Mais um dia de aula chato. Mais um dia chato. Vida chata. Rotina chato. O que antes lhe era interessante, acabou por se tornar um tanto monótono e chato, afinal, era sempre a mesma coisa.

O único momento do dia que tinha de fato alguma vida era durante seu sono. Sorria só de imaginar quando dormiria.

Já fazia alguns anos que eles juraram se ver novamente. Ela retornou para o mundo humano e ele permaneceu no mundo dos espíritos, mas como o prometido, eles arrumaram uma forma de se encontrar.

Espíritos não podem interagir com os humanos e nem serem vistos pelos mesmos, mas dentro do reino dos sonhos, tanto humanos quanto espíritos podem se comunicar e interagir. Essa era a única forma de ficarem juntos, ele tentava ir ao mundo humano, porém, ainda não possuía força e poder o bastante.

Ele queria ir ao mundo humano para ficar com ela, no momento era impossível, não estava longe de se tornar uma realidade, mas por hora, os sonhos bastavam.

Fazia anos que se encontravam, anos que fortaleciam a amizade construida em meio a adversidade, anos em que descobriam mais sobre si e sobre os mundos que habitavam.

Dos dois, o rapaz certamente era o mais curioso e cheio de perguntas. Aquilo divertia a jovem, porém, um dia, ela se viu perdidamente encabulada com a resposta que devia.

Depois de um dia deveras chato, onde o tempo pareceu correr tão rápido quando o crescimento anual de uma geleira, lá estava ela, no mundo maravilhoso que eram os sonhos. Um campo gigante e florido, com lagoas aqui e ali, nunca se cansava daquele lugar, pois este sempre parecia se alterar.

Porém, algo que realmente parecia imutável naquele mundo eram suas roupas, as mesmas roupas que usava desde os 10 anos, quando o encontrou pela primeira vez, o engraçado era que a roupa nunca a deixava infantil. Agora ele era outra história, ele sempre estava mudando, os trajes eram cada vez mais ricos e belos, sinal de seu crescente poder e influencia no mundo dos espíritos. Os cabelos também cresceram, estavam maiores que os dela. Sempre se sentia pateticamente normal perto dele com aquelas roupas, só que ele sempre dava um jeito com sua magia e usava roupas mais normais perto dela.

Eles geralmente andavam um pouco e depois paravam para descansar, sempre conversando e rindo. Foi então que aquele assunto surgiu.

¬ Oe. Chihiro. - chamou. - O que é um beijo?

Ele expressou sua dúvida sem pudor algum e isso realmente a atingiu de surpresa, estava mais vermelha que uma maçã madura. Sabia que o outro era muito curioso quanto ao mundo humano e que muitas vezes observava as pessoas em seu dia-a-dia, tentando compreender seus pensamentos e atitudes, mas tinha coisas que ele realmente precisava de uma explicação.

¬ P-porque disso agora? - ela sorria, mas isso não escondia em nada seu nervosismo.

¬ Hoje eu vi um rapaz pedir que uma garota lhe desse um beijo, mas ela apenas encostou os lábios nos dele. - explicou. - Eu não entendo. Ela não entregou nada à ele, então porque ele ficou tão feliz depois? Aquilo era um beijo? O que é um beijo, Chihiro?

Sem escapatória.

¬ U-um beijo. Um beijo é... - ele coçava a bochecha envergonhada. - É uma demonstração de carinho entre duas pessoas.

¬ Carinho?

¬ H-hai.

Onde estava a menina que enfrentou o mundo dos espíritos com todas as suas forças e "renasceu" apenas para salvar seus pais?! Ela não tinha a mínima ideia, ela estava em algum lugar, mas ali não era.

¬ Que tipo de carinho?

¬ Hoje você está muito curioso pro meu gosto, Haku! - seu nervosismo chegava a ser palpável. - Gomen. É difícil de explicar. - respondeu ainda mais envergonhada. - Um beijo é um ato de profundo carinho e amor, geralmente trocado entre parentes ou pessoas apaixonadas.

¬ Hun. - ele parecia pensativo. - Mas porque ela encostou os lábios nos dele?

Quem prestasse atenção, veria fumaça saindo da cabeça dela.

¬ U-um b-beijo só pode ser dado com os lábios, Haku. Por isso eles encostaram os lábios. - ela se levantou em um salto, pegou algumas pedrinhas e as fez quicar no lago ali perto, ele permaneceu sentado.

¬ Se for assim. - prosseguiu. - Ela o beijou no rosto, ombro, queixo, orelha e olhos também. Não é só na boca?

Ela errou um tiro com a pergunta, a pedrinha nem tocou a água, foi parar do outro lado no pequeno lago.

¬ N-na verdade, o beijo é dado com os lábios, mas a pessoa que o recebe pode tê-lo em q-qualque lugar. - volveu. - Um beijo no rosto significa amizade. Um beijo no ombro significa que a pessoa estará ali em todos os momentos. Um beijo no queixo significa que a pessoa sempre será presente na vida da outra. Um beijo na orelha significa o desejo que se sente pela pessoa. E um beijo no olho significa ternura, carinho, dedicação e amor.

Ela se considerou uma pessoa vitoriosa após dizer tudo isso sem vacilar.

¬ Mas e o beijo na boca? - outra pedrinha que foi na direção errada.

¬ B-b-bem... - já começou bem. - O beijo na boca é o maior gesto de demonstração de carinho, amor e paixão entre um casal, desde o simples tocar de lábios até o beijo mais intenso e apaixonado.

¬ E é bom?

¬ É...

Depois dessa, ela poderia cavar um buraco e se enterrar de tão envergonhada que estava.

Ele ficou em silencio por um tempo, aquilo permitiu que ela relaxasse e continuasse a brincar de quicar pedrinhas.

¬ Chihiro.

¬ Hun?!

¬ Pode me dar um beijo?

Dessa vez quem errou o alvo não foi a pedrinha, foi ela que conseguiu tropeçar na grama - imóvel - e se arrebentar no chão. Em questão de instantes ela estava sentada de frente para ele, com a maior cara de susto e nervosismo, além de um galo na testa.

¬ NANI?! - perguntou incrédula.

¬ Pode me dar um beijo? - acho que ele não compreendeu a gravidade da situação.

¬ IIE! IIE! IIE! - ela negava freneticamente, mais para espantar a vergonha do que para negar o pedido em si.

Ele então se aproximou dela e segurou suas mãos, seu olhar era um tanto pidão. Ele queria mesmo aquilo.

¬ Onegai...

Ela não sabia nem onde enfiar a cara tamanho o constrangimento, nunca se sentiu tão ansiosa para acordar. Mas o que havia de ruim? Se tratando do mundo humano, ele era tão inocente quanto uma criança, não via malícia em nada. E era só um beijo. Que mal teria?

¬ Tá... - era impossível ela ficar mais vermelha. - Mas no rosto!

Ele esboçou um pequenino sorriso em resposta. Ela respirou fundo, cerrou os olhos e começou a se aproximar da bochecha do rapaz, porém, não era bem isso que ele queria depois de tudo o que tinha escutado.

Em um movimento rápido ele encostou os lábios nos delas, ganhando ou tomando, depende do ponto de vista, um beijo na boca. Foi um simples beijo, um pequeno contato entre lábios que durou pouquíssimo tempo, mas que gerou sensações e sentimentos até então desconhecidos, ignorados ou confundidos.

A separação foi tão rápida quanto o ato em si. Ele mirou o lago com um mínimo sorriso e um tanto pensativo. Ela, por outro lado, estava encolhida e de cabeça baixa, estava morrendo de vergonha.

¬ Eu gostei. - ele tinha que ser tão honesto? - Foi bom. Senti algo estranho, mas foi algo bom. - ele tocava o próprio peito com um olhar curioso. - Você não acha?

¬ H-hai... - não tinha como negar que ela sentiu algo bom em seu coração.

Eles ficaram em silencio por mais um tempo, mergulhados nos próprios pensamentos e sentimentos. Será que aquilo era o que chamavam de estar apaixonado? Era algo de que já tinham conversado antes, que já tinham ouvido falar, porém, aquela era a primeira vez que sentiram.

¬ Chihiro.

¬ Hun?!

¬ Pode me dar outro beijo?

Ele tinha um sorriso enfeitando o rosto ao perguntar, isso a fez corar mais uma vez e suspirou. Pelo jeito, aqueles beijos seriam os primeiros de muitos.