguntou Nezumi, enquanto o cão corria em minha direção.

— Desculpe por não estar quente, garoto — disse, me afastando para dar espaço ao cão. Ele farejou a comida sobre a grama e começou a comer desesperadamente.

— SHION, O QUE DIABOS ESTÁ FAZENDO? AQUILO ERA O MEU ALMOÇO! — Ele passou as mãos nos cabelos enquanto observava incrédulo o animal devorar sua refeição.

— Desculpe, Nezumi, mas ele parecia estar faminto. Pobrezinho, Inukashi tem tantos cães para alimentar que eles mal devem comer dir...

— Isso não é problema meu e também não deveria ser seu. Ninguém dará o almoço a um cão por aqui, Shion. Não o deixe mal acostumado. — Ele olhou para mim e revirou os olhos percebendo minha confusão — É só mais um vira-lata, ele sabe se virar nas ruas para conseguir comida. — Explicou — Cresceu tendo que se virar desde filhote. Deve ter vivido por sua conta a maior parte da vida.

— Igual a você?

Lançou-me um olhar confuso e só então entendeu o que quis dizer. Certamente não esperava que eu fosse provocá-lo daquele modo. Fechou os olhos e assentiu, sorrindo. Caminhou lentamente até parar na minha frente, me fitando com aqueles olhos prateados que faziam minha alma e meu corpo arder em chamas.

— Shion, você está me comparando com o cão? — perguntou curioso, enquanto inclinava a cabeça de lado e me dava um lindo sorriso, que eu já conhecia suficientemente bem para afirmar que, sem dúvida alguma, foi um gesto sarcástico.

— Sim. Ele me lembra você. — Apontei para o animal que se lambuzava desesperadamente com o final de sua refeição.

Ele olhou o cachorro por alguns momentos, ponderando a relação que eu fizera. Chegou à conclusão de que foi uma ofensa. Fuzilou-me. Abafei o riso.

— Ora, não me olhe assim, Nezumi. O que eu disse é verdade.

— Não se atreva a me comparar com este animal miserável — retrucou incomodado.

O cão, que terminara de comer, rosnou para Nezumi enquanto caminhava até mim e se deitava ao meu lado.

— Não fale assim dele, Nezumi. Olhe como ele é bonitinho! — Sentei-me e comecei a acariciar sua barriga. — Olhe, Nezumi, ele gosta de carinho na barriga! Tão fofo! — O animal esfregava as costas na grama e dava leves chutes com a pata traseira, expressando pura satisfação.

Nezumi ficou me olhando incrédulo por alguns segundos, até que sacudiu a cabeça e se abaixou, estendendo a mão enluvada e agarrando meu pulso deliberadamente.

— Venha, Shion. Precisamos ir.

O cão, assustando-se com o movimento repentino, avançou em Nezumi e deu um bote rápido em sua mão. Depois assumiu uma posição de guarda ao meu lado e começou a rosnar.

— AI! CRIATURA MALDITA. EU VOU MATAR ESSE CÃO — gritou, enquanto puxava rapidamente a mão ferida e sacava a faca com a outra. Levantei-me rapidamente e agarrei seu punho com a lâmina.

— Nezumi, isso não é necessário — disse calmamente.

— COMO ASSIM “NÃO É NECESSÁRIO”? ESSE ANIMAL IMUNDO ME MORDEU.

— Ele só fez isso porque você se moveu de forma imprudente. — Tomei a faca de sua mão e guardei-a em meu bolso — Deve ter pensado que me faria algum mal. Está tudo bem, deixe-me ver.

Acariciei a cabeça do cão e instruí para que permanecesse onde estava. Conduzi Nezumi para longe do animal e fiz com que ele se sentasse ao meu lado.

— Pulguento imundo — resmungou irritado, enquanto eu retirava sua luva negra para analisar o ferimento. Havia a marca dos dentes do animal e dois filetes de sangue que fluíam constantemente. Ele enrijeceu o braço quando pousei sua mão sobre a minha.

— Como pensei, não é nada sério. Você vai ficar bem — concluí, revirando a mochila de Nezumi e encontrando um pequeno kit de primeiros socorros. — Vou limpar o ferimento e enfaixá-lo, então não se mexa.

Peguei o vidro de antisséptico e despejei um pouco sobre o ferimento.

— AI, SHION! Devagar, está doendo — reclamou.

— Ora, não faça drama. Você já lidou com coisas piores do que isso.

Encarou-me irritado, depois fez um bico e estalou a língua. Ri baixinho.

— O que foi agora, Shion? — perguntou impaciente.

— Você fez bico. Nunca vi você com essa cara. Foi engraçado.

— Ora, cale a boca e enfaixe logo isso que eu preciso trabalhar.

Sacudi a cabeça sorrindo e continuei a limpar o ferimento com uma gaze. Ele enrijeceu novamente, mas em nenhum momento seu rosto assumiu uma expressão de dor. Enfaixei delicadamente sua mão, cortei o excesso do curativo e prendi a ponta na própria atadura. Ele estendeu a mão frente aos olhos e começou a observar o curativo.

— Muito bem, meu príncipe. Parece que aprendeu a fazer curativos. — Ironizou — Pelo menos está muito melhor do que quatro anos atrás.

— EI! Eu realmente acho que me saí muito bem naquela época, tá? — Resmunguei. — Eu nunca havia cuidado de um ferimento daquele tipo.

Ele estendeu a mão enfaixada e tocou suavemente meu rosto, enquanto sorria gentilmente para mim.

— E mesmo assim você fez o melhor que pôde por um completo estranho, certo? — disse, enquanto acariciava meu rosto com a mão ferida.

— Eu quis te ajudar com o que fosse preciso e foi o que fiz.

Ele sorriu, deslizando a mão de meu rosto para meus cabelos, e me puxou para que eu encostasse a cabeça em seu ombro. Então beijou minha testa e sussurrou:

— Obrigado por tudo, meu pequeno.

Depois de tudo o que passamos e fizemos, como eu ainda posso me abalar com um pequeno gesto desses? Senti meu rosto corar e meu coração bater depressa. Inclinei minha cabeça em seu pescoço, buscando mais contato. Ele acariciava delicadamente meus cabelos quando, de repente, tirou a mão de minha cabeça e cobriu minha boca.

— Umm, “Nexumi”? — perguntei confuso, enquanto sua mão ainda tapava minha boca.

— Você ainda não terminou o curativo, Majestade.

— “Como azim? O quê qué dizê?”

Ele tirou a mão de minha boca e me olhou com um sorriso atrevido.

— Só vai sarar se você der um beijinho — respondeu, estendendo a mão para mim.

— O QUÊ? Não seja criança, Nezumi. Eu não vou fazer isso. — Guardei o kit de primeiros socorros na mochila e me levantei. — Vamos, temos trabalho a fazer.

— OH, o que é isso, Majestade? — disse ele, levantando-se e assumindo uma voz exageradamente profunda — Minha pobre mão, que foi assolada por uma besta selvagem. Demasiada é minha dor, Shion. A única coisa que te peço é para pousar os lábios sobre minha mão ferida. — Trouxe-a para seu peito e abaixou a cabeça, como se lamentasse meus atos indiferentes. — Será que é pedir muito um pequeno gesto de amor do meu amante?

Fiquei embasbacado com aquela cena. Como ele podia fazer essas coisas tão de repente?

— Certo, Nezumi, venha aqui — peguei sua mão e beijei as costas da mesma. — Melhor agora? — Perguntei irônico, ainda segurando sua mão.

Ele me puxou para mais perto dele, envolveu minha cintura com o outro braço e me deu um beijo demorado. Assustei-me a princípio, mas logo lhe retribuí a carícia.

— Bem melhor — sorriu malicioso.

— Umm, certo. Então vamos logo — corei, desviando o rosto — Venha Neguinho.

— Neguinho? — Perguntou confuso. O cão, que já estava quase dormindo sobre suas patas, prontamente se levantou e trotou em nossa direção. Nezumi apoiou os dedos na testa e me lançou um olhar cansado — Shion, por favor, diga que não deu nome ao cachorro.

— Qual o problema? Eu dei nome aos ratinhos e você não reclamou.

— Reclamei sim. Você só ignorou completamente minha opinião.

— E vou ignorar agora também. Vamos Neguinho.

O cão se apressou ao meu lado e começamos a descer a colina na minha frente. Quando eu estava prestes a descer, parei. Olhei para trás apenas para vislumbrar uma última vez a linda paisagem que meu amante me apresentara na noite anterior. O vale escuro pontilhado por inúmeras luzes brilhantes; o lago que refletia, como um grande espelho, a lua que brilhava no céu; a imponente árvore e o som do vento em suas folhas; o círculo de velas acesas ao nosso redor. Eu jamais me esqueceria daquilo. Tudo ficaria gravado em minha mente para sempre. Vi os olhos de Nezumi me fitarem curiosos. Ele passou por mim e colocou a mão sobre meus ombros, fazendo com que eu me virasse para descer a colina.

— Um dia, quem sabe, a gente volta aqui, meu pequeno — falou baixinho, quase que para ele mesmo — Um dia... Quem sabe...

Então descemos juntos a colina, enquanto o sol brilhava forte para o novo dia que nos aguardava.


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Notas finais do capítulo

É isso. Espero que tenham gostado. Favoritem, comentem, deixem a autora feliz! Eu não mordo, gente XD
Obrigada a todos que estão acompanhando esta fic que já caminha para a reta final ( ;-----; ). Acho que vou escrever só mais uns três capítulos aqui, mas ainda estou pensando sobre isso. (ps. sobre a parte do Neguinho... Me desculpem, mas não pude evitar XD)

Enfim, obrigada a todos e até a próxima!





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