Alguns meses se passaram depois daquela operação e, como o esperado, os Fallen Ones intensificaram a segurança de seus templos e eventos religiosos. Mas não era como se eles tivessem alguma escolha. A transmissão da “execução” chocou o país e incitou o ódio adormecido nos corações da população. Várias revoltas eclodiram nas primeiras semanas seguintes ao ocorrido, mas acabaram diminuindo sua frequência por causa das fortes intervenções da Igreja. Ronmanoth nos contou que no dia seguinte ao sucesso de nossa operação houve uma reunião entre todos os grandes líderes do culto para decidir o “futuro da nação”. O resultado foi uma mudança na data da “grande campanha religiosa”, que seria três meses mais cedo, o que, consequentemente, nos obrigou a apressar nossos preparativos.

Roward conseguiu várias novas alianças e acabou ouvindo relatos sobre o quão “desesperados” estavam os religiosos. Parece que eles esperavam que o simples pronunciamento de uma execução pública televisionada seria o suficiente para impor medo àqueles que estavam pensando em ir contra o culto, mas isso acabou tendo o efeito contrário. A onde de revoltas citadas anteriormente pode ter sido controlada rapidamente, mas pelas informações que nosso líder conseguiu isso era apenas mais uma prova do quão irritados e desesperados os chefões da seita estavam. Conseguimos novos infiltrados em outras igrejas ao redor do país e confirmamos esses “rumores” ao juntar os relatos destes membros. O clero mal era visto e não havia mais o clima de imponência nos cultos. Este foi substituído por uma tensão que começou a se espalhar lentamente pelo país. E isso chegou ao seu ápice na semana antes do início da “Grande Purificação”.

Nosso grupo, que passou a ser chamado de “A Organização” pela sua falta de nome, manteve-se nas sombras após aquela operação com o intuito de se preparar para impedir os Fallen Ones. Um boato sobre nossa existência se espalhou no final do mês anterior à limpeza em massa e acredito que ajudou na decisão de algumas pessoas que ainda não sabiam em que lado ficar. Nosso bom e velho padre nos disse que esse “boato” chegou aos ouvidos do clero em pouco mais de uma semana e os deixou ainda mais alertas. Eu e Sayumi treinamos arduamente nossos homens e a hora de ver se todo aquele tempo gasto teria valido a pena se aproximava.

Essa “semana de tensão máxima” foi uma das mais corridas no templo e em nossa outra base. Estávamos até planejando nos mudar para esse outro local antes de enfrentar novamente a Igreja, mas isto não foi possível. Enfim, faltava apenas um dia para nossa intervenção e Roward decidiu fazer uma última reunião com os líderes. Eu, Sayumi, Ronmanoth e ele nos reunimos em meus aposentos e o nervosismo de nosso comandante era visível:

– Então... Sei que já tivemos várias reuniões, principalmente no último mês, e que o grande dia é amanhã, mas... Eu gostaria de repassar tudo com vocês mais uma última vez só para ter certeza de que nada pode ser melhorado nesse plano.

– Não sei se isso é realmente necessário, mas se você quer, então acho que não há problema nenhum nisso. – disse Sayumi.

– Quem diria que nosso grande líder estaria tão nervoso a essa altura do campeonato. – disse. – Chega a ser engraçado.

– É que... Eu também não entendo direito. É a primeira vez que me sinto assim antes de colocar um plano em ação, mas... Sei lá... Acho que é por que esta é a maior operação que já arquitetei e tem muita coisa em jogo.

– Não se preocupe Roward. – disse Ronmanoth. – Todos deram o máximo para se preparar e farão o possível para que tudo ocorra de acordo com o planejado amanhã.

– Pois é, nós confiamos na sua capacidade de liderança. – disse. – É claro que será uma tarefa muito difícil e provavelmente haverá várias baixas de nossa parte, mas grandes mudanças exigem grandes sacrifícios.

– Obrigado pelo apoio, mas eu realmente só conseguirei descansar depois que nós revisarmos as etapas de amanhã.

– Tudo bem, senhor esquisito. – disse Sayumi.

– Ótimo! A expedição dos Fallen Ones sairá de Olgden Ville às seis da manhã e seguirá marchando para a capital. O alistamento foi encerrado semana passada e todos os participantes chegarão à cidade até o fim do dia. Depois de seguirem como um imenso pelotão, eles planejam se separar assim que atingirem o município vizinho e continuarão se dividindo até cobrirem toda Harvyre.

– Isso significa que teremos que interceptar o “exército” antes que eles se dividam. – complementei.

– Exatamente! A maior parte de nossos homens estará esperando escondidos na estrada. No caso, esses são o meu grupo e o da Tsuya. Ronmanoth e seu grupo de infiltrados nos manterão informados para eu saibamos a hora de agir. Sayumi e o restante dos membros atacarão por trás para que nenhum deles possa recuar para a cidade.

– Apenas alguns representantes do clero estarão presentes e tentarei me livrar deles o mais rápido possível. – disse Ronmanoth. – Pelo que assisti dos treinos e ouvi nas reuniões, essa tropa só recebeu um treinamento intensivo e rápido de combate. Ou seja, eles não passam de cães que seguem as ordens de seus donos. Assim que silenciarmos os líderes, eles não saberão como agir.

– É possível que haja pessoas experientes no meio daquele exército, mas duvido que a Igreja esteja esperando uma nessa proporção e isso causará um caos em suas tropas. – disse Sayumi.

– Chega a ser engraçado o fato de eles terem escolhido logo Olgden Ville para servir como ponto de partida para essa expedição. – disse.

– Isso tem a ver com a “ascensão” da seita. Os líderes responsáveis pelo fim da ditadura nasceram aqui e tal.

– Já sabia dessa história, mas não sabia que esse era o motivo. Enfim, é bom que todos vocês se lembrem de que eu sou a única imortal por aqui e não tentem fazer nenhuma burrice. Não hesitem em recuar caso achem que a situação não pode ser revertida.

– Agradeço pela preocupação, Tsuya. – disse Roward. – Teremos isso em mente o tempo todo. Não há nada de errado em fugir para poder voltar mais preparado outro dia. Bem, acho que isso é o suficiente para mim. Vou reunir nossos homens e fazer a mesma coisa para poder ficar totalmente tranquilo.

– Você realmen...

Tentei questionar as ações de nosso líder, mas este saiu muito rapidamente.

– Fique tranquila, sacerdotisa. – disse Sayumi com uma de suas mãos em meu ombro direito. – Ele ficará bem. Roward foi quem mais se esforçou para que chegássemos até aqui e se ele precisa fazer algo desnecessário para ficar bem, então que assim seja.

– Tudo bem... Acho que vou tentar relaxar um pouco.

Fui até o salão principal do tempo e fiquei lá até o fim do dia. Pensei em tudo o que aconteceu e que poderia vir a acontecer no futuro e boa parte do tempo não pensei em absolutamente nada. Apenas fiquei ali, esperando o tempo passar enquanto deixava o clima de paz daquele local me acalmar.

A noite se foi e o momento tão esperado chegou. Saímos bem cedo do templo e marchamos em direção à estrada que ligava as duas cidades. Meu grupo possuía cerca de cinquenta homens e o de Roward uns oitenta. Posicionamo-nos nas árvores que ficavam ao redor da estrada e apenas esperamos. O dia estava incrivelmente frio, o que nos atrapalhava um pouco. Mas nem mesmo uma forte nevasca impediria nossa vontade de acabar com toda aquela corrupção que tentava corroer o país.

As horas se passaram e Ronmanoth confirmou que tudo seguia de acordo com o plano, para nossa sorte. Pouco tempo depois de alguns tímidos raios de Sol tentarem sem muito sucesso atravessar as nuvens e iluminar aquele dia, pudemos avistar a primeira fileira de soldados da Igreja. Eles ocupavam as duas faixas da rodovia e à medida que avançavam podíamos ver o quão numerosos eram. Isso não nos abalou, pois já contávamos com uma grande diferença de números. Nós estávamos apostando na qualidade de nossos homens.

Assim que eles se aproximaram o suficiente, nosso ataque começou. Tínhamos a vantagem de um ataque surpresa, o que tornou fácil derrubar as primeiras fileiras por de trás das árvores. Assim que eles começaram a se recompor da primeira saraivada, parte dos homens (liderados por mim) avançou enquanto o restante continuou o ataque à distância. Não demorou muito para que toda a atenção do exército estivesse voltada para nós, mas sua desorganização era nossa aliada e serviu para que avançássemos cada vez mais.

Pouco tempo depois de atrairmos a atenção de todos, Ronmanoth e seu grupo (cerca de cento e cinquenta homens) começaram a agir e assassinaram o clero presente. Em seguida, começaram uma investida de dentro para fora do exército. Essa foi a deixa para Sayumi e o resto de nossos membros (algo em torno de duzentas pessoas) começaram a atacar por trás, terminando de desestabilizar nossos inimigos.

A batalha foi muito sangrenta e “rápida”. Não era a primeira vez em que eu participava de uma luta em tais proporções, mas acredito que isso afetou negativamente nossos membros, já que esta era a primeira vez da maioria. A estratégia de Roward foi implacável, mas não existe plano perfeito. Ronmanoth e sua unidade tiveram que abrir caminho e fugir da batalha assim que começaram a agir, pois, caso contrário, seriam esmagados pelo número absurdo de inimigos. Os pobres coitados nem puderam se juntar novamente a nós, pois havia um grande número de feridos. Sayumi também teve o mesmo azar e recuou com seu grupo após quase uma hora de luta intensiva. Roward e seus homens também fugiram juntos ao meu pelotão assim que Sayumi recuou. Tive que segurar nossos inimigos até que todos os membros da Organização estivessem em um lugar seguro. Depois disso, fiquei o máximo que meus instintos e ferimentos me permitiram e também procurei abrigo.

No fim, eliminamos um quarto do exército dos Fallen Ones e perdemos menos da metade do nosso. Parece uma situação ruim, mas considerando a diferença gritante de números nosso resultado foi ótimo. Afinal, nosso objetivo nunca foi acabar com todos ali de uma vez e sim matar o maior número possível de inimigos. Aquilo também resultou no fim do nosso anonimato e na dispersão de parte dos seguidores da Igreja. A notícia de nosso sucesso foi definitiva para que todos os cidadãos do país escolhessem um lado e também marcou o início de uma guerra por Harvyre. E nossa organização estava mais do que pronta para essa situação.