Não se esqueça escrita por D C S Martim


Capítulo 1
Passados que não passam


Notas iniciais do capítulo

Estou brincando com algumas ideias aqui. Os eventos... Eu não sei, não está diretamente relacionado a nenhum evento em particular, então, qualquer ponto depois que o John e a Roxy se conheceram está valendo. Quaisquer dúvidas, não hesitem em perguntar!



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John caminhou em volta do quarteirão de sua casa, tentando não parecer inquieto, como fazia todos os dias. Era um hábito que adquirira para manter a mente focada no presente, garantir a si mesmo que o tempo estava passando, e que ele estava mesmo ali, presente naquela dimensão da realidade, vivendo aquele momento e àquela vida, que era John Egbert, o adulto. Que usava um terno que não era azul petróleo, que usava um martelo que não tinha nome de arroto, que levava uma vida bastante comum, em um mundo bastante comum. Muito tempo havia se passado desde que o passado distante e fantasioso, que lhe parecia muito mais um sonho que uma experiência de tirar o fôlego, que mudaria sua vida para sempre, aconteceu. Afinal, é para isso que inventaram a palavra passado; para descrever alguma coisa que, de alguma forma... Já não era mais, embora para John parecesse impossível compreender. E quando dizia “compreender” queria dizer tudo. Desde o começo. Até o final. Final do qual não se lembrava, e perdia os sonos, e deixava o tempo escapar inocuamente pelos finos vãos dos dedos.

Já era um homem adulto agora. Em essência, sabia que não mudara muito, mas todo o resto era tão estranho e diferente, que as vezes John sentia que acordara, um dia na pele de um estranho. Um estranho diabolicamente atraente, tinha de admitir. Strider ficaria enciumado se o visse agora, com esse queixo bem trabalhado, sorriso adorável e olhos convidativos, escondendo-se timidamente atrás dos grossos aros de seus óculos sensacionais. Jesus, o garoto era um estouro! Strider ficaria enciumado, se não estivesse morto.

John continuou a caminhar, e decidiu que seu quarteirão era muito pequeno. Caminharia até um pouco mais longe hoje. Até onde as pernas aguentassem. Caminharia pensando em seus amigos mortos, porque era tudo em que conseguia pensar.

Ele fizera lápides para cada um deles, mesmo não tendo corpos para enterrar. As pessoas que sabiam daquilo o achavam louco por enterrar caixões vazios em um cemitério, mas a verdade é que buscava enterrar suas lembranças, lembranças que nem ao menos conseguia lembrar, e é claro que não esperava que as pessoas entendessem. Só estava fazendo algo estúpido para colocar fim àquilo que parecia lhe perseguir por tanto tempo, àquele jogo inacabado, àquela história sem final que enchia seus sonhos e devaneios.

Estava frio, e ele deu mais uma volta no cachecol que trazia ao redor do pescoço, acelerando o passo. Ele teria se aproximado de suas lápides (eram suas, ele pagara por todas elas!) mas o barulho silencioso de soluções reprimidos atraiu sua curiosidade, e ele resolveu espiar a dor alheia para tentar esquecer a sua. Abaixou-se atrás de uma lápide e inclinou a cabeça pra o lado, desequilibrando-se e acertando o chão.

-Au.- resmungou para si mesmo, enquanto tateava em silêncio, à procura de seus óculos.

Quando os colocou novamente estavam embaçados, mas ainda assim pode reconhece-la. Levantou-se depressa.

-Roxy?- chamou.

Ela estava debruçada sobre o pedacinho de padra lapidada e reluzente sobre o chão, chorando compulsivamente, de uma maneira delicada e graciosa, embora aquilo parecesse impossível.

-Roxy! O que está fazendo aqui?!- John espantou-se e correu em direção à ela.

Roxy esfrgou as bochechas, com as mãos cobertas por luvas, tentando livrar-se das lágrimas, mas eram muitas. Não queria que ninguém a visse ali, daquele jeito, por isso viera visitar no meio da semana, no meio da manhã, quando todos estivessem ocupados demais para notar a desconhecida lamentando por mortos que nem ao menos eram seus. Queria parecer ao menos um pouco digna, mas não se sentia assim, então resolveu deixar as coisas como estavam ao invés de piorá-las mais ainda.

-Ah, é você, Johnny, John, J Boy.- deu um sorriso quebrado, enquanto as lágrimas continuavam a escorrer, e fechou seus olhos, porque não queria ver o desprezo estampado em seu rosto quando ele compreendesse o pedaço de lixo que ela havia se tornado.

John abaixou-se ao seu lado e passou o braço ao redor de seus ombros.

Ela não parecia patética. Parecia machucada e desamparada, mas Roxy Lalonde jamais seria patética. Ele não pode deixar de sorrir. Ela parecia a mesma, e ainda tinha o mesmo sorriso infantil que parecia conspirar para fazer com que o Universo se rendesse à seus pés. Espera, o quê?!

-Ah... Roxy, estou tão feliz por ver você. Eu não sabia... Bem... Achei que... – disse, tentando disfarçar o rubor em suas bochechas e sentir um pouco mais do perfume dela.

-Todos morreram, John. – ela continuou sorrindo e soluçando, sem olhar para ele.

-Eu sei. - ele assentiu, embora soubesse que ela não estava olhando.

-Eles tem túmulos...- murmurou roxy, engolindo um soluço – O melhor que pude fazer pelos meus foi uma garrafa de whiskey vazia para cada um. Eu até queimei incenso dentro, para parecer que havia alguma coisa.

Ela riu, se autodepreciando.

-Você pensou em tudo. Típico de você, John. Não conheço mais ninguém que se daria ao trabalho de... Só pra... Ugh!- estapeou a própria testa e mordeu os nós dos dedos, chorando.

-Vai ficar tudo bem.- John aconchegou-a em seu peito e escondeu seu rosto em sua camisa, dando-lhe liberdade e abrigo para chorar.

-Por que não fazemos assim: Você vai para casa comigo, nós tomamos um café e comemos alguma coisa, e você me conta como chegou até aqui.

Ela assentiu.

-Roxy...Ela era incrível. E amava muito você.

-Ah meu Deus, John!- ela agarrou-se a ele com uma força que não parecia ter, surpreendendo-o.

-WOah! Roxy!

-Eu não acredito... Não consigo acreditar... John... Eu...- ela precisou de alguns segundos para se recompor antes de voltar a ele – Eu vim até aqui porque precisava muito falar com você. Assim que descobri que você estava vivo. Eu vim porque não me lembro mais dela, John.

-O quê?- estranhou ele – Como você descobriu que eu estava vivo? Como não se lembra? Quer dizer, eu estava lá quando... Eu vi... Você estava...

Ela assentiu.

-Eu sei, John. Essa é a pior parte. Eu sei, mas não consigo me lembrar.

-Como isso é possível?

-Alguém está mexendo comigo. Com a minha cabeça. Alguém está me fazendo esquecer coisas.

-isso é ridículo, porque alguém faria isso.

Roxy parou de chorar por um momento para parecer surpresa.

-Meeee-u Deus, Johnny. Meeee-u Deus. Você teeeem razão. Quem iria querer mexer com a memória das duas únicas pessoas que, tipo, sabem tudo sobre a cospiraçãozinha deles?! Queeeeee estupida eu sou, Johnny. Meeeu Deus.

John bagunçou seu próprio cabelo.

-Eu, uh, acho que você tem razão.

Ela estalou a língua e maneou a cabeça.

-E então, o que você quer fazer?- perguntou ele.

-Não aqui, J boy. Me leve para conhecer sua casa.- ela deu uma piscadinha e John corou.

-Uh, claro, Rox. Como você quiser.

-“Uh, claro, Rox. Como você quiser”. – repetiu ela, rindo – Ah meu Deus, tem como você ser mais fofo?!

John sinceramente não soube dizer se aquilo era um elogio ou um insulto.

Preferiu não saber.

Ajudou a amiga a se levantar, e se alguém olhasse, à distancia, poderia jurar que estava vendo dois adolescentes esquisitos, usando pijamas estranhos, descendo por um caminho colorido e misterioso. Então a pessoa esfregaria os olhos. Meu Deus, que alucinação estranha foi aquela?!


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Notas finais do capítulo

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