Perseus: A guerra contra o Princípio escrita por Naylliw Freecs


Capítulo 15
Como aproveitar o baile de primavera


Notas iniciais do capítulo

Iae meu povo!! Boa leitura...



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 Perseus

Então, com um potente raio que estremeceu toda a terra, Zeus finalmente conseguiu derrubar a última das cem cabeças do gigante da tempestade, uma das maiores armas usadas pelos terríveis titãs durante a chamada titanomaquia. Embora a guerra ainda tenha se alastrado por algum tempo, a liderança implacável do rei dos deuses foi um fator indispensável para a obtenção da vitória naquela guerra. É interessante falar que durante o ataque de Tifão diversos outros deuses fugiram para o Egito, assumindo lá as formas de outras deidades, o deus Apolo por exemplo tomou a forma de um falcão e assumiu o título de Hórus...

Se eu tivesse que escutar essa história mais uma vez, provavelmente atiraria minha carteira sobre a cabeça do novo professor de Literatura antiga. O cara até que tentava ser legal enquanto narrava os acontecimentos da guerra entre os titãs e seus descendentes, mas estava tudo absolutamente errado. Zeus fora humilhado quando sozinho tentou derrotar o titã da tempestade e o mesmo só foi derrotado com o trabalho em conjunto dos seis filhos de Cronos. Pelo amor das Parcas! Héstia foi quem desferiu o golpe final que atirou o gigante no abismo! Eu estava lá, acompanhei tudo, provavelmente o tão glorioso Ze...

— Senhor Jackson! – O pulo que dei no meu lugar foi no mínimo vergonhoso, a sala inteira riu e o professor bateu as mãos sobre a mesa exigindo o silêncio.

— Perdão professor Reed, o senhor falou alguma coisa?

A temperatura do ambiente pareceu cair alguns graus. Literalmente. Todos os alunos se calaram, se uma agulha caísse no chão escutaríamos sem problemas, apenas o barulho da chuva batendo contra a janela percorria toda a sala. O sr. Reed se curvou por cima de sua mesa, consegui escutar a madeira rangendo sob seus dedos, arrumei os óculos escuros meio tortos em meu rosto.

— Sim, senhor Jackson. Não teria que repetir a pergunta se prestasse mais atenção em minha aula. No entanto, já que a matéria parece ser tão fácil para você, gostaria que respondesse a minha pergunta. Quais fatores podemos considerar decisivos para a escolha de Zeus como o rei dos Deuses? – Refleti por um momento. Quais haviam sido os fatores mesmo? Talvez o golpe com o raio mestre que foi dado em Hades e logo em seguida o seu banimento do Olimpo, ou talvez até mesmo a minha interferência na batalha entre os céus e o submundo. Mas sabia que essa resposta não seria aceita e muito provavelmente encontrada em livro algum. Suspirei derrotado, não podia chamar atenção para cima de mim, pelo menos, não por enquanto.

— Existiram diversos fatores que contribuíram para a ascensão de Zeus. O deus dos raios foi o único filho que Cronos, o rei titã, não engoliu. Ele foi quem liderou seus irmãos após tê-los libertado, além disso foi presenteado pelo raio mestre, uma das armas mais poderosas da antiguidade. Sua liderança e habilidade foram decisivas na luta contra seus inimigos. E depois que conseguiu derrotar Tifão, seu poder não poderia mais ser questionado. – Apesar de sentir um gosto azedo na língua enquanto elogiava o rei dos deuses, a cara de incredulidade do professor deve ter sido impagável, alguns risinhos foram soltos atrás de mim, infelizmente não pude ver de quem.

— Ehr... ham... Muito bom, Jackson. Agora turma...

— Mas obviamente essa é a resposta fácil. Zeus na verdade não passou de um tirano manipulador, que se aproveitou de tudo e todos ao seu redor para chegar ao poder, um hip... – Antes que pudesse terminar de falar um trovão explodiu tempestade afora, por um momento um leve cheiro de ozônio preencheu todo o local e um arrepio percorreu minha espinha. Rainha do drama.

— Você tem uma ideia fora do comum sobre o senhor dos céus garoto. Responda-me, por qual motivo afirma com tanta certeza esses fatos sobre Zeus? Qual obra confirma isso? A Ilíada? Ou quem sabe a Odisseia? – Ao contrário de minha primeira resposta, essa não o surpreendeu, seu tom de voz permaneceu impassível de mudanças.

— Acredito que o senhor não tenha tido acesso ao mesmo tipo de fontes que eu tive, professor. – Atrás de mim algum garoto pronunciou um silencioso “iiiih”, mas antes que pudesse receber alguma resposta, um sinal estridente soou em meus ouvidos. As aulas haviam acabado.

— Pois bem turma, preparem-se para o teste oral que ocorrerá na nossa próxima aula, após o nosso anual baile de primavera. Desejo a todos um bom recesso e um bom divertimento na festa. – Alguns gritaram e atiraram objetos para cima animados. Esperei por um momento o fluxo de animais naquela sala diminuir, não havia mais respeito pelos cegos nesse mundo. Joguei meu material dentro de minha mochila e tateei o chão a procura de minha bengala. Quando finalmente a achei e me preparei para ir embora uma mão pesada pousou em meu ombro.

— Não é sábio afrontar o rei dos deuses, senhor Jackson. Espero que uma criança tola e cega como você saiba se pôr no seu lugar. Não provoque a ira de forças além de sua compreensão. – A voz rouca do professor penetrou meus ouvidos, juntamente com uma onda de ar frio.

— Ora professor, tanto você quanto eu sabemos que os deuses não existem, não é? Lendas e mitos criados pelo homem numa tentativa de se acomodar a natureza, estou certo? – Engoli em seco e sorri tentando demonstrar confiança. Sua resposta demorou a vir, como se tivesse me analisando, mas sua mão deixou meu ombro e seu corpo abriu passagem para mim.

— Sim Jackson, temos certeza disso.

Deixei o local apressado, a bengala metálica se chocando hora ou outra com o chão frio do internato. Era um lugar grande e afastado da civilização, praticamente dentro de uma densa floresta no oeste dos EUA, Nevada. Aparelhos eletrônicos eram proibidos nos corredores ou salas de aula e visitas apenas agendadas e nos finais de semana. Geralmente apenas adolescentes problemáticos eram trazidos para cá, e não, eu não sou adolescente e muito menos problemático. Caminhei rapidamente pelos corredores tão familiares, passando pelo refeitório e salão de festas, onde o comitê do baile tentava deixar aquele lugar o mais apresentável possível. Algumas pessoas me cumprimentaram animadas, após certo tempo já conseguia distinguir sem problemas a voz de cada um, sorri em direção ao barulho que faziam e segui o meu caminho.

Mesmo tendo uma vasta gama de espaços vazios, esses não apresentavam condições para abrigar os alunos e apesar de toda a rigorosidade desse lugar, o sistema de dormitórios não possuía quartos separados para os garotos e garotas, talvez por falta de investimentos ou infraestrutura. Por isso não foi uma grande surpresa quando abri a porta metálica do quaro e uma voz um tanto aguda demais brotou em meus ouvidos.

— PERCY JACKSON!

— Ai, ai, Bianca! Ficou louca? Além de cego quer me deixar surdo também? – Sem responder e antes mesmo que pudesse me recuperar do susto a garota me agarrou pelos cabelos e me puxou até que chegasse onde deveria ficar sua cama.

— Sinta esse cheiro! – Ela empurrou minha cabeça para baixo, mas o cheiro forte de algo podre me fez recuar institivamente.

— Pelos Deuses! Você podia ter feito isso no banheiro, caso não saiba o cego aqui sou eu e mesmo assim sei onde fica a privada. – Não podia ver seu rosto, mas provavelmente estaria mais vermelho que as vacas sagradas de Apolo. O grito que veio logo a seguir deve ter no mínimo rachado o vidro da janela.

— SEU IDIOTA, IMBECIL E INÚTIL! NÃO IA ESTAR FAZENDO GRACINHA SE FOSSE NA SUA CAMA NÉ? ACHO MELHOR VOCÊ LIMPAR ISSO E ADESTRAR LOGO ESSA MACACA IDIOTA, OU ENTÃO VISTO ELA DE CASACO!

Como se sentisse que foi chamada, Carlota pulou sobre o meu ombro, enroscando sua calda por meu pescoço e se aconchegando em minha cabeça. Não passava de um pequeno mico-leão-dourado, com a pelagem alaranjada e espessa. Um animal extremamente raro, os poucos remanescentes de sua espécie viviam na mata Atlântica brasileira.

— Quem é a menina linda do papai? Sim? É a Carlota? É ela sim! – Acariciei a cabeça do pequeno ser, ouvindo o seu leve ronronar de agrado. Esperava mais um surto da minha companheira de quarto, mas ela simplesmente saiu batendo a porta enquanto reclamava algo como “malditos animais pequenos e bonitinhos que me odeiam”.

— Você devia parar de irritá-la. Ela realmente parecia zangada. – A voz baixa e fria de Nico ecoou pelo quarto. Virei em sua direção no momento em que Carlota pulou em direção a cama com um leve rosnado em direção ao garoto. – Esse bicho só parece gostar de você.

— Na verdade, ela também gosta da Bianca. Mas você não tem jeito mesmo, ela te odeia. – O garoto resmungou mais alguma coisa sobre como o sentimento era mútuo e também, como eu e sua irmã mimávamos demais a pequena mico leão. Tateei minhas coisas até encontrar um par de luvas descartáveis e recolher o presente deixado na cama de Bianca, jogando o material numa lixeira logo em seguida.

— Ela me disse que você sambou na cara do professor Reed mais cedo. – Nico voltou a falar enquanto eu recolhia o lençol sujo, atirando para um canto qualquer do quarto logo depois. As vezes me esquecia que sua irmã e eu estudamos na mesma sala, não que não fossemos amigos, mas havia chegado num ponto que não aguentava mais o discurso repetitivo de diversos professores.

— Não foi nada demais.

— Eu não gosto daquele cara.

— Você não gosta de ninguém. – Retruquei com um sorriso no rosto.

— Tem razão. – Nossa risada preencheu todo o local. Ao contrário da irmã, Nico era reservado até demais. A não ser quando estava comigo ou Bianca, nessas horas parecia se transformar em outra pessoa, rindo, brincando e fazendo piadas como um adolescente normal. Sempre carregando consigo seu jogo de mitomagia. Era um grande fã do panteão olímpico, as vezes discutíamos horas sobre qual deus era o mais poderoso ou sobre como seria viver no mundo antigo e ser um herói reconhecido por todos. Obviamente, tanto o garoto como a irmã não sabiam de meu passado, por um tempo pelo menos, era melhor que fosse assim.

— Você viu aquele cara novo que chegou? – Após algum tempo jogando conversa fora, meu tão sociável colega de quarto me fez a pergunta.

— Quem é o azarado?

— Não sei... Vi Bianca conversar com ele hoje mais cedo. – Ergui uma das sobrancelhas, levantando rapidamente os óculos para que pudesse ver. – Tá, tá. Eu vi na hora que ele chamou ela e espionei os dois tá legal? Eu me preocupo com ela! Imagina se ele fosse um estuprador? Aproveitador de garotas indefesas? Mas enfim, a conversa foi estranha Percy... Ele disse que seu nome era Grober, eu acho, disse que não vamos conseguir nos esconder por muito mais tempo, algo relacionado ao nosso cheiro estar ficando mais forte. Disse que aqui não é seguro, mas que conhece um lugar... um lugar onde podemos ficar a salvo... Ele sabia meu nome, mesmo sem nunca ter conversado comigo. Eu não quero me mudar mais! Esse é o primeiro lugar em anos que eu pude finalmente chamar de casa!

— Não se preocupe tanto Nico, deve ser mais um dos admiradores de Bianca. E acredite em mim, ela sabe se virar melhor do que nós dois juntos. – Não podia preocupar mais ainda o garoto, sabia o quanto havia sofrido nos diversos orfanatos em que passara. Do trauma envolvendo a morte precoce de sua mãe. E além de que, não deixava de ser verdade. Conhecia a fama da garota pelo internato, como uma das jovens mais bonitas do local. Eu já havia visto Bianca e podia afirmar que ela é linda. O fato é: havia sim perdido a visão, mas existem diversas outras maneiras de enxergar o que está bem na sua frente.

— Você... É, você deve estar certo.

— Devo? É óbvio que estou certo! – Minha resposta rendeu um travesseiro na minha cabeça. – Ai! Vocês gostam mesmo de judiar do menino cego, não é? A propósito, você não vai ao baile?

— Eu não queria ir, mas Bianca inventou de arrumar um par pra mim... disse que seria grosseiro recusar. Além de que... – Suspirou enquanto falava. Percebi quando ele se levantou de sua cama, fazendo a madeira velha ranger, se dirigiu até o armário que nós três dividíamos e segurou algo, o barulho do plástico chamou minha atenção. – Ela já alugou uma roupa.

Segurei uma risada diante da frustração de Nico. Retirei os óculos de sol de meu rosto, ficar com essa coisa o dia todo chegava a ser incômodo. A pequena mico leão dourado ronronava enquanto dormia em meu colo, tateei seu pelo até chegar em sua cabeça e fazer uma leve carícia, seu pequeno corpo estremeceu levemente. Lá fora a tempestade parecia se amenizar, os choques das gotas de água na janela se tornaram cada vez mais intercalados.

— Você chamou alguém? Quer dizer, é claro que não chamou, mas não me surpreenderia se alguma garota quisesse ir com você. É só você sair desse quarto que os suspiros daquele bando de oferecidas começam. – Ri mais uma vez da sagacidade do garoto.

— Recebi sim alguns convites... – Fui interrompido por uma onda de tosses que atingiu meu querido colega. – Ok, certo. Recebi vários convites, mas não estava com ânimo para festas.

— Talvez eu consiga fugir daquele inferno e volte mais cedo... – Ele parou de falar subitamente, correu pelo quarto em quanto xingava em todos os palavrões que uma pessoa de quinze anos podia conhecer. Dirigindo-se a porta logo em seguida. – Eu estou atrasado! Tenho que resolver algumas coisas... Ai, a Bianca vai acabar comigo! Nos vemos mais tarde, Percy!

— Até log... – Mas a porta se fechou antes que pudesse terminar. Aconcheguei a pequena Carlota contra meu peito, assim que deitei na cama suas pequenas mãos agarraram meu pescoço enquanto me entregava ao reino de Morfeu.

Se pudesse dizer qual a melhor parte de um dia, com certeza seria a hora de dormir. Um curto momento onde todos os meus problemas pareciam simplesmente evaporar ao meu redor. Depois de incontáveis horas no mais completo breu, imagens tomavam forma ao meu redor. Geralmente lembranças de milênios atrás, eu juntamente com Gaia me divertindo além do Cosmos, às vezes, o período no qual vivia sozinho com Caos, Ordem e Vazio. Mas dessa vez era diferente; desde que me transformara numa espécie de semideus, vez ou outra, meus sonhos tinham um significado, uma aplicação prática para um problema que poderia vir a ocorrer.

Dessa vez o mundo ao meu redor continuava escuro, não totalmente, mas o suficiente para identificar apenas as sombras que vinham em minha direção. Em alguns segundos, consegui identificar a primeira. Era Nico di Ângelo. Seus olhos estavam completamente negros, sem íris ou pupila, o cabelo castanho e desgrenhado caia por sua testa. Não usava o costumeiro uniforme do internato, mas sim um terno negro e impecável.

Não ouse falhar comigo, Perseus.

A voz poderosa e autoritária que partiu daquele corpo também não pertencia a Nico. Tentei falar algo, mas minha garganta parecia estar coberta de areia. Reconhecia aquela voz, em parte, havia contribuído para toda a sua dor. Diante de mim estava Hades, o deus dos mortos.

Não se esqueça do trato que fez comigo, primordial. Não importa a força ancestral que você possui, se algo acontecer a meus filhos, eu lhe destruirei.

Assim que terminou de falar, o corpo a minha frente se dissolveu em areia negra, dando espaço para a outra sombra se aproximar. Lágrimas involuntárias rolaram por meu rosto assim que a vi. Seus cachos loiros caiam em cascatas por seus ombros, os olhos azuis como o céu no mais belo dia de verão. Usava um vestido longo de seda vermelha, acentuando sua pele pálida. Quando se aproximou uma única lágrima escorreu de seu olho direito, ergueu sua mão e acariciou minha bochecha, secando as insistentes lágrimas que persistiam em cair.

Você não tem culpa de nada, meu amor.

Mais uma vez tentei falar, mas minha garganta havia fechado. Caí de joelhos a sua frente, meus soluços ecoavam pela vasta escuridão. Era sim, minha culpa. Eu podia ter feito mais, devia ter tentado mais, mas eu fui fraco. E a havia perdido. Para sempre. Ergui a cabeça no momento que seu corpo começou a se dissolver em areia dourada.

Eu te amo Perseus, sempre te amei e sempre vou te amar.

Acordei de sobressalto, arremessando a pobre Carlota para algum lugar do quarto. Ainda podia sentir seu toque em minha bochecha, algumas lágrimas ainda escorriam, havia chorado enquanto dormia. Mas tinha sido tão real. O meu encontro com ela, além de... Oh meu Caos. Hades acha que irei falhar com ele.

— Carlota? Vem cá, filha! – Rapidamente um peso extra caiu sobre meu ombro esquerdo, dando uma leve mordida em minha orelha como vingança. Não podia reclamar, realmente merecia. – Papai precisa de sua visão, pode fazer isso por mim? – O pequeno animal ronronou e esfregou seu rosto no meu em resposta. Fechei os olhos e me concentrei. Uma leve fisgada na cabeça e uma breve tontura vieram logo a seguir. Abri vagarosamente os olhos que pareciam arder em brasa, mas consegui distinguir as imagens a minha frente. Através dos olhos de Carlota, podia ver que estava sozinho no quarto; agarrei os óculos escuros, assim como a bengala e deixei o local.

Apesar de animais serem terminantemente proibidos dentro do internato, ser cego tinha lá suas vantagens. Não haviam permitido um cão devido ao seu tamanho, mas um mico que no máximo defecava na cama de sua colega de quarto? Sem problema algum. Tenho que admitir que encontrar Nico não foi problema algum. Era relativamente fácil quando no meio de dezenas de adolescentes pulando, dançando e gritando, apenas dois permaneciam sentados na arquibancada. Quanto mais me aproximava, maior se tornava o som e mais intensas se tornavam as luzes. Num palco improvisado, um dos alunos servia como DJ e animava todos com algumas músicas da Green Day.

Mesmo já tendo avistado quem eu queria, atravessar uma multidão de adolescentes loucos com sua querida mico no ombro não era uma tarefa fácil. Ainda mais quando continuava tendo que fingir que continuava cego. Quando finalmente atravessei aquela multidão, ganhando vários xingamentos por acidentalmente ter batido com a bengala em suas canelas, percebi que o casal na arquibancada parecia ter uma discussão fervorosa.

— O que?! Mas é claro que não, Alex! Com toda certeza Hades possui uma força superior à de Poseidon! Tá que seu ataque é mais fraco, mas se eu juntar com a habilidade...

— Nico!

— Ahn? Ah! Oi Percy, essa é a Alex, minha acomp... espera! O que é que você está fazendo aqui? Ou melhor, como conseguiu me encontrar? E por que a macaca rebelde está com você? – A sobrancelha do garoto se ergueu inquisidora e Carlota rosnou contrariada.

— Sem tempo para perguntas. Afinal, onde está Bianca? – Apesar de parecer um tanto ofendido, o mesmo respondeu a minha pergunta enquanto olhava rapidamente para os lados.

— Eu... Eu não sei. Pra falar a verdade, já faz um tempo desde que a vi...

— Ei, vocês dois. – Viramos rapidamente em sua direção e só então pude ver como era linda. Seu cabelo negro havia sido preso num rabo de cavalo acima de sua cabeça e seus olhos verdes como a água do mar pareciam ter vida própria. Usava um belo vestido azul que realçava seu corpo e chegava a metade de suas coxas. – Ela saiu já faz um tempo com o sr. Reed.

— Você por acaso viu para onde eles foram? – Uma faísca de preocupação começara a brotar de meu peito. Devia ter sido mais atencioso. É claro que dois semideuses, filhos de um dos mais poderosos deuses, chamariam a atenção de várias criaturas. Mas em momento algum pude sentir a presença de qualquer tipo de monstro.

— Ah sim! Eles saíram pela porta dos fundos. Aquele aluno novo... como é mesmo o nome dele? Grover! Isso. Parece que ele não estava passando bem e precisaram sair para tomar um ar. Se bem que já faz um bom tempo que...

— Nico, nós precisamos ir. – Meus músculos retesaram e uma gota de suor frio escorreu por meu pescoço.

— Mas Percy, eu não...

— Desculpe Nico, você vai ter que vir comigo e isso não é uma opção. É uma ordem. – Tentei passar o máximo de autoritarismo que um adolescente cego de 17 anos, com uma mascote no ombro e uma perigosa bengala pudesse oferecer. Felizmente Nico não era do tipo difícil de convencer.

— Desculpe Alex. Achei que essa noite fosse ser um desastre, mas você até que é bem... interessante. – Permiti que um mínimo sorriso brotasse em meu rosto, ainda mais quando ela se curvou e deu um beijo estalado em sua bochecha.

— Certo. Certo, vamos logo, Romeu. – Agarrei seu pulso, suas bochechas queimando de vergonha e o puxei pelo meio da multidão, hora ou outra espancando as pernas de algum idiota que se recusava a sair da frente.

Quando finalmente conseguimos sair daquele lugar, o calor dos corpos deu lugar ao frio da noite. A chuva que castigara o local durante a tarde já havia cessado, deixando o solo lamacento e com uma trilha de passos, que seguia até a árvore mais próxima e desaparecia floresta adentro. Fiz sinal para que Nico me seguisse, até que chegamos a borda da floresta e seu corpo pareceu retesar.

— Percy, não quero te ofender, mas eu não sei se é seguro entrar aí. Está escuro e bem... você é cego. Também estou preocupado com a Bianca, ela é minha irmã! E não gosto da ideia de ela estar perambulando por aí com dois homens, mas você não acha que deveríamos chamar algum responsável. Tipo, de repente algum professor? – Entendia perfeitamente seu anseio, de fato eu também não entraria numa floresta a noite com um cego. Mas Bianca estava lá e precisávamos fazer isso.

— Não se preocupe. Eu irei lhe proteger, esse é meu dever no fim das contas.

— Você? Vai me defender? Olha, você provavelmente deve ter ficado louco! Não tem como alguém em sã consciência querer que eu... – Agarrei seu queixo e o ergui para cima no momento em que atirei meus óculos no chão, vi meus olhos brilharem através de sua íris, o cabelo negro e pele morena não pareciam encaixar, logo larguei seu rosto.

— Eu posso te ver, garoto.

Talvez tenha ficado com medo, ou talvez tenha se surpreendido com o fato de bem... eu não estar tão cego quanto deveria estar no momento. Mas assim que o larguei e voltei a caminhar, ele correu em meus calcanhares. O lado ruim? Não calava a boca.

— Como assim você pode enxergar? Não havia dito que era um problema congênito? A quanto tempo vem escondendo isso? O que é que está acontecendo? Você é um assassino treinado? Bianca vai ficar bem? Ela não está em perigo, não é? Ou está? – Tentei ignorar a maioria delas, prometendo que sua irmã ficaria bem.

Adentramos cada vez mais naquela floresta, as árvores se tornavam cada vez maiores e mais densas, fazendo do caminho o mais difícil possível. Pedi para que Nico se calasse assim que escutei um ruído. Começamos a nos aproximar vagarosamente da fonte, até chegarmos em uma clareira aberta. Ali a luz da lua fluía pelas poucas árvores baixas. Em seu centro, amarrados por grossas cordas estavam Bianca e o suposto Grover.

— N-Não se pre-preocupe, a ajuda vi-virá logo! – O garoto se remexeu inquieto tentando arrebentar as cordas sem sucesso.

— BIANCA!! – Antes que pudesse fazer qualquer coisa, Nico pulou para fora das sombras e correu até a irmã lhe dando um abraço logo em seguida. Não tinha opção, olhei para os lados mais uma vez e fui até eles. Bianca por sua vez começou a se debater, tentando encarar os olhos do irmão, o desespero nítido em sua voz.

— Não, não, não! O que estão fazendo aqui? Precisam ir embora, ele vai voltar logo! Corram, fujam antes que...

— Tarde demais. – Os pelos de meu corpo se arrepiaram e Carlota chiou assustada no momento que o ar ao nosso redor tomou forma. Inicialmente apenas um par de olhos cinza tão claros que pareciam ser brancos, em seguida a cabeça, os membros, até que todo o corpo se solidificasse e a nossa frente estivesse em toda sua glória o nosso amado professor de Literatura. John Reed. Instintivamente pus Nico atrás de mim com um braço, enquanto erguia a bengala com o outro.

— Sabe professor, eu me pergunto que tipo de monstro é o senhor. São poucos os que conseguem esconder tão bem a carapaça podre. – Dei alguns passos para frente, encarando-o nos olhos. Ele por sua vez riu, agarrando uma enorme espada que se materializou do ar a sua frente.

— Eu me pergunto qual sua descendência, Percy Jackson. Não me parece ter ligação com nenhum deus, mas... – Ele farejou o ar por um segundo, sorrindo logo em seguida. – Posso sentir a energia divina que corre dentro de você.

— Percy? Do que ele está falando? – Maldição! Se essa criatura continuasse assim acabaria com o maldito disfarce que tanto me empenhei em construir.

— Não é nada, Nico. Acabarei com esse monstro imundo e então estaremos seguros novamente. Eu te prometo. – Virei os olhos para trás por um segundo, vendo as lágrimas escorrerem dos olhos de Bianca e o rosto extremamente pálido de meu amigo. O outro garoto parecia fazer uma oração silenciosa. Foi só um segundo, o tempo necessário para que o sr. Reed acabasse com os poucos metros entre nós e me desse um soco que mesmo que defendido me fez derrapar no solo molhado.

— Interessante... Não faça promessas que não pode cumprir, mortal. Além disso, eu não sou um monstro... – Seus olhos brilharam em energia azul por um momento e um sorriso brotou de seu rosto, o cabelo levemente grisalho balançou num vento inexistente naquele momento. – Eu sou um deus.


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Notas finais do capítulo

Olha só quem cumpriu o prazo? u.u
Espero que tenham gostado, nos vemos novamente em possivelmente 8-10 dias
Até lá... comentem! favoritem! Recomendem! façam um autor feliz u.u
Algum palpite sobre a identidade de nosso professor de literatura predileto?
~Filho da Noite e do Mar