O mago escrita por slytherina


Capítulo 1
Oneshot


Notas iniciais do capítulo

Vilão: Roderick Burgess. Ano 1916. Local: Wych Cross (Cidade da Inglaterra)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/564136/chapter/1

– Eu merecia mais. Muito mais. - Exclama o distinto senhor britânico, em seu terno listrado e relógio de ouro na algibeira.

– Sinto muito! Após as custas de processo e a partilha de bens, entre os agraciados com a generosidade do senhor seu pai...

– Eu... sou o único herdeiro. - O distinto senhor falou em tom grave entre dentes, como se estivesse tentando acalmar a fúria interior.

– Lamento! Pela lei, o senhor seu pai pode legar seus bens a quem lhe apetecer, nesse caso, ele doou a maior parte para a igreja.

– Mesmo depois de morto, meu pai me desaponta. Preterindo o próprio filho em favor de hipócritas, pedófilos e tiranos retrógrados.

– Por Deus, Senhor Burgess! Modere seu palavreado em minha presença. Aqui nesta casa tememos o nome de Deus.

Roderick Burgess abaixou os olhos, como quem se desculpa, e com um leve meneio da cabeça, despediu-se do tabelião, que acabara de ler o testamento de seu finado pai. Ele agarrou a cartola que sempre usava em encontros de negócios, e se retirou. Ficou remoendo sua indignação. O que eram afinal centenas de milhares de libras esterlinas em comparação com um milhão doados à igreja católica?

Ao chegar em casa, encontrou seu fiel amigo Ruthven Sykes.
– E então, como foi? você ficou com tudo? - O amigo íntimo o indagou.

– O Velho Burgess resolveu me dar uma lição, como sempre fêz desde que eu tinha idade para andar sozinho, sem cair. Doou mais da metade dos bens à filhadaputa da igreja católica. Mesmo depois de tudo que aconteceu comigo. Mesmo depois de eu tê-lo presenteado com o falo do santo padre. Mesmo depois de tudo, ele ainda escolheu aqueles mentirosos.

– Seu pai nunca acreditou em nada do que você lhe contou. Ele sempre deu ouvidos à seita e à interpretação cega da bíblia.

– Dane-se! É o que você ouviu! Dane-se! Ouviu meu pai? - Roderick Burgess olhou para o alto, como se pudesse ver o pai em uma janela no céu, então desatou a rir. - Ah... como se o velho estivesse no paraíso. Não! Se eu quiser falar com meu finado pai, devo invocar um demônio dos infernos, pois é lá que aquele mequetrefe deve estar...

– Acalme-se Roderick! Tanto ódio não leva a nada. Mantenha sua atenção e energia no que é mais importante. Lembra-se? O Grimório? Isto é mais importante.

Roderick respira fundo, procurando se acalmar. Seus olhos argutos e vivazes vasculham ao redor de si, até encontrar a cartola.

– Sabe o que mais, meu bom Ruthven? Eu preciso de férias. E é isso que irei fazer.

– Férias? O mundo está em guerra, Roderick. Onde pensa ir? A alemanha agora é inimiga.

– Eu sei! Como eu sei! Você se lembra do alto figurão que esteve aqui? Lorde Asquith? Ele me pediu um favor.

– Não diga! Isso vem a calhar. Espero que tenha cobrado um preço substancial.

– Cobrei o suficiente, mas... não tenho a mínima vontade de fazer o trabalho.

– E o que é?

– Simples, tudo o que os países em guerra mais querem. Ele quer vencer a guerra.

– Isso é muito grande, até mesmo pra você.

– Você duvida da minha capacidade, meu caro Ruthven?

– Vencer guerras? Isso é trabalho para deuses. A não ser que você possa conjurar o próprio Ares.

– Pois vou lhe provar que sou bom o suficiente. Não pelo Lorde pedante e empertigado, mas por mim mesmo, pra você aprender a ter mais fé em seu amigo.

– E você vai fazer isso tirando férias.

– AHAHAHAHAH! Dê-me uma trégua, Ruthven, eu não sou de ferro. Afinal não estou dando a devida atenção a minha cara Ethel. Quando nos casamos lhe prometi uma vida de jantares elegante, viagens de volta ao mundo, prazeres e sexo. Está na hora de cumprir parte do acordo, e eu não estou falando da parte sexual. Esta vai bem, obrigado.


Após as merecidas férias em um chalé na Escócia, Roderick retornou a sua rotina de herdeiro miliardário, excêntrico e hedonista. E em altas horas da noite, um feiticeiro. Ou mago, como ele gostava de se intitular.

Roderick Burgess vestiu seu melhor terno com colete de veludo. Adicionou uma bengala que casou bem com a cartola. Ele precisava impressionar bem ao homem que iria visitar. Seu amigo fiel, Ruthven, o havia avisado da presença do livro místico no Museu Real de Londres. O Magdalene Grimoire. Segundo a lenda, este livro continha magias, encantamentos e amuletos místicos para os mais necessitados; e os iniciados em magia poderiam descobrir portais para o outro mundo, se soubessem o que procurar.

Desde que sua irmãzinha morrera em tenra idade, Roderick ficara fascinado com a morte. O advento da guerra na Europa o levara a pesar a inutilidade e fragilidade da existência humana. De que serviriam tão altos padrões de moral e conduta, se uma simples bala de canhão, ou bomba de gás poderiam arrasar com a vida de dezenas de combatentes? De que adiantava amealhar fortunas, conhecimentos e bens, se uma erupção vulcânica poderia destruir uma comunidade, uma ilha inteira?

Algo estava errado nisso tudo. Ele como mago de sua seita, tendo sido adestrado na "Aurora Dourada" pelo próprio Aleister Crowley, poderia fazer a diferença nesse paradigma. Ele iria derrotar a morte. Ou pelo menos controlá-la. Não se tratava de matar alguém. Isso ele já havia feito, mas impedir que alguém morresse. Isso não seria ótimo? Mais do que ótimo. Isso seria formidável.

As pessoas comuns imaginam a morte como um ato fisiológico, como comer, dormir, defecar, fazer sexo, mas ele sabia mais do que todos. A morte era uma entidade. Ela regia a existência de milhões de pessoas, quiçá de planetas. Ela estava aqui nos primórdios da vida na terra, e por ventura estará aqui quando o planeta morrer. Isso era poder demais.

Ele tentaria negociar com a morte. Tentaria chantageá-la. Uma barganha aqui, outra acolá, e ele teria um pouquinho, uma milésima parte daquele poder, o bastante para tornar-se imortal. Esse era seu plano.

Ele já havia invocado demônios, fadas, entidades, espíritos, poltergeists. Sempre se saíra bem, mas a morte era outro departamento. A simples presença dela no seu calabouço poderia exterminar com a vida em sua mansão, que dirá da própria Inglaterra. Por isso ele tinha que ser cuidadoso, por isso ele precisava do Grimório.

Ao chegar ao Museu Real de Londres, Roderick Burgess foi atendido pelo Professor Doutor John Hathaway.

– Pois não, em que posso ajudá-lo?

– Professor, estou aqui em Londres de passagem, visitando a cidade e encontrando antigos amigos. - Roderick começou com as futilidades sociais que são de bom tom em conversas entre estranhos.

– Por favor, vá direto ao ponto, sou um homem muito ocupado. O que deseja senhor... - O homenzinho olhou novamente o cartão de visitas que seu assistente lhe entregara ao anunciar o visitante. - Senhor Burgess.

– Tentava ser educado, Professor Hathaway. Há um objeto neste museu que há muito procuro. Estou disposto a pagar uma boa soma, só pela oportunidade de estudá-lo.

– É mesmo? E que ciência o senhor estuda, Senhor Burgess? Ou devo chamá-lo de Doutor?

– Nenhuma ciência. Frequentei a universidade, mas meu espírito era inquieto demais para me prender a única ciência. Estudei todas, mas não me graduei em nenhuma. Contudo lhe garanto que sou instruído.

– Oh! E qual o objeto de seu interesse em nosso prestigiado museu?

– Um livro.

– Um livro. E qual seria esse livro?

– Ele é chamado de "Magdalene Grimoire", ou simplesmente "Grimório".

– Oh, entendo. O senhor é um ocultista. Sabe quantas pessoas já me pediram para ao menos tocar nesse livro, a pretexto de ... magia? Vinte e três pessoas só este ano. E agora com o senhor, vinte e quatro. E o senhor sabe o que respondi a cada uma destas pessoas?

– O senhor quer que eu me retire.

– Isto mesmo!

– Dê-me apenas mais um minuto do seu tempo. Permita-me explicar porquê preciso desse livro.

O homenzinho calvo com oclinhos de correntes olhou no relógio de ouro do bolso do colete.

– Um minuto do meu tempo você tem a partir de agora.

– Este livro, Professor Hathaway, é a chave para aprisionar a morte. De posse dele eu posso evitar que as pessoas morram. Seriamos imortais. Imagine este poder nas mãos, professor. Eu tenho o cinhecimento esotérico. Tenho os meios de conseguir os ingredientes. O Grimório é a minha salvaguarda de que tudo sairá nos conformes. Isso pode ser feito e todos podem sair lucrando. Afinal, quem não quer vencer a morte?

O curador do Museu levantou-se e abriu a porta do seu escritório.

– Passar bem, Senhor Burgess, e espero que adquira bom senso. Imagino o desgosto que o senhor seu pai deve sentir.

Roderick gelou ao ouvir o comentário. Fez um pequeno aceno com a cabeça e se retirou do escritório do Curador. A observação final do cientista não lhe saiu da cabeça. Sentiu-se um zumbi no restante do dia. Pouco falou com Ruthven e Ethel.

Naquela noite, ele desceu ao calabouço e preparou um ritual diferente. Ruthven o acompanhou e identificou o ritual.

– O que está fazendo, Roderick? A quem você pretende prejudicar?

O mago não respondeu. Levou um pequeno animal ao altar de sacrifícios e cortou sua garganta, espalhando o sangue no chão do círculo mágico desenhado no chão do calabouço. A seguir entoou a ladainha conjuratória. Uma fumaça escura se manifestou no círculo mágico. Aos pouco assumiu uma silhueta humana.

– Namtar, servo dos antigos mestres, tenho uma missão para ti. Eu quero o fim da linhagem de John Hathaway. Não haverá mais nenhum Hathaway naquela família. Sua linhagem se extingue esta noite, como o sangue deste animal. Eu te ordeno e quero que obedeças.

A entidade de fumaça lentamente se desfez.

Ruthven assistiu a tudo isso com a face lívida e suor frio em seu rosto. Ele não conhecia John Hathaway, mas já sentia pena daquela homem.

Uma semana depois daquela noite, Roderick recebeu uma visita. Era John Hathaway. Ele o recebeu em seu luxuoso escritório. Mandou servirem chá e bolos. O tempo todo ficou fitando o embrulho nas mãos do homenzinho, no formato de um grande livro.

– Senhor Burgess, eu lamento pela forma como o tratei naquele dia. Fiquei pensando sobre o que me disse. Vencer a morte me parece uma idéia genial, agora. Sabe, Senhor Burgess, meu filho se alistou para lutar nessa guerra maldita. Ele... ele foi morto em campo de batalha. Eu recebi o comunicado há poucos dias. Ele era meu único filho e não deixou descendência. Eu... eu fiquei pensando que... se houvesse uma forma de trazê-lo de volta... eu gostaria de ter essa oportunidade.

O homenzinho se levantou e colocou o embrulho sobre a escrivaninha de Roderick. A seguir se encaminhou à saída. Por um momento parou e olhou para trás. Falou baixinho.

– Traga-o de volta, por favor.

O Curador então se foi. Roderick serviu-se de whiskey e saboreou o prazer da vitória, enquanto acariciava o livro cobiçado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O mago" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.