Pisco os olhos várias vezes mas tudo o que eu vejo é escuridão. Meus outros sentidos afloram em busca de algum ruído, cheiro ou toque. Ouço os passos lentos, as respirações pesadas e um choro contido que julgo ser de Lucy. Minha mão trêmula procura pela sua na escuridão e assim que a encontra se fecha com firmeza, não posso permitir que ela sinta o meu medo. Sinto-me totalmente incapacitada, mas estou obstinada a protegê-la até meu último suspiro. Não posso ver mas sinto a aproximação dos monstros. Apesar de tudo estou convencida, a morte é inevitável.

- Jenna – sinto o toque leve em meus ombros, o que não me impede que eu me assuste.

Abro os olhos e não estou mais na paisagem de medo que estava um segundo atrás. Estou numa casa fechada com móveis tapando as entradas, mas posso ver a luz do dia entrando pelas frestas. Lucy me encara com certo receio nos olhos.

– Você está bem? – ela pergunta. Dou-me conta do suor na minha testa, do calafrio que percorre meu corpo devido ao terror do meu sonho. Então passo as mãos no rosto e dou um sorriso.

- Claro que estou. Por que não estaria? – Nada convincente.

- Porque você estava tremendo enquanto dormia. Teve algum pesadelo?

- Na verdade tive sim. Sonhei que tinha encontrado um banheiro com água corrente quentinha e quando tirava a roupa pra tomar banho ele sumia!

Ela sabe que eu estou mentindo, mas ri mesmo assim e resolve deixar pra lá. Olho para o seu sorriso tentando guardar o máximo de detalhes possíveis. A forma como ela aperta os olhos, os fios do cabelo castanho caindo em frente ao rosto, o resquício de inocência que ainda não foi roubado de sua infância. Enquanto puder ver o seu sorriso eu saberei que vale a pena viver nesse mundo. Reforço em minha mente a promessa de não deixar que nada nesse mundo tire de mim essa garotinha de 12 anos.

- Tenho uma surpresa pra você – digo ao me levantar. As circunstâncias atuais fazem com que eu cheque minhas armas antes de ajeitar meu próprio cabelo. Coloco o velho revolver do meu pai no coldre do cinto, me asseguro de que a faca continua em meu bolso e olho pro machado do lado do colchonete. Ainda parece estranho andar com um machado por aí, mas a minha habilidade no baseball durante a faculdade me deu a força necessária nos braços pra me dar bem com uma arma dessas.

- Surpresa? – Pergunta Lucy já habituada com esse meu não mais incomum ritual.

- Sim. Ontem quando eu estava vasculhando os armários achei uma coisa para o nosso café da manhã.

Dirijo-me até a cozinha e tiro uma caixa de dentro do armário.

- Cereais! – Ela comemora.

- Passaram um pouquinho da validade, mas acho que se não comermos muito não vamos ter dor de barriga.

- Tudo por cereais! – Responde ela esfregando as mãos.

Enquanto comemos sinto uma sensação de conforto tão grande que quase poderia acreditar que o mundo lá fora não é o caos atual, mas não posso esquecer nunca de colocar nossa sobrevivência em primeiro lugar.

- Hum, Lucy...

- O quê?

- É, eu sei que viemos para esse lugar ontem às pressas por causa... por causa de tudo o que aconteceu. Mas antes de nos instalarmos aqui precisamos de suprimentos, essa casa não tem nada além dessa caixa de cereais. – Ela respira fundo e deixa os ombros caírem.

- Quer dizer que não vamos ficar aqui?

- Não, aqui é um lugar ótimo. É uma região aparentemente inabitada e tem até um poço no fundo da casa. Mas antes devemos sair pra procurar suprimentos. E temos que sair logo após o café da manhã. – Se eu pudesse não a levaria, mas deixá-la aqui pode ser muito mais perigoso.

- Ah, tudo bem. Só queria ficar em uma casa por mais de dois dias.

- E nós vamos, eu prometo. – Puxo uma mecha do meu cabelo, que já não é mais tão curto como antes, para trás da orelha, esperando que realmente possa manter essa promessa.